domingo, 31 de março de 2013

Dia de luto!



Fonte: Sergio Luiz Bertoni... Do mural de Danilo Abreu

Água como Direito Humano - salve o 31 de março


Por Zilda Ferreira

O 31 de março não se repetirá como há 49 anos. Muito menos o 1º de abril. Já existem meios bem mais sofisticados para que se promova um golpe de estado seguido de uma ditadura. Basta que se apropriem de nossos recursos vitais: água e ar.

Ora, os países pobres possuem 80% dos ativos ambientais da Terra e apenas a América Latina cerca de 40% de toda a água doce do mundo. Como essencial à vida, o direito a ela e ao saneamento básico foram considerados pela ONU, em 2010, como mais um dos Direitos Humanos, algo que, sem dúvida, já pode ser catalogado como a maior conquista da humanidade no alvorecer desse século XXI. Trata-se de um valor supremo.

A dimensão dessa conquista, que não deixa de ser uma vitória da civilização, iguala o direito à àgua ao direito universal do ser humano de não ser, por exemplo, torturado, física ou psicologicamente. Não é pouca coisa se levarmos em conta que ainda subsistem dois bilhões de humanos que não tem acesso à àgua potável e ao sanemento básico.

Essa foi a grande batalha travada durante a Rio+20, quando, na ocasião, Reino Unido, Canadá e União Européia tentaram enfraquecer, para logo em seguida derrubar essa resolução. Até aí dá para entender... O que não é compreensível é que na Semana Internacional da Água, a mídia brasileira especializada, como a Folha do Meio Ambiente e uma revista do porte de Carta Capital, não divulgarem uma linha sequer sobre esse direito. Isso é muito grave, porque quando uma publicação especializada abre quatro páginas sobre o tema e não faz qualquer referência a um direito humano intrínseco ao acesso da população à água potável e ao saneamento básico deixa de cumprir seu papel de informar, esclarecer e conscientizar a população sobre essa prerrogativa inalienável.

Incomoda-me pensar que tais veiculos já possam estar comprometidos com as grandes corporações européias e americanas que estão se apropiando da água doce do mundo. Basta lembrar que hoje, o império da francesa Vivendi Universal é composto de duas divisões: Vivendi Environment e Vivendi Comunications. A de meio ambiente é considerada a número um no mundo em serviços ambientais: água, energia, gerenciamento de resíduos e transportes; a de comunicações é a segunda do mundo em serviços audiovisuais, composta por seis subdivisões - televisão, filmes, publicações, equipamentos de telecomunicações, provedores e demais serviços de Internet. A GVT, que já opera no Brasil, pertence à Vivendi. Entretanto, o carro chefe gerador de recursos ainda são as empresas de água.

Dessas megacorporações fazem parte grandes ONGs, como a CI - Conservação Internacional, que tem como membros bancos de porte transnacional, principalmente europeus, e delas participa, por exemplo, um conjunto de poderosos executivos como o vice-presidente da Coca-Cola Internacional, entre outros, todos, de alguma forma ligados às empresas com interesses em negócios de água, tais como a Nestlé, a Suez, a PepsiCo, a Bechtel. O que têm em comum? Todos, invariavelmente contrários à Resolução da ONU 64/292 que determina que esse bem público, a água seja considerado "um Direito Humano", assim como o ar que respiramos, um bem universal, tal e qual, como no passado, foi para os índios as terras onde habitavam antes do advento do europeu.


sábado, 30 de março de 2013

Dilma enfrenta a Pátria rentista: mídia uiva


Por Saul Leblon*
Uma dia de estupefação e revolta no circuito formado pelos professores banqueiros, os consultores e a mídia que os vocaliza.

Na reunião dos Brics, na África do Sul, nesta 4ª feira, 27 de março ,  a presidenta Dilma afirmou que não elevará a ração dos juros reivindicada pelos batalhões rentistas, a pretexto de combater a inflação.

A reação instantânea das sirenes evidencia a cepa de origem a unir o conjunto à afinada ciranda de interesses que arrasta US$ 600 trilhões em derivativos pelo planeta.

Equivale a dez voltas seguidas no PIB da Terra.

Trinta e cinco vezes o movimento das bolsas mundiais.

Os anéis soturnos desse garrote reúnem – e exercem – um poder de extorsão planetária, capaz de paralisar governos e asfixiar nações.

Gente que prefere blindar automóveis a investir em infraestrutura. O Brasil tem a maior frota de carros blindados do mundo.

E uns R$ 500 bi estocados em fundos de curto prazo; fora o saldo em paraísos fiscais.

Carros blindados, dinheiro parado, paraísos fiscais e urgências de investimento formam a determinação mais geral da luta política em nosso tempo.

Em Chipre, como lembra o correspondente de Carta Maior em Londres, Marcelo Justo, o capital a juros compunha uma bocarra equivalente a 67 bilhões de euros, uns US$ 90 bilhões de dólares.

Três vezes o PIB. De um país com população menor que a de Campinas.

A fome pantagruélica desse organismo requeria rações diárias indisponíveis no ambiente retraído da crise mundial.

A gula que quebrou Chipre é a mesma que já havia quebrado a Espanha, Portugal, Irlanda, Islândia e alquebrado o mercado financeiro dos EUA.

A falência cipriota assusta o mundo do dinheiro não por suas dimensões.

Mas porque ressoa o uivo cavernoso de uma bancarrota, só anestesiada a um custo insustentável na UTI mundial das finanças desreguladas.

No Brasil o mesmo uivo assume o idioma eleitoral ao gosto do dinheiro graúdo: ‘dá para fazer mais’.

O governo Dilma acha que sim.

Mas com a expansão do investimento produtivo. Não com arrocho e choque de juros.

O país ampliado por 12 anos de políticas progressistas na esfera da renda e do combate à pobreza, não cabe mais na infraestrutura concebida para 30% de sua gente.

A desproporção terá que ser ajustada em algum momento.

Como o foi, com viés progressista e investimento pesado, durante o ciclo Vargas.

Sobretudo no segundo Getúlio, nos anos 50.

Mas também o foi em 64.

Em versão regressiva feita de arrocho e repressão contra as reformas de base de Jango, no golpe que completa 49 anos neste 31 de março.

O que se assiste hoje guarda uma diferença política importante em relação ao passado.

Nos episódios anteriores, o conflito de classe entre as concepções antagônicas de desenvolvimento seria camuflado pela vulnerabilidade externa da economia.

Um Brasil estrangulado pelo desencontro entre a anemia das exportações e o financiamento das importações colidia precocemente com o seu teto de crescimento.

O gargalo do investimento se realimentava no funil das contas externas. E vice versa.

Era um prato cheio para o monetarismo posar de arauto dos interesses da Nação. E golpeá-la, com as ferramentas recessivas destinadas a congelar o baile.

'Quem está fora não entra; quem está dentro não sai'. 
Durante séculos, essa foi a regra do clube capitalista brasileiro.

Hoje, embora a pauta exportadora se ressinta de temerária concentração em commodities, não vem daí o principal obstáculo ao investimento.

O país dispõe de reservas recordes (US$ 370 bi). Tem crédito farto no mercado internacional. O relógio econômico intertemporal é favorável ao financiamento de um ciclo pesado de investimentos em infraestrutura.

Quem, afinal, veria risco em financiar a sétima economia do planeta, que, em menos de uma década, estará refinando a pleno vapor as maiores descobertas de petróleo do século 21?

O desencontro entre o Brasil que somos e aquele que podemos ser deslocou-se do gargalo externo, dos anos 50/60/80 para o conflito aberto entre os interesses da maioria da sociedade e os dos detentores do capital a juro.

Assim como em Chipre, na Espanha, nos EUA ou em Paris, o rentismo aqui prefere repousar num colchão de juros reais generosos, blindado por esférico monetarismo ortodoxo.

Migrar para a esfera do investimento produtivo, sobretudo de longo prazo, como requer o país agora, não integra o seu repertório de escolhas espontâneas.

Cabe ao Estado induzi-lo.

Dilma começou a fazê-lo cortando as taxas de juros.

A pátria rentista reclama:no primeiro trimestre deste ano, praticamente todas as aplicações financeiras perderam para a inflação. Ficou difícil multiplicar lucros e bônus sem botar a mão na massa da economia produtiva.

É essa prerrogativa estéril que os professores banqueiros do PSDB cobram pela boca e pelo teclado do jornalismo econômico, escandalizado com a assertiva defesa do desenvolvimento feita pela presidenta Dilma.

Presidenciáveis risonhos que se oferecem untados em molhos palatáveis às papilas monetaristas e plutocráticas vão aderir ao jogral.

“Esse receituário que quer matar o doente em vez de curar a doença está datado; é uma política superada", fuzilou Dilma.

Previsível, o dispositivo midiático tentou desqualificar o revés como se fora uma demonstração de ‘negligência com a inflação’.

Um governo que trouxe 50 milhões de pessoas para o mercado de consumo minimizaria a vigilância sobre a inflação?

Sacaria contra o futuro do seu maior patrimônio político?

A sofreguidão conservadora esmurra a própria coerência de sua análise sobre a força eleitoral do governo.

O governo Dilma optou por abortar as pressões inflacionárias imediatas com desonerações. E enfrentar o desequilíbrio estrutural com um robusto ciclo de investimentos.

