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sábado, 23 de fevereiro de 2013

Os limites da pátria

20/02/2013 - Mauro Santayana - em seu blog

(JB) - É difícil saber se a Sra. Marina Silva é uma pessoa ingênua e de boas intenções, ou se optou, conscientemente, por defender os interesses das grandes potências que, sob o comando de Washington, exercem o solerte condomínio econômico do mundo e pretendem o absoluto império político.

Há uma terceira hipótese que, com delicadeza, devemos descartar: desmesurada ambição de poder, sem as condições concretas para obtê-lo e exercê-lo.

Os admiradores lembram sempre sua  origem modesta, o que não quer dizer tudo, mas não podem, com a mesma convicção, dizer que ela tenha mantido, ao longo da carreira, o que os marxistas chamam “consciência de classe”. Suas alianças são estranhas a esse sentimento.

Ela se tornou uma figura homenageada pelos grandes do mundo, mas, sobretudo, do eixo Washington-Londres. Se ela mantivesse a consciência de classe, desconfiaria desses mimos. Para dizer a verdade, nem mesmo seria necessária a consciência de classe: bastaria a consciência de pátria.

A Sra. Silva, como alguns outros brasileiros que se pretendem na esquerda, é uma internacionalista. O meio ambiente, que querem preservar tais verdes e assimilados, não é o do Brasil para os brasileiros, mas é o do Brasil para o mundo.

Quando a Família Real Inglesa e os círculos oficiais e financeiros norte-americanos cercam a menina pobre dos seringais de homenagens, usam de uma astúcia velha dos colonialistas, e fazem lembrar os franceses na aliança com a Confederação dos Tamoios, e os holandeses em suas relações com Calabar.

Os tempos mudam, os interesses de conquista e domínio permanecem, com sua própria dinâmica e solércia.

Os limites intransponíveis da razão política são os da pátria.

Todos os devaneios são admissíveis, menos os que comprometam a soberania nacional.

Não são apenas os estrangeiros que adoçam os sonhos da defensora da natureza. São também brasileiros ricos e conservadores que, é claro, procuram dividir a cidadania, para que fiéis servidores políticos mantenham sua posição no Parlamento e nos outros poderes.

Há informações de que grande acionista de banco poderoso se encarregou das despesas do espetáculo de lançamento do partido de dona Marina, que não quer ser chamado de partido.

E não se esqueça de que quem sempre a financiou é um industrial enriquecido com a biodiversidade amazônica.

Não há coincidências em política.

Os mentores da Sra. Silva querem que seu movimento, como ela anunciou, não seja de direita, nem de esquerda, e muito menos de centro - que é o equilíbrio pragmático entre as duas pontas do espectro.

É interessante a ilogicidade da proposta. Como é possível dissociar a ideologia da política e, ainda mais, a ideologia do viver cotidiano?

Esquerda e Direita existem na vida dos homens desde as primeiras tribos  nômades, e são facilmente identificáveis na postura solidária de alguns e no egoísmo de outros.

Sempre que pensamos em igualdade, somos, menos ou mais, de esquerda; sempre que pensamos na superioridade, de qualquer natureza, de uns sobre os outros, estamos na direita.

Mais ainda: ideia é a imagem que construímos previamente na consciência, seja a de um objeto, seja a de uma conduta social e política.
         
Não é possível viver sem um lado.

A doutrina da mal chamada Rede (apropriação apressada e ingênua do mundo da internet, que é um meio neutro) oferece essa aporia: é um partido sem partido, uma realidade sem geometria, uma ideia sem ideia. 

Este texto foi publicado também nos seguintes sites:
http://www.jb.com.br/coisas-da-politica/noticias/2013/02/19/os-limites-da-patria/
http://www.conversaafiada.com.br/politica/2013/02/19/santayana-e-a-blablarina-bastaria-a-consciencia-da-patria/
http://sensoreconomicobrasil.blogspot.com.br/
http://nogueirajr.blogspot.com.br/2013/02/os-limites-da-patria.html
http://saraiva13.blogspot.com.br/2013/02/os-limites-da-patria.html
http://contextolivre.blogspot.com.br/2013/02/os-limites-da-patria.html
http://brasil.dihitt.com.br/n/politica/2013/02/19/os-limites-da-patria
http://bloganacletoboaventura.blogspot.com.br/2013/02/quais-os-interesses-verdadeiros.html
http://joserosafilho.wordpress.com/
http://aliastpadua.com.br/index.php?secao=secoes.php&sc=96&id=4849&url=&sub=MA==
http://dilmanarede.com.br/ondavermelha/blogs-amigos/os-limites-da-patria
http://aindaespantado.blogspot.com.br/2013/02/os-limites-da-patria.html
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2013/02/marina-silva-e-os-limites-da-patria.html
http://bakalarczyk.blogspot.com.br/2013/02/os-limites-da-patria.html
http://teacherramossblog.blogspot.com.br/2013/02/mario-santayana-marina-silva-e-os.html
http://anistiapolitica.org.br/abap/index.php?option=com_content&view=article&id=2362:os-limites-da-patria
http://blogger-news.net/a/2603829

