Mostrando postagens com marcador protestos. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador protestos. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Os Hitlernautas estão chegando



Por Mauro Santayana, em seu Blog


Para quem acha que Dani Shwery, Thismir Maia e Carla Dauden são o máximo que a direita “espontânea” conseguiu preparar para mobilizar seus simpatizantes - no contexto do quadro reivindicatório das manifestações de junho - podemos dizer que entre os servidores do Google e da Microsoft e os mouses dos internautas comuns há muito mais coisas que a nossa vã filosofia possa imaginar.

Uma delas, ficou comprovado, é a espionagem norte-americana na rede, denunciada pelo agora foragido Edward Snowden.

O súbito aparecimento do fenômeno dos hitlernautas é outra - e esse é um fato que merece ser analisado. O hitlernauta, não é, na verdade, uma nova espécie no ciberespaço brasileiro. Ele sempre existiu, embora não fosse conhecido por esse nome. A questão é que, antes, os hitlernautas só podiam ser encontrados no seu habitat natural, em reservas quase sempre protegidas, e normalmente produzidas e consultadas apenas por eles mesmos.

Encontravam-se, assim, ao abrigo do navegante comum, como nos sites neonazistas, integralistas, da extrema-direita católica, ou que correspondem, no Brasil, a “espelhos” de certas “organizações” fascistas internacionais.

Nesses espaços, eles ficaram, por anos, alimentando suas frustrações, preparando-se para sair à luz do dia tão logo houvesse uma ocasião mais segura para se apresentarem ao mundo. A oportunidade surgiu no âmbito das passeatas de junho. Afinal, nessas manifestações, cada um podia carregar a mensagem que desejasse - desde que não fosse símbolo de partidos políticos.

Os hitlernautas, além de aparentemente apartidários, são, principalmente, anti-partidários. Assim, resolveram engrossar, a seu modo, a procissão, mesmo sem conseguir indicar, com clareza, rumo ou andor que lhes valesse.

É fácil reconhecer o hitlernauta. Nas ruas, é o “careca”; o de cara coberta por um lenço; pela máscara de um movimento "anarquista"; o que leva coquetel molotov de casa; joga pedra na polícia; agride violentamente o militante do PSDB ou do PSTU que estiver carregando uma bandeira; quebra prédios públicos; arranca semáforos; saqueia lojas; põe fogo em carros da imprensa ou invade o Itamaraty.

Na internet, o hitlernauta é ainda mais fácil de ser identificado. É aquele sujeito que acredita (piamente?) que estamos vivendo a penúltima etapa da execução de um Golpe Comunista no Brasil. E que o Fórum de São Paulo é uma espécie de conclave secreto, destinado a dominar o mundo via implantação, no continente, de uma União das Repúblicas Socialistas da América do Sul.

O hitlernauta é o “anônimo” que nos comentários, na internet, tenta convencer os interlocutores, de que as urnas eletrônicas são manipuladas; de que não existe oposição no Brasil, porque o PSDB é uma linha auxiliar do PT na implantação do stalinismo por aqui; que FHC é fabianista, logo, uma espécie de socialista a serviço da entrega do Brasil aos vermelhos; que a ONU é parte de uma conspiração mundial, e o único jeito de consertar o país é acabar com o voto universal, fechar o Congresso, dissolver os partidos, prender, matar, arrebentar e torturar, por meio de um novo golpe militar.

No dia 10 de julho, os hitlernautas saíram às ruas, sozinhos, pela primeira vez. Segundo o portal Terra, fecharam a rua Pamplona, até a esquina com a Consolação, com a Marcha das Famílias contra o Comunismo, convocada nas últimas duas semanas pela internet.

O portal IG calculou, em cerca de 100 pessoas, o grupo que se reuniu no vão do MASP e marchou, com bandeiras, pedindo intervenção militar, até as imediações do Comando Militar do Sudeste.

No Rio, a convocação conseguiu juntar, frente à Candelária, trinta e poucos manifestantes, em cena em que se viam mais bandeiras e cartazes sobre as escadas do que pessoas para empunhá-los. Ao ver a foto da “manifestação”, muita gente os ridicularizou na internet.

Os primeiros desfiles das SA na República de Weimar também não reuniam mais que 30 pessoas, que carregavam as mesmas suásticas hoje tatuadas na pele dos skinheads presentes à Marcha das famílias contra o Comunismo, em São Paulo, no dia 10. As pessoas normais, ao vê-los desfilando nos parques, com os seus ridículos uniformes, acharam, na década de 30, que os nazistas eram um bando de palhaços. Eles eram palhaços, mas palhaços que provocaram a maior carnificina da História. Sob seus olhos frios, seus gritos carregados de ódio, milhões de inocentes foram torturados, levados às câmaras de gás, e incinerados, em Auschwitz, Maidanek, Birkenau, Dachau, Sachsenhausen – e em dezenas de outros campos de extermínio montados por ordem de Hitler.

Os hitlernautas não devem ser subestimados. É melhor que a sociedade os conheça. A apologia da quebra do estado de direito é crime e deve ser combatida com os rigores da lei. Cabe ao Ministério Público, com a ajuda da Polícia Federal, identificá-los e denunciá-los à Justiça, para que sejam julgados e punidos, em defesa da democracia

Fonte: http://www.maurosantayana.com/2013/07/os-hitlernautas-estao-chegando.html



segunda-feira, 15 de julho de 2013

A Mídia Ninja ataca outra vez



Por Sylvia Debossan Moretzsohn*  em 13/07/2013 na edição 754 - Observatório da Imprensa

   
Quem mora nas imediações do Palácio Guanabara, na rua Pinheiro Machado, e mais especificamente no perímetro que abrange as ruas Marquês de Pinedo, Paissandu, Ipiranga e Esteves Júnior e vai até a praça São Salvador, viu ou sentiu os efeitos do que ocorreu na noite de 11/7, quando a polícia reproduziu, agora com ainda mais intensidade, as cenas de violência vividas na mesma região em 20/6, ao reprimir um grupo de jovens que estendia a grande passeata daquele dia para protestar em frente à sede do governo estadual.

No entanto, quem queria saber o que se passava só pôde obter informações pela internet, especialmente através do material veiculado pela Mídia Ninja, cujo trabalho foi referido em artigo publicado recentemente neste Observatório [ver aqui].

Muito ágil quando se trata de excitar o público diante de crimes de grande potencial de repercussão, como o da prisão do casal Nardoni ou o do sequestro e morte da jovem Eloá Pimentel, a mídia comercial não se animou nem sequer a dar flashes, menos ainda a interromper a programação para passar a transmitir ao vivo – embora tivesse todas as condições para isso – os conflitos que começaram na frente do palácio e se estenderam pelas ruas vizinhas. Espetáculo não faltava: foram exuberantes explosões de bombas de gás, incêndios em sacos de lixo, tiros de balas de borracha, invasão a uma clínica e agressões e prisões indiscriminadas, que duraram até o início da madrugada.