Entende que o desafio da produtividade, indispensável à progressão dos ganhos reais de salários, deve ser vencido com infraestrutura e inovação. Não com arrocho, como se fez nos anos tucanos.

São lógicas dissociadas da receita rentista.

Aqui e alhures, a obsessão mórbida pela liquidez descolou-se da esfera patrimonial para a dos rendimentos financeiros. Não importa a que custo social ou político.

Sua característica fundamental é a preferência parasitária pelo acúmulo de direitos sobre a riqueza, sem o ônus do investimento físico na economia.

A maximização de ganhos se faz à base da velocidade e da mobilidade dos capitais, sendo incompatível com o empenho fixo em projetos de longa maturação em ferrovias, hidrelétricas ou portos.

Durante a década de 90, as mesmas vozes que hoje disparam contra o que classificam como ‘intervencionismo da Dilma’, colocaram o Estado brasileiro a serviço dessa engrenagem.

A ração dos juros oferecida no altar da rendição nacional chegou a 45%, em 1999.

Um jornalismo rudimentar no conteúdo, ressalvadas as exceções de praxe, mas prestativo na abordagem, impermeabilizou essa receita de Estado mínimo com uma camada de verniz naval de legitimidade incontrastável.

A supremacia dos acionistas e dos dividendos sobre o investimento –e a sociedade-- tornou-se a regra de ouro do noticiário econômico.

Ainda é.

A crise mundial instaurou a hora da verdade nessa endogamia entre o circuito do dinheiro e o da notícia.

Trata-se de uma crise dos próprios fundamentos daquilo que o conservadorismo entende como sendo ‘os interesses dos mercados’. Que a mídia equipara aos de toda a sociedade.

Dilma, de forma elegante, classificou essa ilação como uma fraude datada e vencida. De um mundo que trincou e aderna, desde setembro de 2008.

A pátria rentista uiva, range e ruge diante de tamanha indiscrição.
  • Fonte: Carta Maior- Blog das Frases por Saul Leblon*   

sexta-feira, 29 de março de 2013

Brasil e China comercializarão em suas moedas


Em movimento que dá importante impulso nas relações comerciais entre os dois países, China e Brasil firmaram novo acordo bilateral para usarem as respectivas moedas nacionais no comércio bilateral, acordo que cobrirá o equivalente de mais de 30 bilhões de dólares em trocas comerciais por ano, por três anos.
O anúncio precedeu a reunião crucial dos chefes de Estado dos cinco países BRICS, que aconteceu em Durban, na África do Sul.
O acordo foi assinado pelos presidentes dos bancos centrais chinês e brasileiro e pelos ministros das Finanças dos dois países, ontem, (dia 26 de março)
A presidenta do Brasil, Dilma Rousseff reuniu-se com os presidentes dos países BRICS em Durban. O Brasil reconhece a China como parceiro-chave para a economia latino-americana.
“Brasil e China trabalham para ampliar o comércio entre os dois países. Para tanto, assinaram acordo mediante o qual o comércio entre os dois países passará a ser feito nas moedas locais, para proteger-se das flutuações do dólar” – disse Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil. “A China é o maior parceiro comercial do Brasil e desejamos ampliar nosso portfólio de exportações para a China.” 
O ministro Pimentel conclamou o Fundo Monetário Internacional a modernizar sua estrutura de governança. Para o ministro brasileiro, “os países em desenvolvimento devem ter papel mais permanente no sistema de comando daquela organização.” 
“Os Brics são bloco econômico e diplomático que se foi consolidando cada vez mais a cada nova reunião. O Brasil acreditamos que já constituímos um bloco econômico permanente na arena internacional” – disse o ministro brasileiro. 

[1] The Brics Post é publicado por BRICS Media Network Ltd., organização não comercial, sem finalidades de lucro, registrada na Inglaterra e Wales, em julho de 2012 (http://thebricspost.com/about-us/#.UVGlxxesiSo) [NTs]. 
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu

Fonte:Rede Democrática 26/03/2013

BRICS conseguem furar o cerco



O ponto é que, além de medidas para facilitar o comércio mútuo, as ações do bloco vão-se tornando cada vez mais políticas. Os BRICS não apenas mostram seu poder econômico como, também, tomam medidas concretas na direção acelerada rumo a mundo multipolar. Nisso, o Brasil é particularmente ativo.
Por Pepe Escobar
Notícias da morte prematura dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) são muitíssimo exageradas. A imprensa-empresa ocidental está inundada dessas tolices, perpetradas, nesse específico caso, pelo presidente do Morgan Stanley Investment Management.[1]
A realidade é outra. Os BRICS reúnem-se em Durban, África do Sul, nessa 3ª-feira ,26 de março, para, dentre outros passos, criarem sua própria agência de avaliação de riscos, escapando assim da ditadura – ou, no mínimo, das “agendas enviesadas”, como diz a diplomacia indiana – das agências tipo Moody's/Standard & Poor. Também tocarão adiante a criação de um Banco de Desenvolvimento dos BRICS, com capital inicial de US$50 bilhões (faltam só se definir alguns detalhes estruturais), para ajudar em projetos de infraestrutura e de desenvolvimento sustentável. 
Importante, mesmo, é que EUA e União Europeia não serão acionistas desse Banco do Sul – alternativa concreta, estimulada principalmente por Índia é Brasil, ao Banco Mundial e ao sistema de Bretton Woods controlados pelo Ocidente. 
Como observou o ministro das Finanças da Índia Jaswant Singh, esse banco de desenvolvimento poderá, por exemplo, canalizar o know-how de Pequim, para ajudar a financiar as obras massivas de infraestrutura das quais a Índia carece. 
As grandes diferenças políticas e econômicas entre os países BRICS são autoevidentes. Mas, já agora reunidos e operando como grupo, o ponto já não é se podem proteger a economia global contra a crise non-stop do capitalismo-de-cassino avançado. 
O ponto é que, além de medidas para facilitar o comércio mútuo, as ações do bloco vão-se tornando cada vez mais políticas. Os BRICS não apenas mostram seu poder econômico como, também, tomam medidas concretas na direção acelerada rumo a mundo multipolar. Nisso, o Brasil é particularmente ativo. 
Inevitavelmente, os míopes fanáticos atlanticistas de sempre do consenso de Washington nada veem – miopicamente – além de “BRICS esperam mais reconhecimento das potências ocidentais”. 
Claro que há problemas. O crescimento está mais lento no Brasil, China e Índia. Dado que a China, por exemplo, tornou-se principal parceiro comercial do Brasil – já ultrapassou os EUA –, vastos setores da indústria brasileira sofreram com a concorrência das manufaturas chinesas baratas. 
Mas há perspectivas futuras inescapáveis. Os BRICS muito provavelmente terão mais poder no Fundo Monetário Internacional. Detalhe crucialmente importante, os BRICS passarão a negociar em suas próprias moedas nacionais, servindo-se, de um yuan globalmente conversível e afastando do dólar norte-americano e do petrodólar. 
A China em momento menos acelerado
O inventor da expressão “BRIC” (no início, ainda sem a África do Sul) foi Jim O’Neill, do banco Goldman Sachs, nos idos de 2001. Muito interessante e esclarecedor ouvir o que O’Neill tem a dizer hoje, sobre o mesmo tema [em longa entrevista à revista Der Spiegel (21/3/2013, “BRICS 'Have Exceeded all Expectations” [Os BRICS superaram todas as expectativas], Der Spiegel).[2]
O'Neill destaca que a China, mesmo tendo crescido “meros” 7,7% em 2012, “Criou riqueza equivalente a uma economia grega inteira, a cada 11 semanas e meia”. A desaceleração na China foi “cíclica e estrutural” – um ‘desligar a máquina’ planejado para controlar o superaquecimento e a inflação. 
Os impulso adiante que se vê nos BRICS é parte de uma tendência global irresistível. Boa parte dessa tendência está bem decodificada num novo relatório do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas [orig. United Nations Development Programme].[3] Em resumo: o norte está sendo ultrapassado na corrida econômica, pelo sul global, que corre a velocidade estonteante. 
Segundo aquele relatório, “pela primeira vez em 150 anos, a soma dos resultados das três principais economias do mundo em desenvolvimento – Brasil, China e Índia – é  praticamente igual aos PIBs somados das notórias potências industriais do Norte”.
A conclusão óbvia é que “o crescimento do Sul global está reformatando radicalmente o mundo do século 21, com nações em desenvolvimento comandando o crescimento econômico, arrancando da miséria centenas de milhões de pessoas e empurrando bilhões mais para uma nova classe média global.” 
E no coração crucial ardente desse processo, encontramos um épico eurasiano: o desenvolvimento de relação estratégica entre Rússia e China. 
Sempre o Oleogasodutostão...
O presidente Vladimir Putin da Rússia não quer saber de arrastar prisioneiros: quer empurrar os BRICS no rumo de constituir “um mecanismo de cooperação estratégica em plena escala, que nos permitirá, juntos, procurar soluções para as questões chaves da política global”.[4] 
Isso implicará uma política externa comum para todos os BRICS – e não só alguma coordenação seletiva em torno de alguns temas. Não será fácil. Exigirá tempo. Putin está perfeitamente consciente disso. 
O que torna tudo ainda mais fascinante é que Putin já expôs essas ideias ao novo presidente da China, Xi Jinping, que o visitou em Moscou, por três dias. Putin não mediu palavras: fez questão de dizer e repetir que as relações sino-russas “são hoje as melhores, em séculos de história”.4
Não é exatamente o que os atlanticistas hegemonistas gostariam de ouvir – sempre interessados, eles, em manter todas as relações no pé em que estavam na Guerra Fria. 
Xi retribuiu em alto estilo: “Não viemos visitá-los à toa” – como se lê, parcialmente detalhado no China Daily.[5] E esperem só, que a potência criativa dos chineses comece a gerar dividendos.[6] 
Inevitavelmente, o Oleogasodutostão está no coração do projeto de relações complementares entre esses dois grandes BRICS. 
A China precisa do petróleo e o gás da Rússia, como item de segurança nacional. A Rússia quer vender mais e mais dos dois itens, diversificando a carteira de clientes, na direção do Oriente; mais que tudo, a Rússia receberia com enorme entusiasmo investimentos chineses no extremo oriental de seu território – a imensa região Trans-Baikal. 
E, por falar nisso, não é verdade que o “perigo amarelo” esteja invadindo a Sibéria – como diz o ocidente. Só 300 mil chineses vivem hoje na Rússia. 
Consequência direta da reunião de cúpula Putin-Xi é que de agora em diante Pequim pagará adiantado pelo petróleo russo que comprar – em troca de participar em inúmeros projetos, como, por exemplo, na prospecção de petróleo em alto mar nas áreas da CNPC e Rosneft no Mar de Barents e em outros pontos das águas russas. 
A Gazprom, por sua vez, fechou negócio longamente esperado de gás com a CNPC: 38 bilhões de metros cúbicos por ano entregues pelo gasoduto ESPO, a partir da Sibéria, começando em 2018. E já no final de 2013, será finalizado e assinado um novo contrato chinês com a Gazprom, envolvendo fornecimento de gás para os próximos 30 anos. 
As ramificações geopolíticas são imensas: importar mais gás da Rússia ajuda Pequim a, gradualmente, escapar do seu dilema Malacca e Hormuz[7] – para não mencionar a industrialização das províncias do interior da China, imensas, muito densamente povoadas, duramente dependentes ainda da agricultura, e que ficaram à margem do boom econômico. 
Eis como o gás russo encaixa-se no plano máster do Partido Comunista Chinês: para configurar as províncias do interior do país como base de apoio para a classe média chinesa – 400 milhões de chineses cada vez mais ricos, mais urbanizados, que vivem na costa leste.
Putin, ao dizer e insistir que não vê o bloco BRICS como “concorrente geopolítico” contra o ocidente, fez o que faltava fazer: negou oficialmente, para não deixar dúvidas de que, sim, sim, se trata exatamente disso. Durban será, provavelmente, a ocasião em que se sacramentarão apenas os primeiros movimentos dessa competição. Desnecessário dizer que as ‘elites’ ocidentais – ainda que estagnadas e à beira da bancarrota – não cederão, senão depois de muita luta, qualquer dos seus privilégios.