Fonte:
http://www.maurosantayana.com/2013/02/os-limites-da-patria.html

Não deixe de ler:
- A 'politização' de Marina Silva - originalmente publicado no Vermelho
- Já temos a resposta, senadora Marina 
- Marina... você se pintou? - Maurício Abdalla
- A palavra está com você, leitor - Equipe Educom

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.

quinta-feira, 28 de março de 2013

A República e as multinacionais


25/03/2013

por Mauro Santayana

(Carta Maior) - O governo brasileiro tem tratado com deferência o Sr. Emilio Botin, dono do Grupo Santander, já investigado pela justiça espanhola, entre outras coisas, por remessas ilegais de dinheiro para o exterior e duvidosas contas na Suiça, pertencentes à sua família desde os tempos do franquismo. Ele comanda um grupo que teve que pegar, direta e indiretamente, no ano passado - em dinheiro e títulos colocados no mercado - mais de 50 bilhões de euros emprestados; demitiu dois mil empregados no Brasil no mesmo período, e teve uma queda de 49% em seu lucro global nos últimos 12 meses, devido, entre outras razões, a provisões para atender a ativos imobiliários “podres” no mercado espanhol.

A mera leitura dos comentários dos internautas espanhóis sobre o Sr. Botin daria, a quem estivesse interessado, idéia aproximada de como ele é visto em seu próprio país, e de como há quem preveja, com base em argumentos financeiros, que a bicicleta do Santander pode parar de rodar nos próximos meses, com a quebra do grupo ou, pelo menos, de seu braço controlador, ainda em 2013.

Nos últimos dez anos, as remessas de lucro para as matrizes de multinacionais – muitas delas estatais controladas direta ou indiretamente por governos estrangeiros – chegaram, no Brasil, a 410 bilhões de dólares, ou pouco mais que nossas reservas internacionais, duramente conquistadas no mesmo período.

Ora, se as multinacionais trazem dinheiro, e contribuem para aumentar o clima de competição em nossa economia, é natural que elas mandem seus lucros para o exterior. O problema, é que, na indústria, na área de infra-estrutura ou de telecomunicações, quem está colocando o dinheiro somos nós mesmos.

O BNDES tem colocado a maior parcela de recursos, e assumido a maior parte do risco, em empresas que mandam, apesar disso, ou por causa disso mesmo, bilhões de dólares para seus acionistas no exterior, todos os anos. Mais de 70% da nova fábrica da Fiat em Pernambuco foi financiada com dinheiro público. A Telefónica da Espanha recebeu do BNDES mais de 4 bilhões de reais em financiamento para expansão de “infraestrutura” nos últimos anos. E mandou mais de um bilhão e seiscentos milhões de dólares para seus acionistas espanhóis, que controlam 75% da Vivo, nos sete primeiros meses do ano passado.

A OI, que também recebeu dinheiro do BNDES, emprestado, e era a última esperança de termos um “player” de capital majoritariamente nacional em território brasileiro, corre o risco de se tornar agora uma empresa portuguesa, com a entrega de seu controle à Portugal Telecom, na qual o governo português – que já dificultou inúmeras vezes a compra de empresas lusitanas por grupos brasileiros, no passado - conserva mecanismos estratégicos de controle.

Empresas estatais estrangeiras, como a francesa ADP (Aeroportos de Paris) ou a DNCS, que montará aqui os submarinos comprados pelo Brasil à França, pertencem a consórcios financiados com dinheiro público brasileiro. Essa é a mesma fonte dos recursos que serão emprestados às multinacionais que vierem a participar das concessões de aeroportos, de rodovias (com cinco anos de carência para começar a pagar) e de ferrovias, incluindo o trem-bala Rio-São Paulo.

A Caixa Econômica Federal, adquiriu, por sete mil reais, em julho, pequena empresa de informática e depois nela se associou minoritariamente à IBM . No mês seguinte, depois de constituída a nova sociedade, agora controlada pelos norte-americanos, com ela celebrou, sem licitação, contrato de mais de um bilhão e meio de reais - operação que se encontra em investigação pelo TCU.

Qual é o lucro que o Estado brasileiro leva, financiando, direta e indiretamente, a entrada de empresas estrangeiras de capital privado e estatal em nosso território para, em troca, em lugar de reinvestirem os seus lucros por aqui, continuarem mandando tudo o que podem para fora ?

Com a queda dos juros no exterior por causa da crise e da recessão que assolam a Europa e o Japão, existe liquidez bastante para que essas empresas busquem dinheiro lá fora para bancar, pelo menos, a parte majoritária de seus investimentos no Brasil.

Os chineses, por exemplo, têm dinheiro suficiente para financiar tudo o que fizerem no Brasil, sem tomar um centavo com o BNDES. Usar o banco para aumentar o conteúdo nacional nos projetos é inteligente. Mas, se estamos financiando empresas estatais estrangeiras, por que não podemos financiar nossas próprias estatais, não apenas para diminuir a sangria bilionária, em dólares, para o exterior, mas também para regular o mercado e os serviços prestados à população, como já ocorre com os bancos públicos no mercado financeiro?

Não se trata de expulsar ou discriminar o capital estrangeiro. Mas o bom sócio tem que trazer, ao menos, know-how e dinheiro próprio. A China sempre tratou - até por uma questão cultural - com superioridade quem quer investir lá dentro, e cresceu quase dez por cento ao ano, nos últimos 20 anos, porque sempre entendeu ser o mercado interno seu maior diferencial estratégico.

