segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Governo resgata 41 indígenas do trabalho escravo no Rio Grande do Sul


[O conteúdo do artigo abaixo se insere no mesmo contexto daquele presente no "Bispo Dom Pedro Casaldáliga é ameaçado por invasores de Marãiwatsédé" que publicamos ontem. E, por certo, não muito distante dos demais cujos links divulgamos ao final. Boas leituras! Equipe Educom]

30/11/2012 - Leonardo Sakamoto em seu blog  

O confinamento em pequenas parcelas de terra é uma das principais razões para a precária situação dos povos indígenas no Mato Grosso do Sul e na região Sul do país.

Sem alternativas, tornam-se alvos fáceis para os aliciadores. Desde cedo.

Cerca de 98% das terras indígenas brasileiras estão na região da Amazônia Legal. Elas reúnem metade desses povos. A outra metade está concentrada nos 2% restantes do país. Sem demérito para a justa luta dos indígenas do Norte, o maior problema se encontra no Centro-Sul, mais especificamente com os guaranis no Mato Grosso do Sul – que concentra a segunda maior população indígena do país, só perdendo para o Amazonas.

Há anos, eles aguardam a demarcação de mais de 600 mil hectares de terras, além de algumas dezenas de milhares de hectares que estão prontos para homologação ou emperrados por conta de ações na Justiça Federal por parte de fazendeiros.


Ao longo dos anos, os indígenas do Centro-Sul foram sendo empurrados para pequenas reservas, enquanto fazendeiros, muitos dos quais ocupantes irregulares de terras, esparramaram-se confortavelmente.

Incapazes de garantir qualidade de vida, o confinamento em favelas-reservas acaba por fomentar altos índices de desnutrição infantil, além de forçar a oferta de mão de obra barata. Pois, sem alternativas, tornam-se alvos fáceis para os aliciadores e muitos acabaram como escravos em usinas e fazendas nos últimos anos. E isso quando esse “território” não se resume a barracas de lona montadas no acostamento de alguma rodovia com uma excelente vista para a terra que, por direito, seria deles.

Vale a leitura da matéria de Verena Glass, da Repórter Brasil, sobre o flagra de 41 indígenas em situação análoga à de escravos no Rio Grande do Sul:



"Uma força-tarefa do Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Publico do Trabalho e Funai libertaram 41 indígenas kaingang – entre os quais 11 tinham menos de 18 anos – que trabalhavam em condições análogas à escravidão em Itaimbezinho, distrito do Município de Bom Jesus (RS). Os indígenas foram encontrados durante uma fiscalização de rotina na atividade de raleio de maçãs em uma área arrendada pelo empresário Germano Neukamp.

De acordo com o procurador do trabalho Ricardo Garcia, os trabalhadores foram aliciados por um funcionário do empresário. Nenhum indígena tinha carteira assinada, os contratos de trabalho eram apenas verbais e por tempo indeterminado e o pagamento – também acordado verbalmente – de R$ 40,00/dia não havia sido efetuado regularmente, apesar de vários indígenas estarem trabalhando desde setembro. “Quando chovia e os indígenas não podiam trabalhar não recebiam”, relata o procurador. O empregador também não forneceu as ferramentas de trabalho ou quaisquer equipamentos de proteção individual.

Famílias com crianças em condições precárias – Já as condições precárias de alojamento e alimentação chocaram os membros da força-tarefa.



Segundo a auditora fiscal Inez Rospide, coordenadora da Fiscalização Rural no Rio Grande do Sul, que coordenou a libertação, os alojamentos estavam em péssimas condições, havia apenas dois banheiros para os 41 trabalhadores, as famílias  (inclusive crianças) se apertavam em espaço insuficiente, a fiação elétrica estava solta, o frio entrava pelas frestas, a água era armazenada em garrafas pet e havia comida estragada pelos cantos.

De acordo com Ricardo Garcia, do MPT, o alojamento já havia sido interditado em outra fiscalização em 2009 e, de lá para cá, só se deteriorou. 

“Pode até ser que os indígenas vivam com menos conforto nas aldeias, mas aquilo era insuportável até para um trabalhador mais rústico”, afirma o procurador.

Dos 11 indígenas adolescentes libertados, cinco tinham entre 14 a 16 anos, e outros seis, de 16 a 17 anos.