[1] “Broken BRICs. Why the Rest Stopped Rising” [BRICs quebrados. Por que o resto parou de crescer], Foreign Affairs, nov.-dez.2012, emhttp://www.foreignaffairs.com/articles/138219/ruchir-sharma/broken-brics.
[4] 22/3/2013, Vladimir Putin (entrevista): “Os BRICS são grupo de integração, não de concorrência” (Agência ITAR-TASS, traduzida emhttp://redecastorphoto.blogspot.com.br/2013/03/vladimir-putin-os-brics-sao-grupo-de.html).
[5] 22/3/2013, “China-Russia ties get 'even better'” [As relações China-Rússia, cada vez melhores], China Daily, em http://www.chinadaily.com.cn/china/2013-03/22/content_16332318.htm
26/3/2013, Pepe Escobar, Asia Times Online
http://www.atimes.com/atimes/World/WOR-01-260313.html
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
Fonte: Rede Democrática 

quinta-feira, 28 de março de 2013

A República e as multinacionais


25/03/2013

por Mauro Santayana

(Carta Maior) - O governo brasileiro tem tratado com deferência o Sr. Emilio Botin, dono do Grupo Santander, já investigado pela justiça espanhola, entre outras coisas, por remessas ilegais de dinheiro para o exterior e duvidosas contas na Suiça, pertencentes à sua família desde os tempos do franquismo. Ele comanda um grupo que teve que pegar, direta e indiretamente, no ano passado - em dinheiro e títulos colocados no mercado - mais de 50 bilhões de euros emprestados; demitiu dois mil empregados no Brasil no mesmo período, e teve uma queda de 49% em seu lucro global nos últimos 12 meses, devido, entre outras razões, a provisões para atender a ativos imobiliários “podres” no mercado espanhol.

A mera leitura dos comentários dos internautas espanhóis sobre o Sr. Botin daria, a quem estivesse interessado, idéia aproximada de como ele é visto em seu próprio país, e de como há quem preveja, com base em argumentos financeiros, que a bicicleta do Santander pode parar de rodar nos próximos meses, com a quebra do grupo ou, pelo menos, de seu braço controlador, ainda em 2013.

Nos últimos dez anos, as remessas de lucro para as matrizes de multinacionais – muitas delas estatais controladas direta ou indiretamente por governos estrangeiros – chegaram, no Brasil, a 410 bilhões de dólares, ou pouco mais que nossas reservas internacionais, duramente conquistadas no mesmo período.

Ora, se as multinacionais trazem dinheiro, e contribuem para aumentar o clima de competição em nossa economia, é natural que elas mandem seus lucros para o exterior. O problema, é que, na indústria, na área de infra-estrutura ou de telecomunicações, quem está colocando o dinheiro somos nós mesmos.

O BNDES tem colocado a maior parcela de recursos, e assumido a maior parte do risco, em empresas que mandam, apesar disso, ou por causa disso mesmo, bilhões de dólares para seus acionistas no exterior, todos os anos. Mais de 70% da nova fábrica da Fiat em Pernambuco foi financiada com dinheiro público. A Telefónica da Espanha recebeu do BNDES mais de 4 bilhões de reais em financiamento para expansão de “infraestrutura” nos últimos anos. E mandou mais de um bilhão e seiscentos milhões de dólares para seus acionistas espanhóis, que controlam 75% da Vivo, nos sete primeiros meses do ano passado.

A OI, que também recebeu dinheiro do BNDES, emprestado, e era a última esperança de termos um “player” de capital majoritariamente nacional em território brasileiro, corre o risco de se tornar agora uma empresa portuguesa, com a entrega de seu controle à Portugal Telecom, na qual o governo português – que já dificultou inúmeras vezes a compra de empresas lusitanas por grupos brasileiros, no passado - conserva mecanismos estratégicos de controle.

Empresas estatais estrangeiras, como a francesa ADP (Aeroportos de Paris) ou a DNCS, que montará aqui os submarinos comprados pelo Brasil à França, pertencem a consórcios financiados com dinheiro público brasileiro. Essa é a mesma fonte dos recursos que serão emprestados às multinacionais que vierem a participar das concessões de aeroportos, de rodovias (com cinco anos de carência para começar a pagar) e de ferrovias, incluindo o trem-bala Rio-São Paulo.

A Caixa Econômica Federal, adquiriu, por sete mil reais, em julho, pequena empresa de informática e depois nela se associou minoritariamente à IBM . No mês seguinte, depois de constituída a nova sociedade, agora controlada pelos norte-americanos, com ela celebrou, sem licitação, contrato de mais de um bilhão e meio de reais - operação que se encontra em investigação pelo TCU.

Qual é o lucro que o Estado brasileiro leva, financiando, direta e indiretamente, a entrada de empresas estrangeiras de capital privado e estatal em nosso território para, em troca, em lugar de reinvestirem os seus lucros por aqui, continuarem mandando tudo o que podem para fora ?

Com a queda dos juros no exterior por causa da crise e da recessão que assolam a Europa e o Japão, existe liquidez bastante para que essas empresas busquem dinheiro lá fora para bancar, pelo menos, a parte majoritária de seus investimentos no Brasil.

Os chineses, por exemplo, têm dinheiro suficiente para financiar tudo o que fizerem no Brasil, sem tomar um centavo com o BNDES. Usar o banco para aumentar o conteúdo nacional nos projetos é inteligente. Mas, se estamos financiando empresas estatais estrangeiras, por que não podemos financiar nossas próprias estatais, não apenas para diminuir a sangria bilionária, em dólares, para o exterior, mas também para regular o mercado e os serviços prestados à população, como já ocorre com os bancos públicos no mercado financeiro?

Não se trata de expulsar ou discriminar o capital estrangeiro. Mas o bom sócio tem que trazer, ao menos, know-how e dinheiro próprio. A China sempre tratou - até por uma questão cultural - com superioridade quem quer investir lá dentro, e cresceu quase dez por cento ao ano, nos últimos 20 anos, porque sempre entendeu ser o mercado interno seu maior diferencial estratégico.

Aqui, continuamos financiando a entrada de empresas estrangeiras com dinheiro público, dando-lhes terrenos de graça, isentando-as de impostos, como se não fôssemos a sétima economia do mundo.

O desenvolvimento nacional tem que estar baseado no tripé capital estatal, capital privado nacional, e capital estrangeiro. Nosso dinheiro, parco com relação aos desafios que enfrentamos no contexto do crescimento da economia, deve ser prioritariamente reservado para empresas de controle nacional, que, caso sejam privadas, se comprometam a não se vender para a primeira multinacional que aparecer na esquina. Quem vier de fora, que traga seu próprio dinheiro, e o invista, preferivelmente, em novos negócios, que possam expandir o número de empregos, a estrutura produtiva e aumentar a parcela de recursos disponíveis para o investimento.