Aqui, continuamos financiando a entrada de empresas estrangeiras com dinheiro público, dando-lhes terrenos de graça, isentando-as de impostos, como se não fôssemos a sétima economia do mundo.

O desenvolvimento nacional tem que estar baseado no tripé capital estatal, capital privado nacional, e capital estrangeiro. Nosso dinheiro, parco com relação aos desafios que enfrentamos no contexto do crescimento da economia, deve ser prioritariamente reservado para empresas de controle nacional, que, caso sejam privadas, se comprometam a não se vender para a primeira multinacional que aparecer na esquina. Quem vier de fora, que traga seu próprio dinheiro, e o invista, preferivelmente, em novos negócios, que possam expandir o número de empregos, a estrutura produtiva e aumentar a parcela de recursos disponíveis para o investimento.

Este texto foi publicado também nos seguintes sites:


http://gsmbrasil.net.br/?p=54127
Fonte: Blog do Mauro  Santayana

quinta-feira, 31 de maio de 2012

A urgência da união sul-americana

19/05/2012 - Mauro Santayana (*)
extraído do site Carta Maior

A América do Sul terá que unir-se com urgência, para que não se torne território aberto à disputa feroz pelos seus recursos naturais, no futuro que se apressa a chegar. Ao lado da África, a América Latina sempre foi vista como um território de todos, menos de seus próprios habitantes.
(Mauro Santayana)

Não há mais espaço para a dúvida: a América do Sul terá que unir-se com urgência, para que não se torne território aberto à disputa feroz pelos seus recursos naturais, no futuro que se apressa a chegar. Ao lado da África, a América Latina sempre foi vista como um território de todos, menos de seus próprios habitantes. Em nome da Fé e da Civilização, espanhóis e portugueses, holandeses e franceses, aqui chegaram para ocupar e dominar as civilizações existentes, como as andinas.

Nesse aspecto, o Brasil é uma exceção importante: os indígenas brasileiros ainda se encontravam no neolítico, ao contrário dos habitantes da cordilheira, senhores de uma cultura respeitável. Isso parece pouco, mas não é. Dos europeus que tentaram a conquista, os ibéricos tiveram mais êxito, não só na América do Sul, mas também em grande parte da América do Norte, até a chegada em massa dos seus rivais britânicos. O que nos interessa, no entanto, é esse continente em suas razões geográficas, políticas, econômicas e culturais. E não “subcontinente”, como muitos insistem em nos considerar.

Geograficamente, nós constituímos uma realidade própria. Ainda que o istmo do Canadá una o Hemisfério Ocidental, e que grande parte da América do Sul política se encontre ao norte do Equador, e nela considerável parcela do Brasil, da Colômbia à Terra do Fogo somos uma realidade geográfica e histórica bem identificada. Sempre foi do interesse dos colonizadores que vivêssemos, brasileiros e hispano-americanos, bem separados uns dos outros.

Mesmo durante os 60 anos em que as coroas de Portugal e da Espanha estiveram unidas, a administração colonial se manteve separada e os contatos se limitavam às autoridades. Nossos povos não se conheciam, a não ser nos raros pontos fronteiriços.

Ao desdenhar os nossos povos, o arrogante Kissinger disse que nada de importante ocorreu no Hemisfério Sul. Ele, em sua visão preconceituosa e imperialista, se esqueceu de que a descoberta e conquista da América foram o fato mais importante de toda a História do Ocidente.

Essa importância começa com a viagem de Colombo, em 1492, mais arriscada do que a ida do homem à Lua. Os astronautas que desceram no satélite da Terra foram precedidos de sondas e exaustivos cálculos matemáticos; da metalurgia de novas ligas metálicas para as aeronaves, de todos os cuidados. Os navegantes do fim do século XV só contavam com sua coragem a fim de vencer o Mar Oceano em frágeis caravelas.

Devemos a Napoleão o surgimento da América do Sul como realidade política. Antes dele e da invasão da Península Ibérica por suas tropas, a América do Sul era assunto britânico, por intermédio de Lisboa e de Madri. A vitória de Waterloo confirmou a presença britânica no continente até a Primeira Guerra Mundial.

Éramos, segundo Hegel, em seu Curso de Filosofia da História, entre 1818 e 1822, uma região em constantes rebeliões chefiadas por caudilhos militares, enquanto a América do Norte, sob a razão protestante, anunciava uma nova civilização. Mas insinuava certo otimismo:

“A América é, portanto, a terra do porvir, onde, nos tempos futuros se manifestará, talvez, no antagonismo da América do Norte com a América do Sul, o ponto de gravidade da História Universal. É uma terra de sonho para todos aqueles que se encontram cansados do bric-à-brac da Velha Europa. Napoleão teria dito: Esta velha Europa me entedia.” 

E continua: “A América deve se separar do solo sobre o qual se passou, até agora, a história universal”.

Estamos no momento exato de separar-nos da velha Europa, coisa que os Estados Unidos só serão capazes de fazer quando os hispano-americanos se tornarem a etnia predominante naquele país.

A hora é, portanto, da América do Sul. E o primeiro movimento necessário nessa direção é o fortalecimento do Mercosul.