Cobertura tendenciosa

Como em outras ocasiões recentes, a Mídia Ninja cumpriu um belo papel ao reportar em tempo real, de vários ângulos, o que ocorria, mas a crítica à grande mídia permanece relevante, especialmente porque o acesso à internet em banda larga não alcança a maioria da população.

Se analisarmos a imprensa tradicional, o único jornal carioca a fazer uma cobertura adequada desse conflito foi O Dia. No site do Globo, apenas na manhã seguinte, mesmo assim no blog “Nas redes” – uma seção de tecnologia dedicada a “novidades, análise e o burburinho nas redes sociais” –, aparecia uma relação de vídeos produzidos na noite anterior, acusando “novas denúncias de truculência” da polícia. No espaço da reportagem própria do jornal, nada. Ou melhor, uma notável menção sobre jovens que “fumavam maconha” durante confrontos na passeata no Centro da cidade. Importante alerta: estamos para descobrir novas propriedades da erva maldita, capaz de incitar à agressividade e à destruição.

Na TV das Organizações Globo, pior: um compacto de cenas de manifestantes com o rosto coberto atirando pedras e rojões contra – supostamente, pois a imagem não mostra – a polícia que guardava o palácio, com destaque para o close no capacete de um deles, com uma caveira branca desenhada sobre o fundo escuro. (Caveiras, como sabemos, só são lícitas nas estampas das roupas e acessórios da moda ou quando ostentadas pelo Bope, atravessadas verticalmente, nesse caso, por um punhal). Nada sobre a ação da polícia, testemunhada pelos moradores da região.

A reprodução do discurso oficial

No caso da GloboNews, um canal pago que, por sua definição “all news”, estaria obrigado a interromper a programação para transmitir acontecimentos de grande relevância e impacto como este, apenas um “vivo” no Jornal das Dez com a mesma repórter que denunciara o ataque da polícia ao hospital Souza Aguiar, na manifestação de 20/6 – cena semelhante à ocorrida agora diante de uma clínica vizinha ao palácio, onde manifestantes se refugiaram e foram perseguidos pelos policiais, e que foi documentada pelos “ninjas”.

Na manhã seguinte, o canal exibiria o mesmo compacto veiculado na TV aberta, curiosamente seguido pela convocação do apresentador ao público: “você também pode mandar imagens aqui para o nosso site...”.

Só um tolo atenderia ao chamado.

Também de manhã, uma repórter entrava ao vivo falando numa grande “confusão” na frente do palácio e reproduzia enfaticamente o discurso oficial: o governador não toleraria excessos de nenhum dos lados, nem dos manifestantes nem da polícia. Nada importavam as cenas, que poderiam confrontar o pronunciamento da autoridade. Mais tarde, a repórter conseguiria a proeza de “informar” que a “confusão” começou quando um manifestante atirou uma bomba de gás lacrimogêneo contra os policiais.

O pessoal que transporta coquetéis molotov em caixas de papelão – como os “flagrados” bem à feição das câmeras, na passeata daquela tarde, no Centro – deve ter ficado perplexo. Onde será que se consegue comprar bombas de gás lacrimogêneo? Talvez no mercadão popular da Uruguaiana: os camelôs são muito antenados nas novas tendências e costumam fazer boas promoções no atacado. Ou mesmo no varejo: um é doze, três é trinta.

A não ser que sejam bombas de gás de fabricação caseira.

O testemunho da mídia alternativa

Fora do circuito tradicional, a Mídia Ninja conseguiu, mais uma vez, dar um quadro amplo do que ocorria, com sua câmera nervosa e a imagem frequentemente precária, dependente da qualidade da conexão, além das interrupções inevitáveis para a recarga do equipamento. Ainda assim, transmitiu o protesto diante do palácio, com suas múltiplas palavras de ordem – inclusive uma que apelava ao humor e perguntava: “Cabral, cadê você/a polícia está aqui pra te prender”; documentou a invasão da clínica Pinheiro Machado, que se transformou “numa câmara de gás”; mostrou policiais atirando para o alto dos prédios, nas imediações da praça São Salvador – o que, longe de configurar o sempre lamentado “despreparo” da polícia, revelaria uma atitude deliberada de intimidar quem, da janela de seus apartamentos, apoiava o protesto batendo panelas e filmando a ação repressiva; exibiu as cenas deprimentes de jovens deitados no chão, cercados na Senador Corrêa, uma rua estreita transversal à praça, para depois serem levados em um ônibus à delegacia – e o coro que denunciava “estão plantando prova, estão plantando prova!”. Ofereceu, enfim, o mais amplo testemunho dos acontecimentos daquela noite.

Ao mesmo tempo, permitiu perceber aspectos periféricos mas nem por isso menos importantes do que se pode obter numa cobertura desse tipo, digna dos melhores tempos da reportagem de rua.

Uma surpresa no meio do caminho

Foi quando a repórter que acabara de documentar a prisão dos jovens resolveu caminhar de volta ao Palácio Guanabara, para verificar se ainda havia algo por lá. No trajeto, deparou com uma mulher e um menino, aparentemente deslocados e que pareceram surpresos com o encontro. Conversou com eles, perguntou de onde eram – do Cantagalo, uma favela em Copacabana – e se tinham vindo ali também participar do protesto, se conheciam a Mídia Ninja, se tinham sofrido alguma coisa... eles balbuciaram que sim, estavam ali pelo protesto, conheciam a Mídia Ninja – o que evidentemente não era verdade –, não tinham sofrido nada, estavam só esperando um amigo do menino, e se despediram.

A repórter foi embora, mas logo flagrou dois policiais armados de fuzis correndo na direção de dois garotos, um deles aquele que ela acabara de entrevistar. Foi tomar satisfações, envolveu-se numa discussão veemente, pois os meninos eram acusados de ter roubado uma pessoa perto de uma banca de jornal. “Você não viu nada!”, disse o homem que os denunciara. “Eu vi sim, conversei com o menino, eu vi e mais sete mil pessoas que estão assistindo viram também!”.

Quem estava vendo certamente se indignou com a cena, porque viu a mesma coisa pelo olho da repórter.

No entanto, logo depois aparece a mulher, a mesma que havia sido entrevistada, e que, constrangida pela polícia, parecia querer tirar o corpo fora. Dizia que estava aconselhando os meninos a não fazer aquilo até que apareceu “essa piranha” – a repórter – para complicar a situação.

E a repórter, depois de tentar esclarecer, se afastou porque percebeu a história. Que, por si só, já renderia outra bela reportagem: quem eram aqueles dois garotos e aquela mulher, o que fizeram, o que representam diante dos helicópteros do governador, recentemente mostrados por uma rara reportagem da Veja?

Cenas fortuitas, mas muito reveladoras das surpresas que o jornalismo nos reserva, quando recuperamos a prática da boa reportagem que sai à cata do inesperado. Tão diferente do jornalismo amestrado das grandes corporações, que nos induz bovinamente a aceitar o mundo tal qual é.