Este texto foi publicado também nos seguintes sites:


http://gsmbrasil.net.br/?p=54127
Fonte: Blog do Mauro  Santayana

quarta-feira, 27 de março de 2013

A estranha apatia da gestão Dilma

25/03/2013 - Requião critica governo FHC e estranha apatia da gestão Dilma
- da Redação do Portal Carta Maior

Para o senador paranaense, falta uma diretriz firme ao governo diante da volta de ideias que "quebraram o Brasil três vezes".

Deplorando a adoção de propostas liberais por "certa esquerda", ele prega a construção de um projeto nacional “doutrinariamente à esquerda, fundado na solidariedade, na distribuição da renda e dos benefícios do avanço tecnológico, na prevalência, sempre, dos interesses populares e nacionais”.
Da Redação

O senador Roberto Requião (PMDB-PR) (foto) fez um irônico pronunciamento na quarta-feira (20/3), criticando opiniões recentes de economistas que participaram do governo Fernando Henrique Cardoso.

Um deles, Ilan Goldfajn (foto), ex-diretor do Banco Central, em artigo publicado no jornal ‘O Estado de S. Paulo’, afirmou que “para manter a inflação sob controle pode ser necessário temporariamente reduzir o consumo e desaquecer o mercado de trabalho”.

Ou seja, segundo o economista chefe e sócio do Itaú-Unibanco, a saída para o país está em provocar uma recessão e aumentar o desemprego.

Não faltaram também farpas para a gestão petista.

Cortejo de fantasmas
Para o senador, o que se vê é um “cortejo de fantasmas, que procura aterrorizar o país com ideias fossilizadas que, quando aplicadas, quebraram o Brasil por três vezes”.

Em recentes viagens à Polônia e à Suécia, Requião contou que, ao ler notícias do Brasil, foi assaltado por espectros do passado, propondo a volta de velhas e falidas políticas, que “quebraram o país três vezes”.

Um a um foram listados os responsáveis pelo desastre: os irmãos Mendonça de Barros, Gustavo Loyola, Pedro Malan, Pérsio Arida, André Lara Rezende, Gustavo Franco, Edmar Bacha e Mailson da Nóbrega perfilados ao lado dos pais do neoliberalismo, o Nobel de Economia Milton Friedman e o apoiador de primeira hora do golpe de 1964, Eugênio Gudin.

Não ficaram de fora os “especialistas” da GloboNews e da CBN, “que nada entendem de tudo” e as palestras do Instituto Millenium, em linha direta com os integrantes da Marcha com Deus pela Família e Liberdade, defensores da deposição do governo João Goulart, há meio século. Mas Requião não mirou apenas o passado.

Privatismo à la Thatcher
Sua preocupação voltou-se também para a falta de iniciativa do atual governo.

Aterroriza-me a ideologia do superávit primário. Desassossega-me não o aumento da inflação, e sim corrosão de nossa base industrial, sucateando-se ao céu aberto da incúria governamental” e “a paralisia das obras de infra-estrutura”.

Em seguida perguntou publicamente aos integrantes do governo Dilma: “De que têm medo os nossos próceres ministeriais? Intimidam-nos a insepulta Delta ou o libérrimo Cachoeira?”.

E adiante criticou “o abuso, o desregramento das concessões, superando até mesmo toda fobia privatista de Margareth Thatcher, como se vê agora no caso dos portos”.

O parlamentar terminou dizendo que “a direita sabe o que quer”.

A incógnita estaria na inação governamental e na adesão a certas teses mercadistas tidas como “modernas” e “responsáveis”.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21795&editoria_id=4

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.

terça-feira, 26 de março de 2013

Surge um herói nos EUA - A rara coragem de Bradley Manning - Parte 3/3

04/03/2013 - Declaração de Bradley Manning ao tribunal em 28/02/2013
- em Fort Meade, MD, EUA, por Alexa O'Brien (Blog Second Sight)
- Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu para a Redecastorphoto

Nota dos tradutores: Esta declaração foi lida pelo soldado Bradley E. Manning em audiência na qual se declarou “culpado” numa acusação principal e em nove outras ofensas menores incluídas na acusação. Declarou-se “inocente” em 12 outras especificações.

Essa transcrição (não revista, não oficial) foi feita pela jornalista independente Alexa O'Brien, durante a audiência para ouvir o acusado [orig. Article 39(a) session of United States v. Pfc. Bradley Manning], dia 28/2/2013, em Fort Meade (foto), MD, USA], e publicada originalmente em seu blog. Ver aqui




Nota complementar dos tradutores: dia seguinte (29/2/2013), a jornalista Alexa O'Brien (foto) publicou versão atualizada da transcrição, na qual completa as pendências [perdas de palavras] dessa primeira versão. A versão atualizada do original pode ser encontrada no mesmo endereço acima.

Dada a urgência de distribuir o mais rapidamente possível esta tradução, não repassamos para cá aquelas atualizações, que não são essenciais e poderão, adiante, a qualquer momento, ser incorporadas à tradução.

Ao final, link da "Declaração de Bradley Manning ao tribunal Parte 2/3"

Prossegue Bradley E. Manning em sua declaração

Na casa de minha tia, entrei numa conversa IRC e disse que tinha informação que precisava ser partilhada para o mundo. Escrevi que a informação ajudaria a documentar o verdadeiro custo das guerras no Iraque e no Afeganistão.

Um dos indivíduos na mesma IRC pediu que eu descrevesse a informação. Mas, antes de eu ter tempo de descrever a informação, outra pessoa enviou o link para o sistema de envio de material para a página da Organização WikiLeaks.

Antes de desligar minha conexão IRC, refleti mais uma vez e considerei minhas alternativas. No fim, senti que a coisa certa a fazer era distribuir os arquivos de SigActs.

Dia 3/2/2010, visitei o website da Organização WikiLeaks pelo meu computador e cliquei no link para enviar documentos. Em seguida, encontrei o link para enviar informação online e escolhi enviar os arquivos de “atividades significativas” SigActs via o onion router, TOR, rede anônima com link especial.

TOR é um sistema que visa a garantir o anonimato online. O software encaminha o tráfego por internet através de uma rede de servidores e outros clientes TOR, para ocultar a localização e a identidade do usuário.

Eu conhecia bem o TOR e já o tinha instalado antes num computador, para poder monitorar, anonimamente, as redes sociais de milícias que operam no Iraque central.

Segui os passos e anexei os arquivos de dados compactados das “atividades significativas”, SigActs, de CIDNE-I e CIDNE-A. Anexei um arquivo de texto que redigi quando pensava em enviar os documentos ao Washington Post, linhas gerais de orientação. Escrevi:

...arquivo já limpo de qualquer informação sobre identidade da fonte. Vocês talvez precisem examinar essa informação – talvez 90 a 100 dias para planejar o melhor modo de divulgar quantidade tão grande de dados e proteger a fonte desses dados. Esses são, provavelmente, os documentos mais significativos de nosso tempo, para afastar o nevoeiro da guerra e revelar a real natureza da guerra assimétrica do século 21. Tenham um bom dia.

Depois de enviar, deixei o cartão SD numa câmera na casa de minha tia, para o caso de precisar dele no futuro. Voltei ao serviço, depois da licença, dia 11/2/2010.

Apesar de a informação ainda não ter sido publicada pela Organização WikiLeaks, senti uma sensação de alívio por os arquivos já estarem com eles. Senti que havia feito algo que me permitia ter a consciência tranquila sobre o que vi e li sobre o que estava acontecendo todos os dias, no Iraque e no Afeganistão.

Fatos relacionados ao armazenamento não autorizado e à divulgação de “10 Reykjavik 13
Tomei conhecimento dos telegramas diplomáticos, pela primeira vez, durante meu treinamento AIT.

Adiante, soube da existência do portal do Departamento de Defesa (DoD) Net-centric Diplomacy NCD. Fui informado pelo Capitão Steven Lim, da Equipe S2 da Brigada de Combate 2/10 [orig. 2/10 Brigade Combat Team S2].

O Capitão Lim distribuiu e-mail para toda a seção, para os demais analistas e oficial, no final de dezembro de 2009, informando o link da SIPRnet para o portal, e instruções para que todos olhássemos os telegramas lá arquivados e para que os incorporássemos ao produto no qual trabalhávamos.

Pouco depois disso, também observei que os telegramas diplomáticos estavam sendo incorporados em produtos que vinham do nível superior das Forças Armadas dos EUA no Iraque (US-I).

Seguindo ordens do Capitão Lim, para que me familiarizasse com aqueles conteúdos, li praticamente todos os telegramas publicados concernentes ao Iraque. Passei também a consultar o banco de dados e ler outros telegramas, ao acaso, que atraíssem minha curiosidade.

Foi por essa época – entre o início e meados de janeiro de 2010 – que comecei a procurar informações, nos bancos de dados, sobre a Islândia.

A Islândia me interessou, por causa de conversas que eu vira no canal da Organização WikiLeaks no IRC, em que se falava de uma questão chamada “Icesave” [aprox. “salve a Islândia”].