Roberto Requião
Essa constatação foi a tônica do primeiro encontro sobre “Crise, Estado e Desenvolvimento: Desafios e Perspectivas para a América do Sul”, promovido pela Representação Brasileira no Parlasul, por iniciativa do Senador Roberto Requião, sexta-feira passada [18/05/12], no Senado, de que participaram o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, Alto Representante Brasileiro no Mercosul, o Professor Carlos Lessa e este colunista. Temos que nos apressar, e negociar com o espírito de solidariedade efetiva, a quebra de barreiras internas no continente, base necessária aos acordos políticos.

Samuel Pinheiro Guimarães
 Nesse sentido, é interessante a proposta ousada da Argentina, de estabelecimento de uma tarifa comum, de 35% por cento, para a entrada de produtos estrangeiros no Mercosul, e abolição total das tarifas no espaço do acordo aduaneiro.

A História mostra – e o exemplo mais importante é o da Alemanha – que a união política necessita de uma união aduaneira prévia. Ainda em 1834, a Prússia iniciou esse processo de união aduaneira (Zollverein) com os numerosos estados alemães, o que possibilitou a união política quase 50 anos depois.

Carlos Lessa
Mas uma união aduaneira exige mais do que interesses econômicos, para se tornar uma união política. Exige certa identidade étnica, espírito de solidariedade e semelhante visão do mundo, o que ocorria na Alemanha, antes e depois de Bismarck, e que não existe na Europa de hoje. Temos, na América do Sul, não obstante a identidade cultural própria de nossos povos, certa identidade étnica, história mais ou menos comum de países que foram colônias, continuidade geográfica e espírito de solidariedade.
Mauro Santayana

Pressionados pela crise que provocaram, os governantes dos países nórdicos sentem-se tentados a nova aventura de conquista, econômica, política e, se for preciso, militar, da América do Sul. Pelo que fizeram e estão fazendo nos países produtores de petróleo, podemos prever o que se encontram dispostos a fazer em busca das matérias primas e dos nossos territórios que cobiçam. Para que não sejamos dominados neste século, como advertia Perón em 1945, temos que nos unir, logo, sem tergiversações menores, e respeitando-nos como povos rigorosamente iguais.

O problema, mais do que ideológico, é geopolítico. É o do nosso espaço, que eles consideram vital para eles. Nosso dever, na História, é o de resistir e construir nova forma de convívio, criador e solidário, no espaço que ocupamos há meio milênio.

(*) Colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Um Julgamento Político

16/11/2012 - Mauro Santayana em seu blog


O julgamento da Ação 470, que chega ao seu fim com sentenças pesadas contra quase todos os réus, corre o risco de ser considerado como um dos erros judiciários mais pesados da História.

Se, contra alguns réus, houve provas suficientes dos delitos, contra outros os juízes que os condenaram agiram por dedução.

Guiaram-se pelos silogismos abengalados, para incriminar alguns dos réus.


       O relator do processo não atuou como juiz imparcial: fez-se substituto da polícia e passou a engenhosas deduções, para concluir que o grande responsável fora o então Ministro da Casa Civil, José Dirceu. Podemos até admitir, para conduzir o raciocínio, que Dirceu fosse o mentor dos atos tidos como delituosos, mas faltaram  provas, e sem provas, não há como se condenar ninguém.

         O julgamento, por mais argumentos possam ser reunidos pelos membros do STF, foi político. Os julgamentos políticos, desde a Revolução Francesa, passaram a ser feitos na instância apropriada, que é o parlamento. Assim foi conduzido o processo contra Luis XVI. Nele, de pouco adiantaram os brilhantes argumentos de seus notáveis advogados, Guillaume Malesherbes, François Tronchet e Deseze, que se valiam da legislação penal comum.

       O julgamento era político, e feito por uma instituição política, a Convenção Nacional, que representava a Nação; ali, os ritos processuais cediam lugar à vontade dos delegados da França em processo revolucionário. A tese do poder absoluto dos parlamentares para fazer justiça partira de um dos mais jovens revolucionários, Saint-Just. Ela fora aceita, entre outros,  por Danton e por Robespierre, que se encarregou de expô-la de forma dura e clara, e com a sobriedade própria dos julgadores -  segundo os cronistas do episódio - aos que pediam clemência e aos que exigiam o respeito ao Código Penal, já  revogado juntamente com a monarquia.

        - “Não há um processo a fazer. Luis não é um acusado. Vocês não são juízes, vocês são homens de Estado. Vocês não têm sentenças a emitir em favor ou contra um homem, mas uma medida de segurança pública a tomar, um ato de providência nacional a exercer. Luis foi rei e a República foi fundada”.

E Robespierre, implacável, explica que, em um processo normal, o Rei poderia ser considerado inocente, desde que a presunção de sua inocência permaneceria até o julgamento. E arremete:
       - “Mas, se Luis é absolvido, o que ocorre com a Revolução? Se Luis é inocente, todos os defensores da liberdade passam a ser caluniadores”.

Os fatos posteriores são conhecidos.