***

Sylvia Debossan Moretzsohn é jornalista, professora da Universidade Federal Fluminense, autora de Repórter no volante. O papel dos motoristas de jornal na produção da notícia (Editora Três Estrelas, 2013) e Pensando contra os fatos. Jornalismo e cotidiano: do senso comum ao senso crítico (Editora Revan, 2007)

domingo, 14 de julho de 2013

Leitores, eu vi


Escrito por  Mário Augusto Jakobskind - Rede Democrática


O Rio de Janeiro, na quinta (11),  foi palco mais uma vez da selvageria da Polícia Militar comandada por Sérgio Cabral, o governador que vive nas alturas com helicópteros utilizados por sua família nos fins de semana. Quem esteve na passeata organizada pelas centrais sindicais e prestou bem atenção pôde perceber perfeitamente a colocação em prática de uma estratégia objetivando prejudicar o movimento dos trabalhadores. A receita, já utilizada em manifestações anteriores, deveria ser investigada com todo rigor. O Ministério Público poderia se encarregar disso.

Um amigo chileno informou que o mesmo tipo de estratégia é utilizado no país andino durante as manifestações estudantis e a mídia de mercado no dia seguinte informa sobre as arruaças. Será coincidência?

No Rio de Janeiro aparecem grupos provocadores de pessoas notoriamente de classe média, alguns até com máscara protetora ou com as caras cobertas como se estivessem preparados para um confronto.

Passeata e repressão pela PMEntram de repente e em grupo, não tendo nada a ver com as manifestações. No caso da passeata das centrais sindicais, apareceram intimidando os manifestantes e na prática chamando a polícia para agir ao jogarem objetos sobre os soldados. Como se fosse algo combinado, e pode ser que o seja, a PM passou a arremessar gás lacrimogêneo e de pimenta, além da balas de borracha sobre os manifestantes. Foi o que aconteceu no final da passeata, o que impediu, como estava programado, o encerramento com discursos dos representantes sindicais.

Mas os agentes provocadores mais uma vez não foram admoestados. Saíram incólumes e não foram identificados.

Brutalidade e covardia

A PM, mais uma vez obedecendo ordens de comando, leia-se Sérgio Cabral e Mariano Beltrame, o Secretário de Segurança, passou a agir de forma brutal e a todo momento atacando indiscriminadamente com bombas contra qualquer grupo que encontrasse pela frente. Fazendo dobradinha com o batalhão de choque podiam ser vistos, facilmente reconhecidos, agentes da P2, a polícia secreta da PM em trajes civis. Para cúmulo, ainda por cima surgiu um carro de combate, mais conhecido como “caveirão”, utilizado pela PM na rotineira repressão em áreas carentes da cidade.

A mesma PM e os P2 fizeram vista grossa quando apareceram os jovens suspeitos, alguns com indumentária negra, para tumultuar a manifestação dos trabalhadores. Receberam a denominação de Black Blocs, uma suposta organização internacional que joga para o confronto. Centenas deles foram vistos intimidando as pessoas, como historicamente agem grupos de extrema direita, exatamente com o objetivo de criar fatos prejudiciais ao movimento de massa. No Chile, os provocadores fazem o mesmo.

É importante divulgar esses fatos, porque a mídia de mercado, sobretudo a Rede Globo, tanto nas manifestações anteriores como agora filmava dos helicópteros cenas de confrontos, com o visível objetivo de fazer com que a opinião pública deplorasse o que denominam de “vandalismo” . Mas onde entra a desonestidade jornalística? Exatamente pelo fato de apresentarem imagens pinçadas para dar a impressão que a passeata do movimento sindical aconteceu transformando o centro da cidade numa batalha campal.

Aí aparece a mídia de mercado utilizando o termo vândalos de uma forma manipulativa. Na verdade, vândalos foram as tropas da PM e os agentes provocadores, que, vale sempre repetir, não têm nada a ver com os trabalhadores.

Manipulação grosseira

O jornal O Globo, como sempre, também entrou pesado no circuito manipulativo, primeiro informando deliberadamente errado o número de participantes, reduzindo-os a cinco mil. Mas as próprias fotos tiradas dos helicópteros ou de andares altos dos prédios mostravam claramente um número bem maior de manifestantes. Por baixo, bem por baixo, o número ultrapassou os 30 mil, o que, para os dias atuais para um ato convocado por centrais sindicais e alguns movimentos sociais, como o MST-RJ pode ser considerado significativo.

Mas a mídia de mercado tentou descaracterizar a manifestação. Não há termos de comparação com os atos anteriores convocados nas redes sociais pelos mais diversos segmentos. Mas para a mídia de mercado, o que vale é a comparação pura e simples, sem analisar mais fatos específicos, como, por exemplo, a própria covarde e violenta ação policial ordenada exatamente com o objetivo de esvaziar os movimentos de protestos que se seguiriam a histórica quinta-feira (20 de junho).

Não podia ser diferente o noticiário de O Globo, porque historicamente o jornal da família Marinho sempre destilou ódio contra qualquer manifestação classista. Está no DNA das Organizações com o mesmo nome.

Já no início da concentração, na Candelária, houve um princípio de tumulto, desta vez por culpa única e exclusiva da PM. Testemunhas garantem que a PM achou que um manifestante sentado estava puxando um baseado e o prendeu arrastando-o pelo chão alguns metros. De nada adiantou a explicação do atônito manifestante preso. Houve uma reação natural em função da covardia. A PM, com a colaboração da mídia de mercado, informou que o manifestante foi preso porque jogou uma pedra quebrando vidro da Igreja da Candelária, quando isso aconteceu depois da prisão e da ação policial.

Repressão no Palácio Guanabara

A covarde e violenta repressão policial contra manifestantes, na prática fomentada por agentes provocadores, não se resumiu à Avenida Rio Branco e Cinelândia. Nas imediações do Palácio Guanabara, a PM utilizou também métodos repressivos violentos e covardes, que se estenderam até pelo menos um quilômetro do local onde despacha Sérgio Cabral. Nem mesmo um hospital naquele área foi poupado do gás lacrimogêneo. Numa praça (São Salvador) cerca de 500 metros do Palácio Guanabara, a PM arremessou gás lacrimogêneo atingindo pessoas que se encontravam em bares e restaurantes, inclusive crianças.

Uma semana antes, o próprio Governador dizia que os manifestantes poderiam protestar no Palácio Guanabara e não na esquina de sua residência particular, no Leblon. Depois de reprimidos, também covardemente, segundo inúmeras testemunhas de moradores da rua Aristides Espindola, os jovens que não aguentam mais Sérgio Cabral, foram ao Palácio Guanabara.

A violência policial não pode continuar impune. A responsabilidade é do comandante em chefe, Sérgio Cabral, que a todo momento justifica a truculência da PM. A Anistia Internacional já protestou e agora até a Organização das Nações Unidas (ONU) está pedindo explicação (fato ainda não divulgado) às autoridades sobre os acontecimentos ocorridos sobretudo no Rio de Janeiro.