Naquele momento, eu não conhecia bem a questão, mas parecia ser assunto extremamente importante para os que participavam daquela conversa. Então, decidi investigar e fazer algumas pesquisas sobre a Islândia e saber mais.

Naquele momento, não descobri mais nada nas discussões sobre “Icesave”, nem direta nem indiretamente. Fiz então uma pesquisa nas fontes abertas sobre “Icesave”.

Soube então que a Islândia estava envolvida numa disputa com o Reino Unido e a Holanda em torno do colapso financeiro de um ou mais de um bancos islandeses. Segundo matéria que li num canal aberto, grande parte da discussão travava-se em torno de o Reino Unido usar legislação antiterror contra a Islândia, para congelar o acesso da Islândia às garantias que os depositantes do Reino Unido que haviam perdido dinheiro esperavam receber.

Pouco depois de ter retornado de minha licença de meio de serviço, voltei ao portal Net Centric Diplomacy à procura de informação sobre a Islândia e “Icesave”, porque o tópico continuava a ser discutido no canal da Organização WikiLeaks no IRC; Para minha surpresa, encontrei, dia 14/2/2010, o telegrama “10 Reykjavik 13”, no qual havia referência direta à questão “Icesave”.

O telegrama do dia 13/1/2010 tinha mais de duas páginas. Li o telegrama e rapidamente concluí que, na essência, a Islândia estava sendo vítima de abuso diplomático [orig. Iceland was essentially being bullied diplomatically], por duas grandes potências europeias.

Vi que a Islândia estava ficando sem alternativas e havia procurado os EUA, em busca de ajuda. Apesar do discreto pedido de ajuda, não sugeria que estivéssemos fazendo qualquer coisa para ajudar a Islândia.

No meu modo de ver, parecia que não nos estávamos envolvendo por não haver qualquer benefício geopolítico de longo prazo naquele envolvimento.

Depois de digerir os conteúdos [do telegrama] “10 Reykjavik 13” considerei se seria o caso de enviar o telegrama para a Organização WikiLeaks. Até aquele momento, a Organização WikiLeaks ainda não publicara, nem acusara o recebimento dos arquivos CIDNE-I [Iraque] e CIDNE-A [Afganistão].

Ainda sem saber que os arquivos SigActs já eram, então, prioridade para a Organização WikiLeaks, decidi que o telegrama era importante. Senti que aquele telegrama, se publicado, permitiria corrigir algo que estava sendo mal feito.

Gravei a informação [orig. I burned the information] num CD, dia 15/2/2010, levei o CD para o alojamento [orig. my CHU] e salvei-o para o meu laptop pessoal.

Como da primeira vez, naveguei pela página da Organização WikiLeaks usando uma conexão TOR e enviei o documento pela mesma via não identificável.

Para minha surpresa, a Organização WikiLeaks publicou, no prazo de poucas horas, o telegrama “10 Reykjavik 13”, o que provava que o formulário de envio funcionara e que eles tinham de ter recebido o arquivos das “atividades significativas” [SigAct].

Fatos relacionados ao armazenamento não autorizado e divulgação do vídeo da equipe em veículo aéreo armado, datado de 12/7/2007
Em meados de fevereiro de 2010, em reunião dos analistas da 2ª Equipe da Brigada de Combate, da 10ª Divisão de Montanha, a então especialista, Jihrleah W. Showman, discutiu um vídeo que ela havia encontrado no drive “T”.

No vídeo (foto), viam-se vários indivíduos atacados por uma equipe de veículo aéreo armado.

De início, o vídeo não me pareceu muito especial, semelhante a incontáveis outros vídeos do mesmo tipo de pornografia de guerra [orig. war porn type videos] que eu via, com cenas de combate.

Mas o áudio, a gravação das falas da tripulação do veículo aéreo armado, e o ataque, que se via no mesmo vídeo, contra um furgão desarmado, perturbaram-me muito.

Showman e alguns outros poucos analistas e oficiais no T-SCIF comentaram o vídeo e discutiram se a tripulação violara ou não alguma lei ou regulamento, no segundo ataque [ao furgão desarmado], mas afastei-me dessa discussão e, em vez disso, fiz algumas pesquisas sobre o evento. Queria saber o que realmente acontecera, e se havia alguma informação de contexto datada do mesmo dia, 12/7/2007.

Usando Google, pesquisei sobre o evento, por data e por localização em geral. Encontrei várias notícias sobre dois empregados da Agência Reuters que haviam sido mortos durante a ação da equipe aérea armada.

Outra matéria explicava que a Agência Reuters solicitara cópia do vídeo, nos termos da Lei de Proteção à Liberdade de Informação [orig. Freedom of Information Act, FOIA].

A Reuters desejava assistir ao vídeo para entender o que acontecera e aprimorar suas práticas de segurança em zonas de combate.

Porta-voz da Reuters citado dissera que o vídeo poderia ajudar a impedir que se repetissem tragédias semelhantes; e que a divulgação imediata do vídeo era absoluta e urgentemente necessária.

Apesar da solicitação nos termos da lei FOIA, o mesmo noticiário dizia que o CENTCOM respondera à Agência Reuters que não sabia quando poderia considerar o pedido feito nos termos da lei FOIA e que o vídeo talvez já nem existisse. Noutra matéria, um ano adiante, dizia que a Reuters reiterara o pedido, mas ainda não recebera qualquer resposta formal ou escrita, como exige a lei FOIA.

O fato de, nem o CENTCOM, nem as Forças Multinacionais no Iraque [orig. Multi National Forces Iraq, MNF-I] terem voluntariamente entregue o vídeo perturbou-me ainda mais.

Era claro para mim que o evento acontecera porque a tripulação do veículo aéreo armado tomara erradamente os empregados da Reuters como ameaça potencial e que as pessoas no furgão apenas tentavam dar socorro aos feridos.

As pessoas no furgão não eram ameaça, meros “bons samaritanos”. O aspecto mais alarmante do vídeo, contudo, na minha opinião, é uma sanha de sangue, que parece deliciosa para a tripulação do veículo armado.

A tripulação desumanizou os indivíduos que atacaram e parece não dar qualquer valor à vida; a tripulação fala deles como [cito] “filhos-da-puta mortos” e todos se congratulam, uns com os outros, pela capacidade de matar grande número de pessoas.

Num certo ponto do vídeo, há alguém, no chão, que tenta rastejar para salvar-se. Já está gravemente ferido. Em vez de chamar socorro médico para a locação, um dos elementos da equipe do veículo aéreo armado fala [pede verbalmente] que o ferido saque uma arma, para que haja motivo para matá-lo. Para mim, é como uma criança torturando formigas com uma lupa.

Embora triste pela falta de consideração com a vida humana, na tripulação daquele veículo aéreo armado, muito me perturbou a resposta à descoberta de que havia crianças feridas na cena.

No vídeo, vê-se que o furgão tenta aproximar-se para socorrer os feridos. Em resposta, a tripulação do veículo aéreo armado – porque dizem que os indivíduos são ameaças, eles repetem o pedido de autorização para atirar contra o furgão; recebem a autorização e atiram pelo menos seis vezes contra o furgão.

Pouco depois do segundo tiroteio, uma unidade mecanizada de infantaria chega à cena. Em poucos minutos, a tripulação do veículo aéreo armado é informada de que havia crianças no furgão, que foram feridas; nem assim a tripulação do veículo aéreo armado dá qualquer sinal de remorso. Em vez disso, tratam logo de diminuir a gravidade da ação deles, dizendo [cito] “Ora... A culpa é deles, que trazem crianças para o combate”.

A tripulação do veículo aéreo armado fala sem qualquer simpatia ou solidariedade pelas crianças ou seus pais. Adiante, de modo extremamente perturbador, a equipe do veículo armado verbaliza sua satisfação ao ver um dos veículos em campo passar por cima de um cadáver – ou de um dos cadáveres.

Na sequência de minhas pesquisas, encontrei um artigo sobre o livro The Good Soldiers [Os bons soldados], escrito por David Finkel, do Washington Post.

Eu seu livro, o sr. Finkel escreve sobre o ataque de veículos aéreos armados. Lendo um excerto online em Google Books, acompanhei o relato que o sr. Finkel apresenta sobre o evento registrado naquele vídeo. E percebi imediatamente que o sr. Finkel citava, acho que in verbatim, a comunicação de áudio da tripulação do veículo aéreo armado que se ouve no vídeo.

Não tenho dúvida alguma de que o sr. Finkel teve acesso a uma cópia daquele vídeo, durante o tempo em que permaneceu como jornalista incorporado. Mas não gostei de como o sr. Finkel narra o incidente.

Quem leia o que escreveu acreditará que o ataque teria sido justificado como algum tipo de “revide” por ataque anterior que teria levado à morte de um soldado.

O sr. Finkel conclui sua reportagem discutindo como um soldado encontra ainda um indivíduo vivo depois do ataque. Escreve que o soldado encontra o sobrevivente que lhe faz um gesto com dois dedos juntos, método comum, no Oriente Médio, para comunicar que são amigos. Mas, em vez de ajudar o ferido, o soldado faz um gesto obsceno, com o dedo médio esticado.

O indivíduo teria morrido pouco tempo depois. Ao ler isso, só posso pensar que esse ferido tentara ajudar outros e, em seguida, viu-se em situação de que ele mesmo precisava de ajuda. Para piorar, no último momento da vida, ainda tenta manifestar um gesto de amizade – para receber, de resposta, aquele bem conhecido gesto de oposição e inimizade.