“Uma garota de 17 anos estava grávida. O pai da criança, de 15, também trabalhava no local”, relata a auditora fiscal Inez Rospide.

Coordenador da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul), Rildo Kaingang explica que a presença de adolescentes nas frentes de trabalho é um fator que exige especial atenção dos empregadores, uma vez que a total ausência de políticas públicas para as aldeias Kaingang tem forçado cada vez mais indígenas a buscar fontes de renda em atividades nos frigoríficos e nas safras de frutas, como maçã e uva, na região nordeste do Rio Grande do Sul.

“Para os kaingang, um adolescente de 13 anos já está entrando na fase adulta, e os jovens acabam seguindo o caminho indicado a eles pelos adultos. Como nas aldeias a situação é muito precária (são quase favelas rurais, sem habitação decente nem qualquer apoio a atividades produtivas por parte do governo), os indígenas – e também os adolescentes – são empurrados a buscar alternativas fora. É obrigação do empregador zelar pelo cumprimento da lei e não contratar estes jovens, que ficam expostos a condições impróprias, como áreas com perigo de contaminação por agrotóxicos, e outros problemas”, explica o dirigente da Arpinsul.

Após a libertação dos indígenas, foram lavrados 17 autos de infração contra o empregador Germano Neukamp, entre eles, a falta de sinalização das áreas tratadas com agrotóxicos, e pagos 50% dos direitos rescisórios (que totalizam R$ 54.646,32). O restante será quitado no dia 23 de dezembro.

As vítimas foram reconduzidas à aldeia na terra indígena Monte Caseros e o MTE emitiu as carteiras profissionais de todos os trabalhadores que ainda não as tinham, com anotação do início e fim dos contratos de trabalho, para todos os fins, inclusive previdenciários.

Procurado pela reportagem, até a conclusão da matéria o empresário Germano Neukamp não retornou o telefonema nem respondeu e-mail com solicitação de entrevista."

Fonte:
http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2012/11/30/governo-resgata-41-indigenas-do-trabalho-escravo-no-rs/

Imagens: Google Images

Leia também:
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domingo, 2 de dezembro de 2012

Bispo Dom Pedro Casaldáliga é ameaçado por invasores de Marãiwatsédé

14/11/2012 - Comissão Pastoral da Terra

A novela da Terra Indígena (TI), de Marãiwatsédé, localizada em Alto Boa Vista, Mato Grosso, dos Xavante, cada dia tem novos capítulos.

No início da semana passada, um grupo formado por mulheres, fez manifestações na Praça dos Três Poderes, em Brasília e invadiram a pista em frente ao Palácio do Planalto, bloqueando o trânsito por alguns minutos.

Elas buscavam reverter decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que derrubara liminar do Tribunal Regional Federal (TRF 1ª), qual suspendia decisão judicial de desintrusão (retirada dos não-indígenas) da área.

No retorno de Brasília, no dia 9, irritados e raivosos por não terem conseguido o que queriam, tais manifestantes falavam, sem se preocupar com os demais passageiros do ônibus, contra os índios e a Prelazia de São Félix do Araguaia.

A certa altura um disse: “A gente sabe que tudo isso é culpa do Bispo Pedro (foto), mas vamos resolver isso bem fácil, a gente vai fazer uma visitinha para ele”.

As ameaças não são novidades, mas esta adquire um caráter mais grave, pois os invasores da área indígena, depois de conseguirem, por quase duas décadas criar todos os embargos judiciais possíveis contra sua retirada, agora estão desesperados, pois o desfecho se aproxima.

No dia 3 de novembro, o filho do cacique Damião [Damião Paridzanéao retornar de Barra do Garças, onde tinha ido deixar indígenas para tratamento, foi  perseguido por dois carros dirigidos por pessoas que ele reconhecera serem do Posto da Mata, núcleo da invasão do território indígena Marãiwatsédé.

Mais adiante outros três carros teriam tentando cercar e parar o veículo dirigido por ele. Ao tentar escapar da perseguição, o carro capotou, ficando o indígena desacordado. Caminhoneiros que trafegavam pelo local socorreram o motorista. O veículo acabou sendo queimado pelos perseguidores.

A história das agressões contra os Xavante de Marãiwatsédé se prolonga por quase meio século. Seu território foi ocupado, no indicio da década de 1960.