Registro um fato: John Jeremiah Sullivan, o escritor estadunidense que participou do Flip, fará matéria especial para o New York Times Magazine, sobre os acontecimentos. Depois de ser informado sobre temas que a mídia de mercado nacional silencia, como fatos relacionados com a questão dos leilões de petróleo, as mobilizações do MST e a importância para o Brasil da democratização dos meios de comunicação, Sullivan esteve acompanhando a manifestação classista das centrais sindicais no Rio junto com o autor destas linhas. Tem material de sobra para informar aos leitores norte-americanos, como disse que faria.


É preciso interromper a expansão do Estado policial



A socióloga Vera Malaguti Batista alerta para o risco da expansão do "Estado policial" e da gestão militar da vida dos pobre. Os espetáculos de truculência e despreparo das polícias estaduais na repressão às manifestações, somados à barbárie cotidiana nas favelas e periferias das grandes cidades, fizeram ressurgir a bandeira da desmilitarização das polícias.

Uma proposta ainda muito distante da realidade, lamenta a socióloga Vera Malaguti Batista, secretária-geral do Instituto Carioca de Criminologia e professora da Universidade Cândido Mendes. Antes disso, sugere a especialista, é preciso interromper a expansão do Estado polícial. “Precisamos parar de acreditar que vamos resolver os problemas do Brasil com mais polícia e repressão”, diz Batista, organizadora do livro Paz Armada, Criminologia de Cordel, lançado em 2012 pela Editora Revan.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista.

CartaCapital: Como a senhora avalia o comportamento das polícias durante os protestos do último mês?

Vera Malaguti Batista: A polícia se comportou como costuma se comportar. Só que dessa vez o alvo da truculência era diferente, o público era outro. Os manifestantes eram, em sua maioria, jovens de classe média e brancos. Cada vez que um ônibus é incendiado na favela, o episódio é tratado pela mídia como um ato de vandalismo ou terrorismo. Mas por trás daquele veículo em chamas, quase sempre há um episódio anterior de violência policial, um assassinato. Trata-se de uma forma de protesto desesperada. A classe média se deparou nas ruas com uma forma de atuação policial normalmente dirigida aos pobres, aos moradores de bairros periféricos. Não há nada de novo.

CC: O que explica essa cultura da truculência?

VMB: O coronel Carlos Magno Nazareth Cerqueira, comandante da PM do Rio de Janeiro nos dois governos de Leonel Brizola e assassinado em 1999, dizia que o trabalho policial no Brasil ficava entre o saber jurídico e o saber bélico. Este último está subordinado à lógica das Forças Armadas, na qual o objetivo de uma ação é sempre conter ou eliminar um inimigo. Mas as técnicas e os métodos de policiamento deveriam ter um corpo teórico à parte, o mais afastado possível do paradigma bélico. Não estamos em guerra tampouco enfrentando inimigos nas ruas. A questão central é: a quem a polícia deve servir? Nos Estados Unidos, Itália, França, Alemanha, Cuba, as técnicas e métodos da polícia compõem um corpo teórico bastante distinto da teoria bélica. Há manuais internacionais de controle de distúrbios, discussões sobre o uso legítimo e o uso excessivo da força, padrões de abordagem.

CC: E no Brasil?

VMB: Aqui, a lógica é outra: ocupação do território inimigo. Na medida em que a criminalidade foi caminhando para o centro da política e a mídia começou a criar certa histeria nacional, as pessoas passaram a aceitar como normais e depois a aplaudir ações de guerra. Os mesmos cidadãos que criticavam a violência da ditadura passaram a justificar certos abusos da polícia no regime democrático. A ordem é partir para cima de qualquer forma. Se o policial matar, não tem galho. Registra o homicídio como auto de resistência. Ao mesmo tempo, de forma maluca, há uma expansão do número de policiais. Outro dia vi o governador do Rio, Sergio Cabral, todo orgulhoso dizendo que ele colocou nas ruas 6 mil novos policiais por ano, enquanto no passado não passavam de 500 por ano. Eu considero isso uma notícia apavorante. É o que eu chamo, no meu livro, de Estado de polícia. Mas a classe média ainda não se deu conta disso.

CC: Em recentes protestos na periferia de São Paulo e no Complexo da Maré, no Rio, alguns cartazes alertavam: “A polícia que reprime na avenida é a mesma que mata na favela”.

VMB: Tome o exemplo do massacre na Maré. A ação de meia dúzia de pequenos traficantes e a morte de um sargento do Bope, a tropa de elite da polícia fluminense, deu uma espécie de carta de carta branca para a polícia promover uma chacina na favela. Isto, sim, foi uma verdadeira ação terrorista. Revela um despreparo total, uma tropa enlouquecida, disposta a tudo. E a mídia incentiva este tipo de postura. Cria slogans como “combate ao crime”, “guerra às drogas”, “batalha contra o crack”. Hoje, São Paulo tem um efetivo de 100 mil policiais. O Rio tem mais de 60 mil. Todos os anos, os diferentes governos jogam nas ruas milhares de trabalhadores armados com pouca ou nenhuma formação. E há uma enorme plateia aplaudindo essa política, demandando mais truculência. Um dos grandes equívocos dos governos do PT foi ter permitido, e até incentivado, a expansão do Estado de polícia. Como diz o historiador Joel Rufino dos Santos, o que precisamos ser: guardiões da ordem ou dos direitos humanos?

CC: Ter mais policiais nas ruas é um problema?

VMB: Sem preparo, sim. É preciso pagar melhores salários, melhorar a formação dos policiais. Aquele homem fardado, no meio de uma multidão enfurecida, adestrado para a guerra e sem saber como lidar com civis, também vive um grande dilema.

CC: É o caso de levantar a bandeira da desmilitarização da polícia, como alguns manifestantes têm sugerido?

VMB: Estamos tão distantes disso... A primeira coisa que precisamos interromper é a expansão do Estado de polícia. Parar de acreditar que vamos resolver os problemas do Brasil com mais polícia e repressão. Esse é o consenso da sociedade hoje. Precisamos de muitas prisões, penas mais duras para os criminosos. Em algum momento essa política de encarceramento em massa vai ruir, não tem como se sustentar. Antes de colocar mais policiais nas ruas, é preciso repensar o que queremos. Viver num Estado de polícia ou num Estado de direito? São coisas antagônicas. Como ressalta o jurista argentino Eugenio Raúl Zaffaroni, ‘o estado de direito é concebido como o que submete todos os habitantes à lei e opõe-se ao estado de polícia, onde todos estão subordinados ao poder daqueles que mandam’. Hoje, não tenho dúvidas de que vivemos neste segundo cenário.

CC: A senhora é uma crítica ferrenha das Unidades de Polícia Pacificadora no Rio, que contam com ampla aprovação da população, segundo pesquisas. O que há de errado no modelo?