Minha avaliação foi que tudo aquilo é uma terrível confusão, e fiquei pensando o que significava tudo aquilo e como tudo isso se encaixava. Tudo isso pesou muito, sobre mim, emocionalmente.

Salvei uma cópia do vídeo na minha estação de trabalho. Pesquisei todas as regras e regulamentos e anexos dos regulamentos de combate, e um mapa de fluxo de 2007 – e um livreto não secreto de Regras de Engajamento de 2006.

Dia 15/2/2010, gravei todos esses documentos num CD; na mesma ocasião, gravei também o telegrama “10 Reykjavik 13” num CD. E, também na mesma ocasião, passei o vídeo e a informação sobre regras de combate e engajamento para o meu laptop pessoal, no meu alojamento na CHU.

Planejava conservar essa informação ali até ser transferido, no verão de 2010. Meu plano era entregar tudo aquilo ao escritório da Reuters em Londres, para ajudá-los a impedir que eventos daquele tipo voltassem a acontecer no futuro.

Mas, depois que a Organização WikiLeaks publicou o telegrama “10 Reykjavik 13”, alterei meus planos.

Decidi entregar a eles também o vídeo e as regras de combate e engajamento, para que a Agência Reuters recebesse aquela informação antes de eu ser transferido do Iraque.

Dia 21/2/2010, como disse acima, usei o formulário de envio de documentos na página da Organização WikiLeaks e enviei essa documentação.

A Organização WikiLeaks distribuiu o vídeo no dia 5/4/2010. Depois da divulgação, passei a me preocupar com o impacto do vídeo e com como seria recebido pelo público em geral.

Eu esperava que o público ficasse tão alarmado quanto eu com a conduta da tripulação do veículo aéreo armado. Queria que o público norte-americano soubesse que nem todos no Iraque e no Afeganistão são alvos a serem neutralizados, e que há ali pessoas que lutam para sobreviver naquele ambiente de panela de pressão que nós chamamos de “guerra assimétrica”.

Depois da divulgação, senti-me encorajado pela resposta do público em geral que assistira ao vídeo da tripulação do veículo aéreo armado. Como eu esperava, outros se sentiram tão perturbados quanto eu – se não mais perturbados que eu – com o que o vídeo mostrava.

Nesse ponto, comecei a ler matérias que diziam que o Departamento de Defesa e o CENTCOM não podiam confirmar a autenticidade do vídeo. E um dos meus supervisores, a capitã Casey Fulton, declarou que não acreditava que o vídeo fosse autêntico. Para responder a ela, decidi tomar providências para impedir que a autenticidade do vídeo pudesse ser novamente contestada.

Dia 25/2/2010, enviei por e-mail, para a capitã Fulton, o endereço do vídeo, exatamente de onde estava arquivado em nosso drive “T”, e uma cópia do vídeo publicado pela Organização WikiLeaks, que eu recolhera de um jornal de fonte aberta, para que ela comparasse os vídeos.

Nessa época, gravei em outro CD o vídeo da equipe do veículo aéreo armado. Para que parecesse autêntico, colei no CD uma etiqueta de documento secreto protegido, na qual escrevi “Reuters FOIA REQ” [requisitado pela Reuters, nos termos da lei FOIA].

Coloquei o CD gravado num dos estojos para transporte de CD pessoais junto com CDs “Starting Out in Arabic”. Meu plano era enviar o CD por correio, para a Agência Reuters, depois que fôssemos realocados, para que eles tivessem em arquivo uma cópia indiscutivelmente autêntica.

Quase imediatamente depois de despachar o vídeo da equipe do veículo aéreo armado e dos documentos de leis de guerra, avisei as pessoas do canal IRC da Organização WikiLeaks para que esperassem envio de material muito importante.

Recebi resposta de um indivíduo going by the handle of “ox” – de início, nossas conversações eram genéricas, mas com o tempo, à medida que nossas conversações progrediam, concluí que essa pessoa seria elemento importante da Organização WikiLeaks.

Dadas as regras de absoluto anonimato na Organização WikiLeaks, jamais trocamos qualquer informação de identificação.

Mas acho provável que fosse o sr. Julian Assange (foto) [pronunciado com três sílabas], sr. Daniel Schmidt, ou alguma espécie de representante procurador do sr. Assange e Schmidt.

Com a comunicação já transferida do IRC para o cliente Jabber, dei ao [meu interlocutor] “ox” e depois à “pressassociation” [aprox. “associação-de-imprensa”] o nome de Nathaniel Frank no meu livro de endereços, autor de um livro que li em 2009.

Depois de algum tempo, desenvolvi o que me parecia ser um relacionamento de amizade com “Nathaniel”. Nossos interesses comuns em tecnologia de informação e em política tornavam muito agradáveis as nossas conversas. Conversávamos bem frequentemente. Às vezes durante uma hora ou mais. Eu sempre esperava ansioso pelas conversas com “Nathaniel”, depois do trabalho.

O anonimato assegurado pelo TOR e pelo cliente Jabber e a política da Organização WikiLeaks permitiam que eu me sentisse eu mesmo, livre das preocupações impostas pelos rótulos e percepções sociais que tão frequentemente tanto pesam sobre mim na vida real. Na vida real, fazia-me falta uma amizade mais próxima com as pessoas que também trabalhavam na seção S2.

Na minha seção, a seção S2, apoiava batalhões e a equipe de combate da 2ª Brigada, em geral, como um todo. Por exemplo, não mantinha qualquer relacionamento sequer com meu companheiro de quarto, porque era visível o desconforto dele ante minha orientação sexual como ele a percebia.

Ao longo de alguns meses seguintes, mantive contato frequente com "Nathaniel". Conversávamos quase diariamente e tive a impressão de que estávamos desenvolvendo uma amizade.

Nossas conversas giravam em torno de muitos tópicos e eu gostava da capacidade de conversar sobre quase qualquer assunto, não só das publicações nas quais a Organização WikiLeaks estava trabalhando.

Em retrospectiva, vejo que essas dinâmicas eram artificiais, mais valorizadas por mim, que por "Nathaniel". Para mim, aquelas conversas eram uma oportunidade de escapar das imensas pressões e ansiedade que eu sentia, e que só aumentaram ao longo do meu tempo de serviço.

Minha impressão era que, por mais que eu me esforçasse cada vez mais para enquadrar-me no trabalho, mais me afastava dos meus pares e mais perdia o respeito, a confiança e o apoio de que eu precisava.

Fatos relacionados ao armazenamento não autorizado e à divulgação de documentos sobre detidos pela Polícia Federal Iraquiana [orig. Iraqi Federal Police or FP]; os Relatórios de Avaliação dos Detentos [orig.Detainee Assessment Briefs]; e o relatório do Centro de Contrainteligência do Exército dos EUA [orig. United States Army Counter Intelligence Center, USACIC]
Dia 27/2/2010, foi recebido um relatório de um batalhão subordinado. O documento relatava evento no qual a Polícia Federal (PF) detivera 15 indivíduos por imprimirem literatura anti-iraquiana.

Dia 2/3/2010, recebi instruções de um oficial de seção S3 na Equipe de Combate da 2ª Brigada, Centro de Operação Tática (TOC) da Divisão de Montanha, para investigar o assunto e definir quem eram [cito] “os bandidos”; e que importância tinha o evento para a Polícia Federal do Iraque.

Durante minhas pesquisas, descobri que nenhum dos presos tinha registro de qualquer outra atividade ou ação anti-Iraque, ou era suspeito de participação ou contato com milícias terroristas de qualquer tipo.

Algumas horas depois, recebi várias [playlist? fotos] da cena – daquele batalhão subordinado. Haviam sido acidentalmente enviados para uma oficial de outra equipe da S2, e ela repassou as listas para mim.

Havia ali fotos dos indivíduos, caixas de papel para imprimir não usado e cópias confiscadas do material final impresso ou de documento impresso; e uma cópia, de alta resolução do próprio material impresso. Imprimi uma cópia da imagem em alta resolução – laminada, para facilitar o uso e a transmissão. Andei até o TOC e entreguei a cópia laminada à nossa intérprete categoria 2.

Ela revisou a informação e, hora e meia depois entregou um primeiro rascunho da primeira transcrição em inglês à seção S2. Li a transcrição e a reli com a intérprete; perguntei-lhe o que seria aquele conteúdo, na avaliação dela. Ela disse que não era difícil transcrever verbatim, porque eu tratara a imagem e a laminara. Disse também que a natureza geral do documento era benigna. O documento, como eu já desconfiara que fosse, não passava de uma crítica acadêmica contra o então Primeiro-Ministro do Iraque, Nouri al-Maliki.

Dava detalhes da corrupção que havia dentro do governo do Gabinete de al-Maliki; e do impacto financeiro dessa corrupção sobre o povo iraquiano. Tendo descoberto essa discrepância entre o relatório da Polícia Federal e a transcrição que nossa intérprete fizera, passei adiante o resultado do meu trabalho para a cúpula dos meus oficiais comandantes, e para o centro em campo, NCOIC.

Meu superior, na cadeia de comando e o capitão que estava no front informaram-me que não precisavam daquela informação e que não queriam voltar a receber informação sobre o assunto. Disseram que eu [cito] “esquecesse”; e que só os ajudasse e a Polícia Federal a descobrir onde estariam escondidas outras daquelas lojas de impressão que produziam [cito] “literatura anti-Iraque”.