Nas imediações da aldeia foi erguida a sede da Fazenda Suiá Missu, em 1962. Em 1966, os índios foram arrancados de sua terra e despejados em outra aldeia a 400 kms.

Em 1980, a Suiá Missu foi vendida para uma empresa italiana que, durante a Rio/92, pressionada por entidades brasileiras e italianas, se comprometeu a devolver aos Xavante 165.000 hectares.

Isto provocou revolta em fazendeiros e políticos locais que, ainda em 1992, organizaram a invasão da área ficando com as maiores e melhores terras e buscando famílias de sem-terra ou posseiros para ocupar o restante, para dizer que a terra tinha uma destinação social.

Em 1993, a área foi declarada Terra Indígena. Em 1998, já demarcada, foi homologada por decreto do presidente da República. Mesmo assim, os Xavante só voltaram em 2004, promovendo uma ocupação do seu próprio território.

Desde 1995, medidas judiciais determinando ora a desintrusão da área, ora a suspensão da sentença, foram se sucedendo. Em 2012, quando a Funai e o Ministério Público Federal (MPF) já tinham apresentado à Justiça o plano de desintrusão para ser iniciado em  outubro, um juiz do TRF-1, em 13 de setembro, determinou a suspensão da ação.

Finalmente, em 17 de outubro, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu essa liminar e a Justiça Federal deu início, em 6 de novembro, à entrega das intimações para a retirada dos ocupantes ilegais da terra indígena. Uma força tarefa, com apoio da Força Nacional, Polícia Federal e Exército, está na área para a efetivação da decisão judicial.

A Coordenação Nacional da CPT se alegra com o desfecho deste caso, não sem antes observar a diferença de tratamento dispensado aos grupos indígenas e a outras comunidades tradicionais, em comparação à propriedade.

O de Marãiwatsédé é emblemático. Os direitos dos povos indígenas e demais comunidades primitivas são apenas tolerados, mas para que se tornem efetivos, o caminho a percorrer é árduo e longo.

O prolongamento indefinido da solução de conflitos parece ser uma estratégia para minar a resistência das comunidades. Multiplicam-se ao extremo os recursos judiciais, nega-se a autenticidade dos documentos, põem-se sob suspeição os autores de laudos antropológicos e outras ações do gênero.

Encontram-se milhares de subterfúgios legais, admitidos pela justiça, para que os processos, sobretudo os de reconhecimento territorial, não andem.

Por outro lado, os processos que envolvem o “direito de propriedade” são de uma agilidade impressionante.

Muitas vezes sem se exigir documentos que comprovem a propriedade legal e sem ouvir os que serão afetados, são emitidas liminares de reintegração de posse que rapidamente são executadas usando-se para isso todo o aparato coercitivo do Estado.


A Coordenação Nacional da CPT parabeniza os Xavante de Marãiwatséde pela sua persistente luta de resistência, e apresenta à Prelazia de São Felíx do Araguaia e de modo todo particular a seu bispo emérito, Dom Pedro Casaldáliga, (foto ao lado) sua solidariedade, sobretudo neste momento em que ataques e ameaças se sucedem.


Goiânia, 14 de novembro de 2012


Fonte:
http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=6608&action=read

Imagens: Google Images

Leia também:
No Mato Grosso, tensão aumenta entre xavantes e latifundiários em terra cobiçada por agronegócio





sábado, 1 de dezembro de 2012

Carta aberta de um jornalista ao Supremo Tribunal Federal

26/11/2012 -  J. Carlos de Assis (*) - Carta Maior



Passei as duas décadas da ditadura sem ter sido vítima de tortura física, sem enfrentar mais que dois interrogatórios militares, sem ter sido condenado.

Conheci, porém, pessoalmente, a justiça da ditadura.


Em 1983, incriminado nos termos da Lei de Segurança Nacional por ter denunciado na “Folha de S. Paulo as entranhas do escândalo da Capemi, enfrentei um processo pela antiga Lei de Segurança Nacional no qual a denúncia se baseava em dedução.


Foi com base em deduções que Vossas Excelências, em plena democracia, condenaram figuras proeminentes do PT, pela culpa de serem proeminentes.


Quanto a mim, tive melhor sorte: fui absolvido por um juiz militar que já não acreditava mais na ditadura, Helmo Sussekind.