      O STF agiu, sob  aparente ira revolucionária de alguns de seus membros, como se fosse a  Convenção Nacional. Como uma Convenção Nacional tardia, mais atenta às razões da direita - da Reação Thermidoriana, que executou Robespierre, Saint Just e Danton, entre outros - do que a dos montagnards de 1789. Foi um tribunal político, mas sob o mandato de quem? Quem os elegeu? E qual deles pôde assumir, com essa grandeza, a responsabilidade do julgamento político, que assumiu o Incorruptível? E qual dos mais exacerbados poderia dizer aos outros que deviam julgar como homens de Estado, e não como juízes?

     Como o Tartufo, de Molière, que via a sua razão onde a encontrasse, foram em busca da teoria do domínio do fato, doutrina que, sem essa denominação, serviu para orientar os juízes de Nurenberg, e foi atualizada mais tarde pelo jurista alemão Claus Roxin [foto].

Só que o domínio do fato, em nome do qual incriminaram Dirceu, necessita, de acordo com o formulador da teoria, de provas concretas.

Provas concretas encontradas contra os condenados de Nurenberg, e provas concretas contra o general Rafael Videla e o tiranete peruano Alberto Fujimori.

       E provas concretas que haveria contra Hitler, se ele mesmo não tivesse sido seu próprio juiz, ao matar-se no bunker, depois de assassinar a mulher Eva Braun e sua mais fiel amiga, a cadela  Blondi. Não havendo prova concreta que, no caso, seria uma ordem explícita do Ministro a alguém que lhe fosse subordinado (Delúbio não era, Genoíno, menos ainda), não se caracteriza o domínio do fato.


Falta provar, devidamente, que ele cometeu os delitos de que é acusado, se o julgamento é jurídico.

Se o julgamento é político, falta aos juízes provar a sua condição de eleitos pelo povo.

     Dessa condição dispunham os membros da Convenção Nacional Francesa e os parlamentares brasileiros que decidiram pelo impeachment do Presidente Collor. As provas contra Collor não o condenariam (como não condenaram) em um processo normal. Ali se tratou de um julgamento político, que não se pretendeu  técnico, nem juridicamente perfeito, ainda que fosse presidido pelo então presidente do STF.

       A nação, pelos seus representantes, foi o tribunal. O STF é o cimo do poder judiciário. Sua sentença não pode ser constitucionalmente contestada, mesmo porque ele é, também, o tribunal que decide se isso ou aquilo é constitucional, ou não.




A História, mais cedo do que tarde, fará a revisão desse processo, para infirma-lo, por não atender às exigências do due process of law, nem a legitimidade para realizar um julgamento político.


    O julgamento político de Dirceu, justo ou não, já foi feito pela Câmara dos Deputados, que lhe cassou o mandato. 
      
Este texto foi publicado também nos seguintes sites:
http://www.jb.com.br/coisas-da-politica/noticias/2012/11/16/mensalao-um-julgamento-politico/
http://www.conversaafiada.com.br/
http://blogdadilma.com/index.php/politica/1253-grave-erro-de-um-julgamento-politico
http://midiacrucis.wordpress.com/2012/11/16/mensalao-um-julgamento-politico/
http://www.viomundo.com.br/politica/santayana-julgamento-da-ap-470-corre-o-risco-de-ser-um-dos-erros-judiciarios-mais-pesados-da-historia.html
http://falariodasostras.blogspot.com.br/2012/11/a-nacao-pelos-seus-representantes-foi-o.html
http://contextolivre.blogspot.com.br/2012/11/um-julgamento-politico.html
http://cezarcanduchopt13.blogspot.com.br/2012/11/mensalao-um-julgamento-politico.html
http://www.dignow.org/post/mensal%C3%A3o-um-julgamento-pol%C3%ADtico-mauro-santayana-4782316-39372.html
http://olhosdosertao.blogspot.com.br/2012/11/grave-erro-de-um-julgamento-politico.html
http://jornalaico.blogspot.com.br/2012/11/o-maior-erro-judiciario-da-historia-do.html
http://www.paraiba.com.br/colunista/joao-costa/39915-tal-qual-o-tribunal-do-santo-oficio-torquemada
http://www.tribunadaimprensa.com.br/?p=52653
http://www.gustavoguedesnatal.com/2012/11/o-julgamento-da-ap-470-foi-politico.html
http://blogdadilma.com/index.php/politica/1244-mauro5
http://007bondeblog.blogspot.com.br/2012/11/mensalao-um-julgamento-politico-mauro.html
http://luizfelipemuniz.blogspot.com.br/2012_11_01_archive.html
http://facasuahistoria.blogspot.com.br/2012/11/altamiro-borges-grave-erro-de-um.html
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2012/11/grave-erro-de-um-julgamento-politico.html?spref=bl
http://wwwcenopoesiadobrasil.blogspot.com.br/2012/09/carta-de-jao-pessoa-rbtr.html