VMB: É um projeto de alta concentração de forças militarizadas em áreas pobres. Se fosse um programa para a segurança pública do Rio de Janeiro, ele não poderia ser direcionado só para as favelas. A UPP é uma gestão policial da vida dos pobres. Transforma a polícia como principal política pública, acima de todas as outras. Não vejo dessa forma. As pessoas se sentem seguras quando têm transporte, alimentação, limpeza urbana. Além disso, esse modelo de controle territorial está inserido num paradigma bélico. Segurança pública não é guerra tampouco disputa territorial. A UPP parece uma invenção de Sergio Cabral ou do seu Secretário de Segurança Pública, mas o modelo foi testado em outros lugares do mundo e fracassou. O projeto foi vendido aqui como panaceia, uma espécie emplastro Brás Cubas, destinado a curar todos os males da humanidade, nos delírios do célebre personagem de Machado de Assis.

CC: Onde mais esse modelo foi adotado?

VMB: Em Medellín, os pesquisadores do Observatorio de Seguridad Humana têm uma série de estudos e estatísticas que revelam os equívocos desse modelo de ocupação militarizada em áreas pobres da Colômbia. O geógrafo Milton Santos ressalta que a aposta na “recuperação de territórios” remete ao conceito bélico norte-americano e israelense de ocupação de territórios estrangeiros. Sim, porque os governos dos Estados Unidos e de Israel não têm coragem de impor esse mesmo modelo dentro de casa, para a sua própria população.

CC: Vende-se a ideia de que a UPP é um modelo de policiamento comunitário.

VMB: UPP não é policiamento comunitário, é uma tomada de território por forças militarizadas. Algo muito semelhante ao que ocorre na Palestina, no Iraque, no Afeganistão. O coronel Nazareth Cerqueira foi um dos primeiros a implantar o policiamento comunitário na América Latina nos anos 1980. O projeto tinha no horizonte a ideia de o policial estar próximo, mas não metendo o pé na porta. O oficial deveria ser acessível, próximo para atender às demandas da população. Mas nunca para impor sua disciplina, o protagonista era a população.

CC: O que é a vida em uma favela “pacificada”?

VMB: O tipo de atuação policial que se faz nas favelas ocupadas pela polícia no Rio só poderia ser feita na zona sul da cidade caso o governo decretasse “estado de sítio”. Há toques de recolher, abordagens ostensivas, invasão de domicílios sem mandado judicial, a proibição de tudo. Os moradores do morro do Cantagalo costumam reclamar que os bares de Ipanema ficam abertos a noite toda, mas as biroscas da favela têm horário para fechar. Para fazer uma festa em casa, o morador de lá tem de pedir autorização. Se fosse uma experiência de policiamento comunitário, como cinicamente costumam dizer, as intervenções deveriam ocorrer em todo o bairro de Copacabana, não apenas nas favelas dali.

Publicado originalmente: Carta Capital http://www.cartacapital.com.br/sociedade/uma-guerra-particular-8733.html

Fonte: Rede Democrática

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Contra as tramóias da direita: sustentar a Dilma Roussef

Por Leonardo Boff  *- em seu Blog

É notório que a direita brasileira especialmente aquela articulação de forças que sempre ocupou o poder de Estado e o tratou como propriedade privada (patrimonialismo), apoiada pela midia privada e familiar, estão se aproveitando das manifestações massivas nas ruas para manipular esta energia a seu favor. A estratégia e fazer sangrar mais e mais a Presidenta Dilma e desmoralizar o PT e assim criar uma atmosfera que lhes permite voltar ao lugar que por via democrática perderam.

Se por um lado não podemos nos privar de críticas ao governo do PT (e voltaremos ao tema), mas críticas construtivas, por outro, não podemos ingenuamente permitir que as transformações politico-sociais alcançadas nos últimos 10 anos sejam desmoralizadas e, se puderem, desmontadas por parte das elites conservadoras. Estas visam a ganhar o imaginário dos manifestantes para a sua causa que é inimiga de uma democracia participativa de cariz popular.

Seria grande irresponsabilidade e vergonhosa traição de nossa parte, entregar à velha e apodrecida classe política aquilo que por dezenas de anos  temos construido, com tantas oposições: um novo sujeito histórico,  o PT e partidos populares, com a inserção  na sociedade de milhões de brasileiros. Esta classe se mostra agora feliz com a possibilidade de atuar sem máscara e mostrando suas intenções antes ocultas: finalmente, pensa, temos chance de voltar e de colocar esse povo todo que reclama reformas, no lugar que sempre lhe competiu historicamente: na periferia, na ignorância e no silenciamento. Aí não incomoda nem cria caos na ordem que por séculos construimos mas que, se bem olhrmos, é ordem na desordem ético-social.

Esta pretensão se liga a algo anterior e que fez história. É sabido que com a vitória do capitalismo sobre o socialismo estatal  do Leste europeu em 1989, o Presidente Reagan e a primeira ministra Tatscher inauguraram uma campanha mundial de desmoralização do Estado, tido como ineficiente e da política como empecilho aos negócios das grandes corporações globalizadas e à lógica da acumulação capitalista. Com isso visava-se a chegar ao Estado mínimo, debilitar a sociedade civil e abrir amplo espaço às privatizações e ao domínio do mercado, até conseguir a passagem de uma sociedade com mercado para uma sociedade de puro mercado no qual tudo, mas tudo mesmo, da religião ao sexo, vira mercadoria. E conseguiram. O Brasil sob a hegemonia do PSDB se alinhou ao que se achava o marco mais moderno e eficaz da política mundial. Protagonizou vasta privatização de bens públicos que foram maléficos ao interesse geral.

Que isso foi uma desgraça mundial se comprova pelo fosso abissal que se estabeleceu entre os poucos que dominam os capitais e as finanças e a grandes maiorias da humanidade. Sacrifica-se um povo inteiro como a Grécia, sem qualquer consideração, no altar do mercado e da voracidade dos bancos. O mesmo poderá acontecer com Portugal, com a Espanha e com a Itália.

A crise econômico-financeira de 2008 instaurada no coração dos países centrais que inventaram esta perversidade social, foi consequência deste tipo de opção política. Foram os Estados que tanto combateram que os salvaram da completa falência, produzida por suas medidas montadas sobre a mentira e a ganância (greed is good), como não se cansa de acusar o prêmio Nobel de economia Paul Krugman. Para ele, estes corifeus das finanças especulativas deveriam estar todos na cadeia como criminosos. Mas continuam aí faceiros e rindo.

Então, se devemos criticar  a nossa classe política por ser corrupta e o Estado por ser ainda, em grande parte, refém da macro-economia neoliberal, devemos fazê-lo com critério e senso de medida. Caso contrário, levamos água ao moinho da direita. Esta se aproveita desta crítica, não para melhorar a sociedade em benefício do povo que grita na rua, mas para resgatar seu antigo poder político especialmente, aquele ligado ao poder de Estado a partir do qual garantia seu enriquecimento fácil. Especialmente a mídia privada e familiar, cujos nomes não precisam ser citados, está empenhada fevorosamente neste empreitada de volta ao  velho status quo.