Não traço paralelo entre o crime a mim imputado e aquele por que foram condenados Dirceu e outros senão pela absoluta falta de prova, num caso, e a declarada desnecessidade dela, noutro. Meu crime teria sido, na letra do Art. 14 da LSN de 68, “divulgar, por qualquer meio de comunicação social, notícia falsa, tendenciosa ou fato verdadeiro truncado ou deturpado, de modo a indispor ou tentar indispor o povo com as autoridades constituídas”. Pena, de seis meses a dois anos de reclusão. Nota-se que não se falava de provas.


Poderia ter sido condenado, pois tudo ficava ao arbítrio do juiz: sob pressão do sistema sua tendência era condenar. 

Sussekind, contra a letra e o espírito da lei, para me absolver me permitiu a exceção da verdade. Vossas Excelências, inventando lei, fizeram a exceção da mentira para condenar.

Não disseram mais de um de seus pares que não era possível acreditar que Dirceu não soubesse dos fatos, fatos esses que só existiram na imaginação fértil de dois procuradores e de um ministro relator com ganas de promotor, decididos todos a inventá-los para compor um “caso”?


É assim que julga um ministro deste Tribunal, pensando o que os réus teriam sido obrigados a pensar seguindo o figurino da acusação?

Deem-me uma evidência, uma apenas, de relação entre pagamentos de despesas de campanha e votações no Congresso: suas estatísticas estão simplesmente furadas; elas não comportam uma análise científica de correlação, mesmo porque o critério que o procurador usou para estabelecê-la estava viciado pelo resultado que ele queria encontrar.

Não sou jurista. Mas na ciência política que tenho estudado junto a pensadores eminentes como Max Weber e Norberto Bobbio as doutrinas jurídicas têm uma posição singular. Weber, sobretudo, fala em justiça no cádi em casos de grande comoção social. Entretanto, nosso país está em calma.


O pouco que aprendi de direito de cidadania me leva a concluir que Vossas Excelências cometeram uma monstruosidade jurídica ao fundar seu veredito contra Dirceu, de forma arbitrária, no princípio alemão do domínio funcional do fato. 

Não me estenderei sobre isso para não repetir o que já disse alhures, embora me alegra o fato de que outros jornalistas e principalmente juristas, consultando um dos formuladores originais do princípio, passaram a expor com evidência cristalina sua inaplicabilidade ao caso Dirceu.


Sim, Excelências, para condenar é preciso ter provas.
Vossas Excelências condenaram sem provas.

Fiquei estupefato ao ouvir o discurso patético de seu novo Presidente com o elogio da independência política do Judiciário.

É que suas excelências se comportaram como servos de uma parte da opinião pública manipulada pela mídia de escândalos.


Creio que, absorvidos em sua função, Vossas Excelências não têm se apercebido do que está acontecendo com a mídia brasileira.

Acossada pela internet, ela já não encontra meios de atrair leitores e anunciantes senão pela denúncia de escândalos reais ou forjados. Haja vista o imenso caudal de ações contra denúncias infundadas que se amontoa no próprio Judiciário.


Com o propósito de explorar mais um grande escândalo, desta vez dentro do Governo e do PT, criaram o chamado “mensalão” e o venderam à opinião pública como fato consumado. 



Nunca houve evidência de pagamentos regulares, mensais, a parlamentares, mas tornou-se impossível esclarecer os pagamentos como acertos de campanha. Criou-se, dessa forma, no seio da opinião pública uma sensação de grande escândalo, não de caixa dois de campanha, exacerbada quando o procurador (foto), num assomo de retórica, recorreu à expressão, totalmente falsa, de quadrilha.

Finalmente, agora na condição de especialista em Ciência Política, quero propor a Vossas Excelências que não atropelem a linha que os separa dos demais poderes. Sobretudo, que não interfiram na organização política do Brasil condenando arbitrariamente alianças partidárias. Sem alianças não há governo no Brasil.

É possível que Vossas Excelências prefiram o sistema americano, ou algum sistema europeu com dois partidos hegemônicos, mas nós não estamos nem nos Estados Unidos nem na Europa. O Supremo não tem competência para alterar isso.


Não há democracia sem política, não há política sem partido, e não há partido sem liberdade de organização.


O ódio de Vossas Excelências por alianças partidárias nasce de um vício idealista de quem chega ao poder sem ter que passar pelo voto da cidadania. Caveat [Atenção aos embargos, mantenha-se alerta!].