Fonte:
http://www.maurosantayana.com/2012/11/um-julgamento-politico.html

sábado, 9 de abril de 2011

Terrorismo de Columbine

 por Mauro Santayana*

É difícil separar a emoção da razão, quando escrevemos sobre tragédias como a de ontem (7 de abril). A morte de crianças nos toca fundo:  pensamos em nossos próprios filhos, em nossos próprios netos.  Por mais que deles cuidemos, são indefesos em um mundo a cada dia mais inóspito.
Crianças e professores são agredidos pelos próprios colegas nas escolas. Traficantes de drogas e aliciadores esperam às suas portas a fim de perverter os adolescentes.  Em 1955, baseado em livro de Evan Hunter, Richard Brooks dirigiu um filme forte sobre a brutalidade nas escolas norte-americanas, Blackboard Jungle,  exibido no Brasil com o título de Sementes da Violência.
É difícil entender como um rapaz de 24 anos se arma e volta à escola onde estudara, a fim de atirar contra adolescentes. No calor dos fatos, com a irresponsabilidade comum a alguns meios de comunicação, associaram o crime ao bode expiatório de nosso tempo, o “terrorismo muçulmano”. No interesse dessa ilação, chegaram  a anunciar que isso estava explícito na carta que ele deixou. Ela, no entanto,  revela loucura associada não ao islamismo, mas, sim, às seitas pentecostais, de origem norte-americana, com sua visão obscurantista da fé. São seitas que alimentaram atos de loucura como o de Jim Jones, ao levar 900 de seus seguidores, a Peoples Temple, ao suicídio, na Guiana, em 18 de novembro de 1978. É o que hoje fazem pastores da Flórida, ao queimar um exemplar do livro sagrado dos muçulmanos – e provocar a reação irada de fiéis no Iraque e no Afeganistão. Segundo revelou sua irmã, a mãe adotiva de Wellington, cuja morte o
transtornou, pertencia à seita das Testemunhas de Jeová, preocupada com a pureza do corpo, que o assassino menciona em sua carta. A referência à volta de Jesus e ao dogma da Ressurreição dos justos, não deixa  dúvida. Ele nada tinha a ver com o Islã, apesar de suas recomendações lembrarem ritos mortuários comuns às religiões monoteistas.
A carta revela um jovem perturbado pela idéia de pureza. Aos 24 anos, o assassino diz que seu corpo “virgem” não pode ser tocado pelos impuros. Ao mesmo tempo, presumindo-se herdeiro da casa que ocupava em Sepetiba, deixa-a, em legado, para instituições que cuidem de animais abandonados. Os cães, que são a maioria dos bichos de rua no Brasil, são, para os muçulmanos, animais amaldiçoados.
É preciso rechaçar, de imediato, qualquer insinuação de fundamentalismo islamita ao ato de insanidade do rapaz. O pior é que homens públicos eminentes endossaram essa insensatez. O terrorismo de Wellington é o dos atos, já rotineiros, de assassinatos em massa nas escolas norte-americanas, a partir do episódio de Columbine em 20 de abril de 1999. Desde que os meios de comunicação e do entretenimento transformaram o homem nesse ser unidimensional, conforme Marcuse, o modelo  de vida, que o cinema, as histórias em quadrinhos, a televisão e, agora, a internet, nos  trazem, é o da pujante, bem armada e soberba civilização norte-americana. Ela nos prometia a realização do sonho da prosperidade, da saúde, da segurança, do conforto e da alegria, da virilidade e da beleza. Mas essa civilização é apenas pesadelo, contrato faustiano com o diabo, sócio emboscado da morte. O diabo começou a cobrar seu preço, ao levar essa civilização à
loucura, no Vietnã; nas muitas intervenções armadas em terra alheia; em Oklahoma, em Columbine, em Waco, e nos demais assassinatos coletivos dos últimos anos.
Limpemos as nossas lágrimas, e reflitamos se vale a pena insistir nessa forma de vida. Se vale a pena continuar sepultando crianças, e com elas, os sentimentos de solidariedade, de humanismo, de civilidade e de justiça. As crianças que morreram ontem, ao proteger as mais fracas com seus corpos,  nos disseram  o que temos a fazer, para que a vida volte a ter sentido.

Mauro Santayana é colunista no JB online.
Texto de 8 de abril.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

O neoliberalismo e a morte da Terra

17/06/2012 - Mauro Santayana (*)
original publicado no site Carta Maior

Ao que parece, o homem está à espera de uma catástrofe – como foi a peste negra, no século 14 – a fim de compreender as dimensões de seus erros.

O que está matando o mundo, hoje, é a peste da ganância do capitalismo, que transformou a razão científica em mera servidora do dinheiro, principalmente a partir do neoliberalismo. (Mauro Santayana)

Não se pode esperar muito da Conferência do Rio. Há quarenta anos que o problema do meio ambiente vem sendo discutido e, nesse tempo, pouco se fez de objetivo a fim de assegurar as condições que a biosfera oferece à Natureza. Ao que parece, o homem está à espera de uma catástrofe – como foi a peste negra, no século 14 – a fim de compreender as dimensões de seus erros. Naquele século emblemático – no qual historiadores encontram semelhanças com o nosso – a população européia quase desapareceu. Pulgas e ratos levaram a peste da Ásia e encontraram o continente vulnerável à bactéria Yersinia pestis: segundo os cálculos, mais de um terço dos europeus pereceram no curso de quatro anos. Como vemos, seres aparentemente tão frágeis são capazes de promover hecatombes.