Por isso, as demonstrações devem continuar na rua contra as tramóias da direita. Precisam estar atentas a esta infiltração que visa a mudar o rumo das manifestações. Elas invocam a segurança pública e a ordem a ser estabelecida. Quem sabe, até sonham com a volta do braço armado para limpar as  ruas.

Dai, repetimos, cabe reforçar o governo de Dilma, cobrar-lhe, sim,  reformas políticas profundas, evitar a histórica conciliação entre as forças em tensão e o oposição para juntas novamente esvaziar o clamor das ruas e manterem um status quo que prolonga  benefíciois compartilhados.

Inteligentemente sugeriu o analista politico Jeferson Miolo em Carta Maior (07/7/2013):”Há uma grave urgência política no ar. A disputa real que se trava nesse momento é pelo destino da sétima economia mundial e pelo direcionamento de suas fantásticas riquezas para a orgia financeira neoliberal. Os atores da direita estão bem posicionados institucionalmente e politicamente…A possibilidade de reversão das tendências está nas ruas, se soubermos canalizar sua enorme energia mobilizadora. Por que não instalar em todas as cidades do país aulas públicas, espaços de deliberação pública e de participação direta para construir com o povo propostas sobre a realidade nacional, o plebiscito, o sistema político, a taxação das grandes fortunas e do capital, a progressividade tributária, a pluralidade dos meios de comunicação, aborto, união homoafetiva, sustentabilidade social, ambiental e cultural, reforma urbana, reforma republicana do Estado e tantas outras demandas históricas do povo brasileiro, para assim apoiar e influir nas políticas do governo Dilma”?

Desta forma se enfrentarão as articulações da direita e se poderá com mais força reclamar reformas políticas de base que vão na direção de atender a infra-estrutura reclamada pelo povo nas ruas: melhor educação, melhores hospitais públicos, melhor transporte coletivo e menos violência na cidade e no campo.

Leonardo Boff não é filiado ao PT, é teólogo e escritor, da Comissão da Carta da Terra

http://leonardoboff.wordpress.com/2013/07/07/contra-as-tramoias-da-direita-sustentar-a-dilma-roussef/

domingo, 7 de julho de 2013

Aproveitar e mudar


Fato é que é necessário aproveitar a pressão das ruas para dirigir a política no interesse coletivo, diminuindo o poder fechado de "soluções" entre os poderes, sem nenhuma participação popular. No front político não será de se estranhar que se dissolva a precária base de sustentação do governo Dilma, que virou um saco de gatos ideológico e político. 

Por Amir Khair - Carta Maior
   
As manifestações de rua estão sendo aproveitadas para várias finalidades. Para a direita, o que interessa é desgastar o PT e o governo Dilma. Vislumbram a possibilidade de tirar o PT do poder e procuram o candidato que possa satisfazer suas vontades, com chances eleitorais.

A esquerda tem a possibilidade de tencionar os governos no sentido de avançar as políticas públicas na área social. Teme, no entanto, que a onda de repúdio à política e políticos acabe por gerar falsas soluções que acabem por interromper os avanços conquistados de mais distribuição de renda, e coloquem no governo um novo Collor.

Fato é que é necessário aproveitar a pressão das ruas para dirigir a política no interesse coletivo, diminuindo o poder fechado de "soluções" entre os poderes, sem nenhuma participação popular.

No front político não será de se estranhar que se dissolva a precária base de sustentação do governo Dilma, que virou um saco de gatos ideológico e político.

Há que buscar suporte político ao atender as pressões legítimas de soluções que reduzam despesas da maioria da população e que consigam ampliar e aprimorar os serviços nas áreas sensíveis como transporte e saúde e jogar força na estratégica área da educação, especialmente via aporte de recursos ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), ampliando o percentual de 10% que o governo federal aporta a esse fundo. Uma possibilidade para novos recursos é regulamentar o Imposto sobre Grandes Fortunas, que o Congresso senta em cima das propostas para não atingir o bolso dos deputados e senadores.

Mas, há que tomar cuidado. Muitas vezes argumenta-se que faltam recursos para atender as demandas da população. Sim, faltam. Mas há que cobrar duramente das administrações, que usem os recursos passados pela população no interesse coletivo e de forma eficaz, ou seja, fazendo mais e melhor com os mesmos recursos seja ao terceirizar, seja ao fazer diretamente. Pouco se sabe sobre os custos reais dessas duas vias.

O interesse da chamada elite é pelo Estado mínimo e privado máximo. A palavra de ordem deles é redução das despesas de custeio para aumentar o resultado primário para pagar os juros do rentismo, que domina o País.

Há, no entanto, que ter clareza política nesse embate ideológico e defender intransigentemente o Estado, mas na sua função de velar pelo interesse coletivo e não o do capital ao direcionar recursos públicos.

A mais clara realidade sobre esse papel do Estado está no fato do descaso de prefeitos, governadores, vereadores, deputados, Ministério Público, Tribunal de Contas e a mídia praticamente ausentes nas suas funções de proteção aos interesses, por exemplo, dos que pagam as contas do transporte coletivo via tarifa e/u via subsídio pago às empresas operadoras.

O que se viu em decorrência da pressão das ruas foi um vergonhoso jogo de cena onde alguns governantes baixaram as tarifas por parcos centavos, afirmando que só se o governo federal reduzisse tributos é que poderiam baixar mais, ou ainda afirmações de pseudo economias que iriam fazer fundindo órgãos, como fez o governador de São Paulo, com uma "economia" de R$ 130 milhões neste ano, algo como 0,07% do orçamento do Estado.

A falta de compromisso com a população, especialmente a de menor renda, que depende do serviço público na educação, saúde, assistência social e segurança, pode ser vista na quantidade, qualidade e baixa eficiência da prestação dos serviços, tornando-os mais caros do que deveriam. O caro aqui se refere ao custo para ter o serviço, seja esse custo feito diretamente, seja feito através de empresa privada contratada para isso.

Há ausência praticamente total de auditoria de custos em tudo que o setor público contrata e de transparência no que executa diretamente. Falta vontade política para verificar o valor que está sendo pago ao prestador de serviço ao executor da obra. Em geral tudo que é entregue ao setor privado para fazer em lugar do setor público pode estar sendo pago com valor acima do que deveria caso o governo se dispusesse a olhar com mais cuidado tudo que contrata e, muitas vezes não o faz por falta de quadros e/ou de competência para isso.

A população que paga a conta tem todo direito de saber o porque do valor cobrado e o governo através dos seus três níveis (federal, estadual e municipal), poderes (Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público) e agências "reguladoras" de FHC, o dever de não jogar contas indevidas sobre os usuários e contribuintes.

Deve-se questionar as tarifas do transporte coletivo, da mesma forma, o pagamento às empresas do lixo e varrição de vias (uma das maiores despesas das prefeituras), as contas das concessionárias (água e esgoto, energia elétrica, telefonia e gás) que são uma verdadeira caixa preta funcionando como potentes bombas de sucção do ganho das pessoas.