É essencial para a ordem pública confiar na Justiça, mas para que isso aconteça não basta condenar os grandes: é preciso simplesmente condenar os culpados, segundo as provas.

(*) Economista, professor de Economia Internacional e chefe do Departamento de Relações Internacionais da UEPB, autor do recém-lançado “A Razão de Deus”. Esta coluna sai também nos sites Rumos do Brasil e Brasilianas, e, às terças, no jornal carioca “Monitor Mercantil”.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21310

Imagens: Google Images

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Israel e Gaza: Robert Fisk entrevista Uri Avnery

Parabéns ao povo e ao governo do Rio Grande do Sul pela realização do Fórum Mundial - Palestina Livre e nossa homenagem ao povo palestino, pelo reconhecimento ontem, 28/11/2012, pela Assembléia Geral da ONU, da bravura e dignidade desse povo, heroico em sua luta contra um opressor cruel e desumano.
[Equipe do blog Educom]

24/11/2012 - por Robert Fisk, “One of Israel's great leftist warriors wants peace with Hamas and Gaza - but does the Knesset?
- publicado em 23/11/2012 no The Independent, UK
- Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Uri Avnery: “Um dos maiores guerreiros da esquerda de Israel quer paz com Hamás e Gaza. Mas e o Knesset?” [Parlamento] O velho Uri Avnery tem 89 anos e ainda luta.


Hamás
De fato, escritor mundialmente conhecido, ainda é um dos maiores guerreiros da esquerda de Israel, ainda exige paz com os palestinos, paz com o Hamás, um estado palestino nas fronteiras de 67 – com pequenos acertos de território para um lado e outro.

Ainda crê que Israel poderia ter paz, amanhã ou na próxima semana.

Se Netanyahu quisesse paz.
“Azar de otimista incorrigível” – assim ele descreve o próprio destino. Ou talvez seja, mesmo, só, um velho mágico?
Benyamin Netanyahu, escombros em Gaza

Ainda é o mesmo sujeito que encontrei há 30 anos, jogando xadrez com Yasser Arafat nas ruínas de Beirute. Cabelos e barbas hoje brancos, lança palavras – diz que ultimamente anda um pouco surdo – com a mesma fúria e o humor de sempre. Pergunto a Avnery o que estão fazendo Netanyahu e seu governo. Qual o objetivo deles nessa guerra de Gaza? Os olhos dele brilham e ele responde.

"Você pressupõe que eles queiram alguma coisa e que queiram paz – e, nesse caso, a política deles é idiota, ou insana. Mas se você assume que não dão a mínima para a paz, mas querem um estado judeu que vá do Mediterrâneo ao rio Jordão, então, em certa medida, o que estão fazendo tem um certo sentido.

O problema é que o que eles querem está levando a um beco sem saída – porque já temos um estado em toda a Palestina histórica, três quartos do qual é o estado judeu de Israel e um quarto do qual são a Cisjordânia e a Faixa de Gaza ocupadas."

Apartheid em Israel
Avnery fala em sentenças perfeitas. Minha caneta corre pelo papel até ficar sem tinta. Tenho de usar uma das dele.

"Se anexarem a Cisjordânia como anexaram Jerusalém Leste – diz ele – nem faz muita diferença. O problema é que nesse território que hoje é dominado por Israel, há 49% de judeus e 51% de árabes, e o desequilíbrio aumenta ano a ano, porque o crescimento populacional natural entre os árabes é muito maior que o crescimento natural do nosso lado. Portanto, a verdadeira pergunta é: se essa política continua, que tipo de estado haverá? Como é hoje, é um estado de apartheid; absoluto apartheid nos territórios ocupados e apartheid crescente em Israel. E se isso continuar, haverá absoluto apartheid em todo o país, sem dúvida alguma."

O argumento de Avnery avança, claro.
"Se os habitantes árabes tiverem garantidos plenos direitos civis, logo haverá maioria árabe no Knesset [Parlamento], e a primeira coisa que esse Parlamento fará será trocar o nome do país, de “Israel” para “Palestina”, e todo o exercício dos últimos 130 anos será reduzido a nada. Limpeza étnica massiva é impossível no século 21" – diz ele ou espera ele – "mas quanto à demografia, não há o que discutir."