O que está matando o mundo, hoje, vale repetir, é a peste da ganância do capitalismo, que transformou a razão científica em mera servidora do dinheiro, principalmente a partir do neoliberalismo. Todos nós sabemos que os nutrientes químicos, como o nitrogênio, e agrotóxicos, estão matando os rios e extensões cada vez maiores dos oceanos. A Monsanto continua, firme, em nome da liberdade do mercado, a envenenar os solos e os mananciais de água – isso sem falar nas suas sementes transgênicas.

O que já era ruim em 1972, quando se reuniu, em Estocolomo, a Primeira Conferência sobre o Meio-Ambiente, tornou-se muito pior a partir da conjuração anti-estado, promovida por Reagan, Thatcher – e, como coringa solto na jogada, o papa Karol Wojtila. Nestes últimos trinta e dois anos, não obstante as sucessivas declarações de alarme, e três novas conferências realizadas, pouco se fez de objetivo, a fim de salvar a natureza. Assim, o neoliberalismo acelera o assassinato da Terra.

A realidade nos impõe uma constatação: enquanto os Estados Unidos que, para o bem e para o mal, são o modelo da civilização contemporânea, não mudarem a sua matriz energética, e não contiverem a insensatez da bio-engenharia a serviço dos interesses do grande capital, o mundo continuará sua marcha para a tragédia.

Em nosso caso, a salvação da biodiversidade com que nos privilegiou a Natureza e, em seguida, a História, vem correndo novos e evitáveis riscos, a partir do desmantelamento do Estado, promovido pelo governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso.

Desde Getúlio Vargas, o Brasil dispunha de grupos técnicos de planejamento de infraestrutura a médio e longo prazo. Durante o governo de Juscelino, esses grupos se tornaram a vanguarda do desenvolvimento da economia nacional. Os governos militares mantiveram alguns deles, reorganizaram outros e esvaziaram os demais. Um desses grupos, talvez o mais importante para o nosso desenvolvimento, era o Geipot – reorganizado em 1965, durante o governo de Castelo Branco, abandonado por Fernando Henrique e hoje em liquidação.

A União teve o prejuízo de 400 milhões de reais na execução das obras da Ferrovia Norte-Sul, por falta de um órgão como o Geipot. O serviço das empreiteiras não foi fiscalizado, dia-a-dia, como deveria ter sido, e erros graves, além da não execução das obras planejadas, como estações e depósitos, foram constatados pela nova diretoria da Valec, a estatal que administra a implantação do grande trecho ferroviário.

Outra imprevisão do governo se manifesta agora, na Hidrelétrica do Jirau. Dois milhões de metros cúbicos de madeira e lenha, retirados da área a ser coberta pelas águas, estão destinados a apodrecer, por falta de aproveitamento econômico. A retirada dessa cobertura vegetal deveria ter sido planejada com antecedência e seu aproveitamento, da mesma forma.

Outras áreas da Amazônia estão sendo desmatadas para a exportação – legal e ilegal – da madeira, com os danos conhecidos ao meio-ambiente. É urgente que se planifique o aproveitamento racional da madeira e dos outros bens naturais existentes nas áreas a serem inundadas nas outras hidrelétricas em construção no território brasileiro. Há, ainda, no fundo da futura represa – cujo enchimento se iniciará ainda este ano – muita cobertura vegetal que, se não retirada a tempo, irá provocar danos imensos ao ambiente, ao produzir metano, um dos gases mais poluidores da atmosfera, além do carbono.

A eficiência do Estado se garante mediante o estudo prévio de suas necessidades e de suas possibilidades, ou seja, de planejamento. Desde o Império, empreendedores e homens de Estado pensaram em termos de planejamento. Até hoje é válido o projeto ferroviário de Mauá, que previa a ligação ferroviária entre o Norte e o Sul, entre o Leste e o Oeste, e o aproveitamento dos rios para o transporte de carga pesada. Vargas, na plataforma eleitoral de 1930, reafirmou a necessidade de planejamento e seguiu a idéia durante o Estado Novo. Vargas retomou o projeto nacional, em 1951 e Juscelino deu-lhe prosseguimento de forma vigorosa, em seu mandato.

Com a desconstrução do estado nacional, o governo Fernando Henrique deixou o planejamento por conta das empreiteiras e dos estrangeiros. Vale lembrar a contratação da Booz Allen pelo governo tucano, para “identificar os gargalos” que dificultam o desenvolvimento do país, quando não faltam técnicos competentes nos quadros da administração federal para cuidar do planejamento dos projetos de infra-estrutura no Brasil, como é o caso dos transportes e da energia.

É hora de o Estado assumir diretamente a sua responsabilidade e buscar os meios constitucionais para acabar com as agências reguladoras e devolver aos ministérios as tarefas que devem ser suas. As agências reguladoras foram, nos Estados Unidos de Roosevelt e do New Deal, o instrumento do Estado para conduzir a economia nos anos de crise. No Brasil, elas tiveram o objetivo contrário, o de entregar aos agentes privados, a serviço dos interesses estrangeiros, a administração dos setores estratégicos nacionais, como a energia elétrica, as telecomunicações, as rodovias, as ferrovias e os portos – isso sem falar na saúde, com a Anvisa.