Assim que continue a pressão das ruas. Se Dilma quiser buscar respostas via Congresso vai-se frustrar, pois lá tem sido mais um banco de negócios para satisfazer os interesses de cargos e ganhos pessoais dos "representantes" do povo. Felizmente ainda há exceções.

O que vale é participar e lutar para avançar e fazer os governos ampliarem o atendimento com melhor qualidade à área social. Sem pressão nada acontecerá. É aproveitar a força do movimento para mudanças que estão emperradas

.http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22308&editoria_id=4


sexta-feira, 5 de julho de 2013

Dublê da Globo é dublê de líder da Veja

Por Fernando Britto, do Tijolaço


O Blog ContextoLivre (leia O herói da Veja diz que bandido bom é bandido morto) publica e a gente foi conferir. E achou muito mais.

Maycon Freitas, o entrevistado das Páginas Amarelas da Veja desta semana, como “representante” dos manifestantes da onda de protestos que tomou as ruas, presta serviços como dublê a Rede Globo de Televisão.



A Veja, é claro, nem se importou que Maycon tenha quase o dobro da idade da maioria dos manifestantes, mas o transformou num grande ativista cibernético.

Apresentado como “a voz que emergiu das ruas”, Maycon é apresentado como líder de uma comunidade no Facebook , a União Contra a Corrupção, onde se publica ou republica coisas como essa imagem aí do lado, dizendo que os médicos cubanos (cadê?) são guerrilheiros disfarçados e que um golpe comunista está em marcha. É mentira, a página é mantida por Marcello Cristiano Reis, um advogado paulista.

Se tivesse ido olhar o perfil de Maycon no Facebook veria que, antes de virar “celebridade”, suas últimas postagens foram em janeiro, com pérolas do tipo:
“Mulher que diz que homem é tudo igual. É porque nunca soube fazer a diferença na vida de um.”, ou
“No carnaval as mina pira , em novembro as mina 'pari'". “No carnaval os mano come, em novembro os mano some.”

Antes, em 2012, a vida estava boa para Maycon, como você pode ver nas fotos do líder de massas em Cancún, no México, num turismo “padrão FIFA” de deixar a gente com inveja. 

Como está sofrendo o revoltado Maycon!



Ah, essa internet…

Ah, essa Veja…


PS. Até de um mistificador como o Maycon a gente respeita a privacidade. Todas as fotos são públicas no seu Facebook, não necessitam de compartilhamento.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Globo veta plebiscito



Por Fernando Brito, no blog Tijolaço: em 4/07/2013

São 20 horas e a mensagem de Dilma propondo o plebiscito já caiu das principais chamadas dos sites de notícias.

No lugar dela, a morte do projeto da “cura-gay”.

Espero um pouco mais, e vem o Jornal Nacional. Lá no fim, depois de uma imensa reportagem sobre a indústria em queda e a inflação em alta, vem a matéria sobre o plebiscito.

O vice-presidente Michel temer só falta pedir desculpas por ter levado a proposta de Dilma ao Congresso.

Os líderes da base “não tão aliada” querem que isso vire referendo para 2014.

Aecinho, pontificando, diz que Dilma mandou uma proposta que até ela sabe que não é possível viabilizar.

Os líderes acharam tudo complicado e só vão falar isso na semana que vem.

Depois, destaque na nota do TSE de que, se o Congresso não implementar, até o início de outubro, o resultado do plebiscito ”não haverá efeitos, no pleito eleitoral subsequente, o que pode ser fator de deslegitimação da chamada popular”.Claro, não houve menção ao final da nota, onde a Ministra Carmen Lúcia e os 27 presidentes de TREs dizem que “o sonho do povo brasileiro é a democracia plena e eficiente. O dever do juiz é garantir o caminho do eleitor para que o sonho venha a ser contado para virar a sua realidade. O juiz não se descuida do poeta. É a sua forma de atentar ao eleitor, única razão de ser da Justiça Eleitoral”.

Dois ex-ministros do TSE aparecem para dizer que “não haverá tempo”.

Resumo de tudo, nas palavras do líder do PT na Câmara, José Guimarães: “quando se quer, dá tempo; quando não se quer, não dá”.

Alguém acha que o Congresso quer reforma?

E assim, ficamos com a nossa triste ordem democrática, onde o povo votar e decidir qualquer coisa diferente do interesse de suas elites é inviável.

Leia também: http://www.redebrasilatual.com.br/politica/2013/07/dilma-afirma-que-e-necessario-teimar-para-garantir-transformacoes-sociais-4392.html

 É fundamental ler essa denúncia...
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2013/07/duble-da-globo-e-o-lider-da-veja.html?spref=tw

 

Transição do ciclo econômico se acelera. E a restauração em marcha sabota plebiscito

por Saul Leblon - Carta Maior
   

Transição de ciclo econômico se acelera

Retomada norte-americana amplia o poder de coação dos capitais que migram da bolsa brasileira em 3ª feira marcada, ainda, por queda na produção industrial e dados ruins na balança comercial.

A transição de ciclo econômico se acelera: o Brasil terá que discutir as linhas de passagem para renovar a sua agenda de desenvolvimento.

Há escolhas a fazer e não são singelas.

O país dará liberdade aos fundos e rentistas internacionais para saquearem as suas reservas em revoadas para o exterior?

Oferecerá arrocho salarial e juro alto na tentativa de conte-los aqui?

Sacrificará investimentos em infraestrutura para entregar o superávit fiscal cheio', como pede a banca local e forânea?

Saberá pactuar prioridades sociais escalonadas em calendário crível e realista?

Se as respostas a essas e outras perguntas forem ordenadas pela lógica blindada do interesse financeiro, o resultado é sabido.

O Brasil pode virar um imenso Portugal.

Portanto, não é apenas a reforma política que requer amplo debate democrático.

A travessia para um novo ciclo de desenvolvimento só contemplará os anseios das ruas por mais democracia social, se vier ancorada em sincera e corajosa discussão progressista com a sociedade.

É o oposto do que uivam os centuriões do conservadorismo.

Para eles a rua já deu o que tinha que dar: o desgaste do governo do PT.

Todo o seu empenho agora é para descongestionar o ambiente político de qualquer contaminação associada a mecanismos de democracia direta.

A rejeição nervosa ao plebiscito reflete a ansiedade defensiva de quem sabe que o divisor entre economia e política é tênue; nas crises, desmancha-se no ar.

Deixar o governo sangrar até 2014, sob estrita vigilância dos ‘mercados' é o seu sonho de consumo eleitoral.

Daí o esforço preventivo de desqualificação de qualquer novidade política que possa empurrar a agenda do futuro econômico para o relento do debate em campo aberto.

Não interessa aos ventríloquos dos livres mercados serem acareados pelo discernimento social.

Cabe às forças progressistas abortar esse cinturão sanitário, fazendo da travessia econômica uma extensão da agenda da reforma política. A ver.