"É uma supressão. Espera-se que ninguém pense nisso, que se afaste a ideia da nossa consciência. Nenhum dos partidos fala sobre esse problema. A palavra ‘paz’ não aparece em nenhum manifesto eleitoral, exceto no do pequeno partido Meretz –, nem nos partidos da Oposição nem na Coalizão.

A palavra ‘paz’ desapareceu completamente em Israel."

"A esquerda em Israel? Como que, mais ou menos, hiberna – desde que a esquerda foi destruída por Ehud Barak, em 2000. Ele voltou de Camp David – como autoproclamado líder do “campo da paz” – e decidiu que “não temos parceiro para a paz”. Foi golpe mortal."

"Quem disse isso não foi Netanyahu, mas o líder do Partido Trabalhista. Foi o fim do movimento Paz Agora."

Esperança
Então, o otimista ressurge, com a nuvens escurecendo o mar que se avista do apartamento de Avnery, sétimo andar, em Telavive.

"Quando encontrei-me com Arafat em 1982, os termos estavam ali. O mínimo e o máximo do que os palestinos queriam era a mesma coisa: um estado palestino junto a Israel, que compreenderia a Cisjordânia, a Faixa de Gaza e Jerusalém Leste como capital, com pequenos acertos de território e uma solução simbólica para a questão dos refugiados. Lá está sobre a mesa, como flor murcha. Olha para nós todos os dias. Já cedemos a Faixa de Gaza – para ganhar o controle sobre a Cisjordânia, assim como [Menachem] Begin cedeu todo o Sinai, para ganhar toda a Palestina."

Avnery está convencido de que o Hamás aceitaria proposta semelhante – como disse a eles, em Gaza, em 1993;

"... lá estava eu, frente a 500 xeiques de barbas negras, eu falando hebraico. Aplaudiram e me convidaram para o almoço."

Várias vezes, reuniu-se com delegados do Hamás depois daquele dia. Para eles, defender a Palestina é waqf [dever absoluto, sob a lei islâmica], não podem ceder a Palestina.

Mas um acordo pode ser reconhecido e santificado também em termos religiosos. “Se oferecessem uma trégua de 50 anos, para mim, pessoalmente, seria suficiente”.

“Claro – diz Avnery - o Hamás mantém, em seu manifesto, que quer destruir Israel. Abolir um manifesto é coisa muito difícil de fazer. Os russos algum dia aboliram o Manifesto Comunista? Pois a OLP aboliu o manifesto deles”.

E assim seguem as coisas. Os grupos da paz, pequenos mas muito ativos – Gush Shalom [Bloco da Paz], o projeto Paz Agora, que monitora as colônias, os Combatentes da Paz (ex-soldados israelenses e ex-combatentes palestinos) e outros assemelhados preparam-se para as eleições de janeiro.


Curiosamente, Avnery acredita que o terrível – e muito execrado – Relatório Goldstone sobre a matança que foi a guerra de Gaza de 2008-2009, foi o que impediu, daquela vez, a invasão por terra.

"Goldstone pode orgulhar-se do que fez – de fato, salvou muitas vidas."

Barbárie: bombas de fósforo branco sobre Gaza
Não poucos, na esquerda de Israel, sonham com que Uri Avnery viva outros 89 anos.

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2012/11/israel-e-gaza-robert-fisk-entrevista.html

Leia também:
- Quem deu a Israel o direito de negar todos os direitos?

- Impressões de uma visita a Gaza

- Gaza é em todo o mundo

Imagens: Google Images

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

STF condena Cunha com quórum inferior ao previsto no seu regimento

Continuam os atropelos à lei, por quem tem constitucionalmente a obrigação de defendê-la.

Da Carta Maior*
Brasília - Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) encerraram a fase da dosimetria das penas da mesma forma que iniciaram, há quatro meses, o julgamento do “mensalão”: com inovações de procedimentos que renderão muitos debates no meio jurídico. Com cinco ministros fixando pena e igual número tendo votado antes pela absolvição, o deputado e ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP; foto) foi condenado a três anos por lavagem de dinheiro. No acumulado da sua pena, que inclui também os crimes de corrupção passiva e peculato, terá que cumprir nove anos e quatro meses de prisão em regime fechado, mais 150 dias-multa de dez salários mínimos cada.