Não acreditei no que ouvia. Voltei ao T-SCIF e falei, reclamando, a outros analistas e à minha seção no NCOIC, sobre o que havia acontecido. Alguns deram sinal de solidariedade ou simpatia. Mas ninguém quis fazer coisa alguma.

Sou do tipo de gente que gosta de saber e entender como as coisas funcionam. E, como analista, implica que sempre quero entender como as coisas realmente acontecem ou são.

Diferente de outros analistas, na minha seção e em outras seções na Equipe da 2ª Brigada de Combate, não me bastava arranhar a superfície e oferecer avaliações “enlatadas” ou cobertas de confeitos de bolo. Eu sempre queria saber como uma coisa era o que era, e se haveria algo a fazer para corrigir ou mitigar uma situação.

Eu sabia que, se continuasse a ajudar a Polícia Federal de Bagdá a identificar os opositores políticos do Primeiro-Ministro al-Maliki, aquelas pessoas seriam presas e postas sob custódia da Polícia Federal de Bagdá, muito provavelmente, torturados, e “sumiriam” de vista por longo tempo – ou para sempre.

Em vez de auxiliar a Unidade Especial da Polícia Federal de Bagdá, decidir levar a informação e expô-la na Organização WikiLeaks, na esperança de que, antes da então próxima eleição de 7/3/2010, elas gerassem alguma imprensa imediata sobre a questão e de impedir que aquela unidade da Polícia Federal continuasse a atacar os opositores políticos de al-Maliki.

Dia 4/3/2010, salvei num CD os relatórios, as fotos e a imagem em alta resolução do panfleto e os rascunhos à mão da transcrição que a intérprete fizera. Levei o CD para o meu alojamento (CHU) e copiei os dados para o meu computador pessoal.

Diferente das outras vezes, em vez de enviar a informação pelo formulário de envio que havia na website da Organização WikiLeaks, fiz uma conexão de Secure File Transfer Protocol (SFTP) para uma caixa de recepção de arquivos operada pela Organização WikiLeaks.

Na caixa havia uma pasta na qual pude carregar diretamente a informação, salvando os arquivos nesse diretório. Assim, qualquer um podia entrar na mesma pasta, com acesso pelo servidor, e ver e baixar o que ali encontrasse. Depois de carregar esses arquivos na página da Organização WikiLeaks, dia 5/3/210, avisei “Nathaniel”, pelo Jabber. Embora simpático, ele disse que a Organização WikiLeaks precisava de mais informação para confirmar o evento, para publicá-lo ou atrair o interesse da imprensa internacional.

Tentei fornecer essas especificações, mas, para meu desapontamento, a Organização WikiLeaks optou por não publicar essa informação. Ao mesmo tempo, comecei a analisar informação do Comando Sul dos EUA, SOUTHCOM, e da Força Tarefa Conjunta Guantánamo, Cuba (JTF-GTMO).

Ocorreu-me o pensamento de que – embora pouco provável –, não me surpreenderia se os indivíduos detidos pela Polícia Federal de Bagdá acabassem sob custódia da Força Tarefa Conjunta Guantánamo.

Enquanto ia digerindo a informação sobre a Força Tarefa Conjunta Guantánamo, rapidamente descobri os DABs – Detainee Assessment Briefs [Resumos de Avaliação de Detentos]. Já vira o documento antes, em 2009, mas não pensara muito sobre eles. Dessa vez, contudo, estava mais curioso na nova pesquisa e voltei a encontrá-lo.

Os Resumos de Avaliação de Detentos eram redigidos em formato padrão de memorando do Departamento de Defesa e dirigidos ao comandante do Comando Sul dos EUA (US SOUTHCOM). Cada memorando dava informações básica e de cenário sobre um detido, em algum momento, pela Força Tarefa Conjunta Guantánamo.

Sempre me interessara a questão da eficácia moral das nossas ações em torno da Força Tarefa Conjunta Guantánamo. Por outro lado, sempre entendi a necessidade de deter e interrogar indivíduos cujo objetivo fosse causar dano aos EUA e nossos aliados, e sabia que era isso o que procurávamos fazer na Força Tarefa Conjunta Guantánamo.

Mas, quanto mais me ia informando sobre o tópico, mais me convencia de que estávamos mantendo presos por tempo indefinido número cada vez maior de indivíduos que acreditávamos inocentes ou que eram, sim, inocentes, soldados de grau bem inferior, que não contavam com boa informação de inteligência e que, se continuassem no teatro original, logo seriam libertados.

Lembro também que no início de 2009 o então recém eleito presidente Barack Obama, declarou que fecharia a Força Tarefa Conjunta Guantánamo e que a prisão comprometia nossa posição de liderança e diminuía [cito] “nossa autoridade moral”.

Depois de me familiarizar com os Resumos de Avaliação de Detentos, concordo com o presidente. Lendo os Resumos de Avaliação de Detentos, observei que não eram produtos analíticos; continham apenas resumos recortados de relatórios intermediários de inteligência, quase todos antigos ou não considerados sigilosos.

Nenhum dos Resumos de Avaliação de Detentos trazia nomes das fontes ou citações de relatórios de interrogatórios táticos [orig. tactical interrogation reports, TIRs]. Dado que os Resumos de Avaliação de Detentos estavam sendo enviados para o comandante do US SOUTHCOM, avaliei que visavam a gerar informação de contexto, muito ampla, para cada um dos detentos; que não eram avaliação detalhada de coisa alguma.

Além do modo como os Resumos de Avaliação de Detentos eram redigidos, reconheci que já eram velhos de no mínimo sete anos; e falavam de detentos que já haviam sido libertados da Força Tarefa Conjunta Guantánamo. Baseado nisso, determinei que os Resumos de Avaliação de Detentos não tinham importância alguma, nem do ponto de vista da inteligência, nem do ponto de vista da segurança nacional.

Dia 7/3/2010, em conversa com “Nathaniel”, perguntei a ele se achava que os Resumos de Avaliação de Detentos tivessem alguma utilidade para alguém.

"Nathaniel" sugeriu que, apesar de não crer que tivessem qualquer significado político, acreditava que poderiam ser úteis para construir um relato histórico do que realmente acontecera na Força Tarefa Conjunta Guantánamo. Disse também que achava que os Resumos de Avaliação de Detentos poderiam ser úteis para os advogados dos presos atuais ou mais antigos que haviam passado pela Força Tarefa Conjunta Guantánamo.

Depois dessa discussão, decidir baixar todos os dados. Usei um aplicativo chamado Wget para baixar os Resumos de Avaliação de Detentos. Baixei Wget do laptop da NIPRnet no T-SCIF, como outros programas. Salvei num CD e guardei o executável no diretório “Meus Documentos” sob meu perfil de usuário na estação de trabalho D6-A da rede SIPRnet.

Dia 7/3/2010, tomei a lista de links para os Resumos de Avaliação de Detentos, e Wget baixou-os sequencialmente. Gravei os dados num CD e levei para o meu alojamento, onde os copiei para o meu computador pessoal. Dia 8/3/2010, combinei, num mesmo arquivo IP comprimido, os Resumos de Avaliação de Detentos e os relatórios do Centro de Contrainteligência do Exército dos EUA sobre a Organização WikiLeaks. Arquivos Zip contém muitos arquivos que são comprimidos para reduzir-lhes o tamanho.

Depois de criar o arquivo zip, carreguei-o na caixa de receber arquivos pelo Secure File Transfer Protocol. Depois de os arquivos estarem enviados, avisei “Nathaniel” de que a informação estava no diretório “x”, assim nomeado para que eu o usasse. Antes, naquele dia, já havia enviado para a Organização WikiLeaks o relatório USACIC.

Como já disse, eu já havia revisado o relatório inúmeras vezes, e, apesar de ter salvado o documento antes na estação de trabalho, não conseguia localizá-lo. Depois que reencontrei, baixei também para a minha estação de trabalho e salvei-o no mesmo CD, com os Resumos de Avaliação de Detentos de que falei acima.

Embora eu tivesse livre acesso a quantidade enorme de informação, decidi que não tinha mais nada a enviar à Organização WikiLeaks, depois de enviar os Resumos de Avaliação de Detentos e o relatório do Centro de Contra-insurgência dos EUA (USACIC).

Até ali, havia feito as seguintes remessas: arquivos CIDNE-I e CIDNE-A das “atividades significativas” (SigActs); o telegrama “Reykjavik 13” do Departamento de Estado; o vídeo de 12/7/2007 do ataque pelo veículo aéreo armado e os documentos das leis de guerra de 2006-2007; o relatório de SigAct e documentos de apoio sobre os 15 indivíduos presos pela Polícia Federal da Bagdá; os Resumos de Avaliação de Detentos do Comando Sul dos EUA e da Força Tarefa Conjunta Guantánamo; um relatório Centro de Contra-insurgência dos EUA (USACIC) sobre a página de WikiLeaks e a Organização WikiLeaks.

Nas primeiras semanas seguintes, não enviei qualquer informação adicional à Organização WikiLeaks. Continuava a conversar com “Nathaniel” através do Jabber cliente e pelo canal IRC da Organização WikiLeaks. Embora tenha parado de enviar documentos à Organização WikiLeaks, ninguém da OW ou associado à OW jamais me pressionou para repassar mais informação.