(*) Colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

A CPI do MST e as terras roubadas

Além de caçar a palavra do presidente do Incra, Guilherme Cassel, quando este responsabilizava os meios de comunicação pela criminalização dos movimentos sociais, a maior parte da mídia segue jogando confete para as agressões da bancada ruralista ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e omite questões e problemáticas essenciais ao entendimento da disputa política no campo, como a grilagem (exemplificada na total ilegalidade das terras ocupadas pela empresa Cutrale), as agressões do agronegócio ao meio ambiente, a sonegação de impostos pelo latifúndio e a tunga que gente como a senadora Kátia Abreu e o deputado Ronaldo Caiado promove ano a ano nos bancos estatais. Este artigo, publicado por Mauro Santayana na página de Opinião do Jornal do Brasil ajuda a entender o que está por trás da crise Cutrale-MST-CPI

A CPI do MST e as terras roubadas
publicado no JB em 14/10/2009
Por Mauro Santayana

A terra é o mais grave problema de nossa história social, desde que os reis de Portugal retalharam a geografia do país, com a concessão de sesmarias aos fidalgos. Os pobres não tiveram acesso pleno e legal à terra, a não ser nos 28 anos entre a independência – quando foi abolido o regime das sesmarias – e 1850, quando os grandes proprietários impuseram a Lei de Terras, pela qual as glebas devolutas só podiam ser adquiridas do Estado a dinheiro.


A legislação atual vem sendo sabotada desde que foi aprovado o Estatuto da Terra. É fácil condenar a violência cometida, em episódios isolados, e alguns muito suspeitos, pelos militantes do MST. Difícil tem sido a punição dos que matam seus pequenos líderes e os que os defendem. Nos últimos anos, segundo o MST, mais de 1.600 trabalhadores rurais foram assassinados e apenas 80 mandantes e executores chegaram aos tribunais. Em lugar de uma CPI para investigar as atividades daquele movimento, seria melhor para a sociedade nacional que se discutisse, a fundo, a questão agrária no Brasil.


O Censo de 2006, citado pelo MST, revela que 15 mil proprietários detêm 98 milhões de hectares, e 1% deles controla 46% das terras cultiváveis. Muitas dessas glebas foram griladas. Temos um caso atualíssimo, o do Pontal do Paranapanema, onde terras da União estão ocupadas ilegalmente por uma das maiores empresas cultivadoras de cítricos do Brasil. O Incra está em luta, na Justiça, a fim de recuperar a sua posse. O que ocorre ali, ocorre em todo o país, com a cumplicidade, remunerada pelo suborno, de tabeliães e de políticos.


Cinco séculos antes de Cristo, os legisladores já se preocupavam com a questão social e sua relação com a posse da terra. É conhecida a reforma empreendida por Sólon, o grande legislador, na Grécia, que, com firmeza, mandou quebrar os horoi, ou marcas delimitadoras das glebas dos oligarcas. Mais ou menos na mesma época, em 486, a.C., Spurio Cássio, um nobre romano, fez aprovar sua lei agrária, que mandava medir as glebas de domínio público e separar parte para o Tesouro do Estado e parte para ser distribuída aos pobres. Imediatamente os nobres se sublevaram como um só homem, e até mesmo os plebeus enriquecidos (ou seja a alienada classe média daquele tempo) a eles se somaram. Spurio Cássio, como conta Theodor Mommsen em sua História de Roma, foi levado à morte. “A sua lei foi sepultada com ele, mas o seu espectro, a partir de então, arrostava incessantemente a memória dos ricos, e, sem descanso, surgia contra eles, até que, pela continuada luta, a República se desfez” – conclui Mommsen. E com razão: a última e mais completa lei agrária romana foi a dos irmãos Graco, Tibério e Caio, ambos mortos pelos aristocratas descontentes com sua ação em favor dos pobres. Assim, a República se foi dissolvendo nas guerras sociais, até que Augusto a liquidou, ao se fazer imperador, e seus sucessores conduziram a decadência da grande experiência histórica.



Não há democracia sem que haja reforma agrária. A posse familiar da terra – e da casa, na situação urbana – é o primeiro ato de cidadania, ou seja, de soberania. Essa posse vincula o homem e sua família à terra, à natureza e à vida. Sem lar, sem uma parcela de terra na qual seja relativamente senhor, o homem é desgarrado, nômade sem lugar nas sociedades sedentárias.


É impossível ao MST estabelecer critérios rígidos de ação, tendo em vista a diversidade regional e a situação de luta, caso a caso. Outro ponto fraco é a natural permeabilidade aos agentes provocadores e infiltrados da repressão particular, ou da polícia submetida ao poder econômico local. No caso do Pontal do Paranapanema são muitas as suspeitas de que tenham agido provocadores. É improvável que os invasores tenham chamado a imprensa a fim de documentar a derrubada das laranjeiras – sabendo-se que isso colocaria a opinião pública contra o movimento. Repete-se, de certa forma, o que houve, há meses, no Pará, em uma propriedade do banqueiro Daniel Dantas.


É necessária a criação de força-tarefa, composta de membros do Ministério Público e agentes da Polícia Federal que promova, em todo o país, devassa nos cartórios e anule escrituras fraudulentas. No Maranhão, quiseram vender à Vale do Rio Doce (então estatal), extensas glebas. A escritura estava registrada em 1890, em livro redigido e assinado com caneta esferográfica – inventada depois de 1940.