O problema ocorreu porque o ex-ministro Ayres Britto, que garantiu a condenação de Cunha por lavagem com a margem apertada de apenas um voto, aposentou-se no dia 17/11, mas não deixou consignada as penas dos réus que já havia condenado, como fizera anteriormente o também ex-ministro Cezar Peluso, que se aposentou em 3/9. Desta forma, Cunha foi apenado sem o quórum mínimo exigido pelo Regimento do STF, que é de seis ministros. O fato resultou em questão de ordem apresentada ao plenário pelo seu advogado, Alberto Toron. Acabou prevalecendo a posição do presidente da corte e relator da ação penal, Joaquim Barbosa, de condená-lo ao mínimo legal. Mas, antes, a questão rendeu discussões acaloradas.

Barbosa indeferiu de pronto o pedido de Toron para que a corte aguardasse a posse do substituto para decidir a matéria com quórum regimental. O revisor da ação, Ricardo Lewandowski (abaixo, no destaque, entre Marco Aurélio Mello e Dias Toffoli), reagiu, sustentando que o plenário deveria ser consultado. “É tradição nesta corte que as questões de ordem sejam submetidas ao plenário. Elas nunca foram decididas monocraticamente. Estamos inovando mais um vez neste julgamento”, criticou. Barbosa subiu o tom, que vinha mantendo sob controle desde que assumiu a presidência do tribunal, na semana passada. “Vossa Excelência está se insurgindo contra a figura do presidente”, acusou.

O ministro Marco Aurélio Mello avaliou que aquele era um caso clássico de empate e, como tal, deveria resultar em benefício para o réu - a absolvição. “Nós temos aqui cinco ministros que impõem pena e cinco que não”, afirmou. Para o ministro, o voto de Brito, ao não fixar a dosimetria, ficou incompleto, tornou-se um “ato de ofício que não se aperfeiçoou”. “Há um empate e o tribunal deveria proclamar a solução que mais beneficia o réu”, insistiu.

O relator não se deu por vencido. “Quem absolveu não tem nenhuma intenção de fixar pena, e poderá levar (o tribunal) a um empate, em que não fixaremos pena alguma. Nós já temos um juízo de condenação. Agora, não vamos acatar uma questão de ordem que pode nulificar essa condenação”, contra-argumentou Barbosa, afirmando que, como presidente, decidiria a questão sozinho. 

O plenário reagiu. O ministro Celso de Mello citou o artigo do regimento que obriga o presidente a remeter ao colegiado as questões de ordem suscitadas pelo próprios ministros. Marco Aurélio, Lewandowski e Dias Toffoli assumiram a questão proposta pelo advogado para obrigar Barbosa a colocá-la em votação. “Já que o tribunal insiste em deliberar sobre uma questão que, ao meu sentir, poderá levar a uma situação esdrúxula de condenação sem fixação de pena, eu vou consultar o plenário”, rendeu-se Barbosa.

O ministro Dias Toffoli ressaltou o paradoxo da situação. “Os que absolvem não podem votar na dosimetria, porque não formularam juízo de condenação. Aqui, nós temos o contrário: um juízo de condenação sem dosimetria. E agora, o que fazer?”, questionou. Na contagem de votos, entretanto, só Marco Aurélio manteve a posição inicial pela absolvição do réu. Todos os demais concordaram com a fixação da pena mínima proposta originalmente pelo presidente. 

O advogado de Cunha disse que a deliberação da corte com apenas cinco juízes é mais uma “atipicidade” deste julgamento e que vai estudar a possibilidade de atacá-la em um embargo infringente. “Se não fosse por essa condenação, a pena dele ficaria fixada em seis anos e quatro meses, em regime semiaberto, que me parece, dentro do padrão que vem sendo fixado, um patamar bem mais aceitável”, afirmou.

Fim do julgamento
O presidente do STF cancelou a sessão extraordinária da próxima segunda (3), atendendo ao pedido dos demais ministros que querem se preparar para a discussão sobre a cassação dos mandatos dos parlamentares condenados, a mais polêmica das pautas que ainda serão enfrentadas pela corte, antes do encerramento definitivo do julgamento. “é uma delicadíssima questão de ordem constitucional”, ressaltou o decano Celso de Mello. A próxima sessão, portanto, está marcada para a quarta (5). Os ministros estimam que conseguirão encerrar o julgamento na quinta (6).

Não deixe de ler:
*crédito das imagens: Portal Terra