Todas as decisões que tomei, de enviar documentos e informação à Organização WikiLeaks e à página daquela organização foram decisões exclusivamente minhas – e assumo plena responsabilidade pelas minhas ações.

Fatos relacionados à revelação não autorizada de outros documentos do Governo
Dia 22/3/2010, baixei dois documentos. Encontrei-os durante minhas tarefas rotineiras, como analista. O treinamento e a orientação de meus superiores sempre insistiram em que eu examinasse a maior quantidade possível de informação.

Nesse trabalho, adquiri a habilidade para ver conexões que poderiam escapar a muitos outros. Várias vezes, durante o mês de março, acessei informação de uma entidade do Governo. Li inúmeros documentos de um setor interno, naquela entidade do Governo. O conteúdo de dois desses documentos me perturbaram enormemente. Foi difícil, para mim, acreditar no que aquele setor estava fazendo.

Dia 22/3/2010, baixei os dois documentos que me pareceram perturbadores. Comprimi ambos num arquivo zip, de nome blah.zip e gravei-o num CD. Levei o CD para o meu alojamento CHU e salvei o arquivo no meu computador pessoal.

E carreguei a informação na página da Organização WikiLeaks usando os formulários lá indicados.

Fatos relacionados ao armazenamento não autorizado e à divulgação dos Telegramas da Net Centric Diplomacy, do Departamento de Estado
No final de março de 2010, recebi aviso pelo Jabber, de “Nathaniel”, de que a página da Organização WikiLeaks publicaria em breve o vídeo do ataque do veículo aéreo armado. “Nathaniel” dizia que estariam muito ocupados e que a frequência e a intensidade de nossas conversas pelo Jabber diminuiriam significativamente. Durante esse tempo, só tive o trabalho, para me distrair.

Li mais telegramas diplomáticos publicados da Net Centric Diplomacy do Departamento de Estado. Insaciável curioso, e interessado em geopolítica, aqueles telegramas me fascinaram. Li, não só os telegramas sobre o Iraque, mas também sobre outros países e eventos que achei interessantes.

Quando mais lia, mais fascinado ficava com o modo como lidáramos com outras nações e organizações. Também não conseguia parar de pensar nos negócios ali documentados, feitos por trás das cortinas; e da atividade aparentemente criminosa que não parece que seja típica ou recomendável para o líder de facto do mundo livre.

Até esse ponto, durante todo meu tempo de serviço, enfrentei problemas e dificuldades no trabalho. De todos os documentos de distribuí, os telegramas foram o único caso em relação ao qual não tive certeza absoluta de que não poderiam causar dano aos EUA. Pesquisei os telegramas publicados mediante a Net Centric Diplomacy, e procurei pesquisar também como funcionavam, em geral, os telegramas do Departamento de Estado.

Queria saber, especialmente, como a Net Centric Diplomacy publicava cada telegrama na SIRPnet. Como parte da minha pesquisa em veículos de fonte aberta, encontrei um documento publicado pelo Departamento de Estado na sua página oficial na Internet.

O documento dava orientação sobre as marcações no cabeçalho dos telegramas individuais e instruções sobre a distribuição de cada telegrama. Aprendi rapidamente que as marcações de cabeçalho detalhavam a sensibilidade dos telegramas do Departamento de Estado. Por exemplo, NODIS ou “No Distribution” [não distribuir] era usado nas mensagens de mais alta sensibilidade e que só eram distribuídas para as autoridades autorizadas.

A distribuição para SIPDIS ou “SIPRnet distribution” [só para a rede SIPRnet] só se aplicava a gravação de outra mensagem de informação que se considerasse adequada para distribuição para grande número de indivíduos. Se a orientação do Departamento de Estado para um telegrama contivesse a [perdi uma palavra] SIPDIS [perdi uma palavra] no cabeçalho, o telegrama não incluía outras marcas que indicassem que a distribuição era limitada.

A marca SIPDIS no cabeçalho só aparecia em informação que só podia ser partilhada com outro destinatário que tivesse acesso à SIPRnet. Eu sabia que milhares, no pessoal militar, no Departamento da Defesa, no Departamento de Estado e em outras agências civis tinha fácil acesso àqueles arquivos. O fato de que a marca SIPDIS no cabeçalho indicasse distribuição ampla fazia sentido para mim, porque a vasta maioria dos telegramas da rede Net Centric Diplomacy não eram secretos.

Quanto mais eu lia os telegramas, mais me firmava na conclusão de que aquele era o tipo de informação que tinha de se tornar pública.

Li certa vez e usei como citação uma frase sobre diplomacia aberta escrita depois da 1ª Guerra Mundial, de como o mundo seria lugar melhor, se os estados evitassem os pactos e os negócios secretos com e contra uns e outros.

Pensei que aqueles telegramas eram exemplo perfeito da necessidade de uma diplomacia mais aberta. Considerados todos os telegramas do Departamento de Estado que li, a maioria dos telegramas não eram secretos e todos os telegramas tinham a marcas SIPDIS no cabeçalho.

Tinha certeza de que a divulgação daqueles telegramas não causaria dano algum os EUA, mas entendia que os telegramas talvez criassem embaraços, porque manifestam opiniões bem claras e declarações feitas pelas costas de outras nações e organizações.

Em vários sentidos, aqueles telegramas são um catálogo de diz-que-dizes e intrigas. Entendia que a divulgação dessa informação talvez fizesse a infelicidade de alguns dentro do Departamento de Estado e de outras entidades do governo.

Dia 22/3/2010, comecei a baixar uma cópia dos telegramas SIPDIS, usando o programa Wget, descrito acima.

Usei possibilidades do aplicativo Wget para baixar os telegramas da rede Net Centric Diplomacy, enquanto fazia outras coisas. Enquanto trabalhava nas minhas tarefas diárias, os telegramas da Net Centric Diplomacy foram baixados entre os dias 28/3/2010 e 9/4/2010. Depois de baixados, salvei os telegramas num CD.

Os telegramas iam das primeiras datas na rede Net Centric Diplomacy até 28/2/2010. Levei o CD para meu alojamento CHU, no dia 10/4/2010. Passei os telegramas para o meu computador pessoal e comprimi todos os arquivos usando o algoritmo de compressão bzip2 descrito acima, e enviei-os para a Organização WikiLeaks pela caixa já descrita acima.

Dia 3/5/2010, usei Wget para baixar e atualizar o arquivo de telegramas até os meses de março 2010 e abril 2010 e salvei a informação num CD. Levei o CD para meu alojamento CHU e salvei para o meu computador.

Depois, percebi que o arquivo se corrompera, durante a transferência. Pretendia re-salvar outra cópia desses telegramas, mas dia 8/5/2010 fui removido da T-SCIF, depois de uma altercação.

Fatos relacionados ao armazenamento e distribuição não autorizada de investigações e vídeos de Garani, província Farah, Afeganistão, 15-6
[OBS. O soldado Manning declarou-se “não culpado” na especificação 11, acusação II, caso do vídeo Garani, de que o governo o acusa. Mais, sobre isso em: “Cracking the First Amendment: USG builds conspiracy into the trial of Bradley Manning”].

No final de março de 2010, descobri um US CENTCOM diretamente sobre um ataque aéreo de 2009 no Afeganistão. Estava pesquisando CENTCOM, à procura de material que me servisse, como analista. Como disse acima, era serviço que eu e outros oficiais fazíamos muito frequentemente.

Revisei o incidente e o que acontecera. O ataque aéreo aconteceu na Vila de Garani na província de Farah, no noroeste do Afeganistão. O evento recebeu cobertura de mídia em todo o mundo, em notícias que falavam de 100-150 civis afegãos – a maioria mulheres e crianças – mortos acidentalmente durante o ataque aéreo.

Depois de ler o relatório e [perdi a palavra] anexos, comecei a revisar o incidente, que me parecia similar ao de 12/7/2007, com o veículo aéreo armado no Iraque. Mas esse evento era notavelmente diferente, porque envolvera número muito maior de indivíduos, veículo aéreo maior e munição muito mais pesada. E as conclusões do relatório são ainda mais perturbadoras do que as do outro incidente, de julho de 2007.

Não vi coisa alguma no relatório 15-6 ou nos anexos que fosse informação sensível. E a investigação e conclusões eram – o que os envolvidos deveriam ter feito e como evitar que evento daquele tipo volte a acontecer.

Depois de investigar o relatório e seus anexos, baixei a investigação 15-6, apresentações em PowerPoint e vários outros documentos de apoio para o meu computador D6-A na minha estação de trabalho. Também baixei três arquivos zipados que continham os vídeos do incidente. Gravei essa informação num CD e transferi para o meu computador pessoal no meu alojamento CHU.

Mais tarde, ou no dia seguinte, carreguei a informação na página da Organização WikiLeaks, dessa vez usando uma nova versão de formulário para enviar dados na página da Organização WikiLeaks.

Diferente das vezes anteriores em que usei o formulário acima referido, não ativei o anonimizador TOR.

Meritíssima juíza, assim concluo minha declaração e os fatos para essa audiência.

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2013/03/declaracao-de-bradley-manning-ao_5167.html

Postagens anteriores:
- Surge um herói nos EUA - A rara coragem de Bradley Manning - Parte 1/3 - Marjorie Cohn
- Surge um herói nos EUA - A rara coragem de Bradley Manning - Parte 2/3 - Alexa O'Brien

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.