Restauração em marcha sabota plebiscito: 'as ruas já deram o que tinham que dar'

Dos partidos da oposição, o único que aceitou o convite da Presidenta Dilma para conversar sobre o Brasil e a reforma política foi o PSOL.

Demotucanos e assemelhados declinaram.

Os campos se definem em relação às ruas.

Caminha-se para um realinhamento da cena política brasileira.

Se a conversa Dilma/PSOL abrir espaços para um aggiornamento à esquerda da governabilidade, algo de inestimável importância terá acontecido nos dias correm.

Alegam PSDB, Demos e PPS não ter sobre o que conversar.

Faz sentido.

Dilma pretendia ouvi-los sobre a convocação de um plebiscito para estreitar a aderência do sistema político às ruas.

A proposta foi enviada ao Congresso nesta 3ª feira, cercada pela rejeição conservadora.

‘Ora direis ouvir as ruas’, replicam demotucanos em sua esférica coerência.

Ouvir as ruas é tudo o que o credo neoliberal entende que não deva ser feito nessa hora; em qualquer hora.

A escuta forte da sociedade soa como dissonância chavista aos ouvidos congestionados pela cera secular do interesse dominante.

A democracia para esse sistema auditivo é um ornamento.

Um adereço nos colóquios dos salões elegantes. Um caramelo, após o cafezinho.

Nos dias que correm, a democracia é a citação de rodapé da judicialização da política.

Sobretudo, a democracia destas siglas gêmeas deve lubrificar a obediência da sociedade aos livres mercados.

É o oposto do que pensa a tradição socialista: a democracia cresce justamente quando escapa aos limites liberais e se impõe como força normativa aos mercados.

Ganha relevância assim.

Quando assume o papel de contrapeso histórico aos apetites rapinosos do dinheiro grosso.

É democracia de fato ao romper a película liberal para se tornar, também, democracia social.

O extremo oposto conservador entende que ouvir as ruas é algo que só cabe em doses módicas.

Com o dinheiro a cerzir as amarras entre o presente e o futuro.

De quatro em quatro anos.

Nunca em ciclos curtos, ou de crise, quando o mais aconselhável são as elites – no limite, os quartéis - assumirem a tutela da vontade popular.

Consultas regulares à cidadania e tudo o mais que possa tornar volátil o mando e o comando devem ser execrados.

Volatilidade é uma prerrogativa dos capitais.

Irrepartível.

À política cabe a tarefa de calcificar o poder e embalsamar a sociedade.

Editoriais de O Globo, Estadão e Veja, ademais de centuriões da mesma extração, uivam a rejeição ao plebiscito e à Constituinte.

O que lhes interessava das ruas, as ruas já deram.

O Datafolha, no calor da Paulista, recompôs a chance de um 2º turno em 2014.

A narrativa tratou de ofuscar o ruído de longo curso, subjacente ao desabafo da hora: se candidato, Lula levaria de 1ª, com 46% dos votos.

A Folha entendeu; e tanto que escondeu o tropeço na primeira página. E pisoteou a informação nas entrelinhas internas.

É preciso desfrutar a ‘colheita’, crua, se necessário, para não desperdiçar a janela de oportunidade.

Interesses que operam no sentido de subtrair fatias de poder à democracia estão satisfeitos com o saldo.

Há mais de 30 anos tem sido hábeis em interditar o debate das grandes escolhas do desenvolvimento.

Para isso, escavaram fossos intransponíveis entre a soberania nacional e a supremacia das finanças desreguladas no circuito global.

Assim se assegurou a hegemonia do poder extra-ruas.

Por que abririam mão dele justamente agora, em pleno divisor de ciclo, quando linhas de passagem terão que ser erguidas em direção a um novo projeto de desenvolvimento?

O ‘não’ ao convite de Dilma encerra a solidez de uma coerência histórica.

A contrapartida cabe à esquerda.

A sorte do país e o destino de sua democracia dependem, em grande parte, do desdobramento concreto que o diálogo simbólico entre Dilma e o PSOL produzir na unificação da agenda progressista brasileira.Não apenas para articular a reforma política. Mas para democratizar o crucial debate sobre o passo seguinte da luta pelo desenvolvimento.

A ver.

Fonte: Carta Maior - Blog das Frases por Saul Leblon

Leia também: A indignação brasileira mira políticos, mas esquece o capital
http://blog-sem-juizo.blogspot.com.br/2013/07/indignacao-brasileira-mira-politicos.html

quarta-feira, 3 de julho de 2013

O Viver Arriscoso das Multidões

28/06/2013 - por Emiliano José - do site Bahia 247

Quem de cara tentou desqualificar o movimento foi o governador Alckmin com sua política truculenta e a nossa velha mídia, que chamou os jovens de vândalos e terroristas.

As conjunturas surpreendentes são ao que mais podem nos ensinar, se quisermos aprender, e às vezes demanda tempo até que se recolham todos os ensinamentos desses momentos-irrupção, que surgem como do nada, embora, como óbvio, nunca surgem do nada, senão de um acúmulo, mesmo que imperceptível para muitos, como as recentes manifestações que se espraiaram pelo País.

Compreender que tudo que existe merece perecer não é simples.

Escrever assim a quente, no calor dos acontecimentos, é sempre um risco enorme. Não me sinto, no entanto, no direito de esperar as coisas esfriarem para falar alguma coisa.

Correr riscos é da vida.

Viver é arriscoso, mas o que a gente quer da vida é coragem: me socorro, da cabeça, de Riobaldo Tatarana, protagonista de Guimarães Rosa.

Vamos em frente que atrás vem gente, e cada vez mais gente.

Todos nós, envolvidos com a militância política tradicional, à esquerda ou à direita, fomos tomados de surpresa com as movimentações recentes da nossa juventude, pela sua radicalidade, sua intensidade, persistência, massividade.

Houve, quem sabe ainda há, uma acentuada perplexidade, e a busca nos manuais de antanho nem sempre resolviam nossos problemas teórico-práticos.

Talvez apenas os teóricos da multidão, vanguardeados por Antonio Negri, não se sintam tão atordoados, e cito aqui o notável Giuseppe Cocco, de quem sou admirador e amigo recente, e que deu uma entrevista admirável sobre as mobilizações recenteswww.unisinos.br

Marco logo uma posição: creio ser extremamente saudável politicamente que multidões, especialmente nesse caso multidões juvenis, ganhem as ruas por objetivos políticos.

E que o façam, para além de quaisquer aparentes exageros – e há movimentos de massas que não experimentem exageros ou até infiltrações indesejáveis, como aqueles da extrema-direita brasileira? – que o façam em defesa do aprofundamento da democracia, da participação cada vez mais decisiva do povo nos destinos do País.


Quem de cara tentou desqualificar o movimento foi exatamente o governador Alckmin com sua política truculenta e a nossa velha mídia, que chamou os jovens de vândalos e terroristas, para logo depois, quando percebeu o alcance das manifestações, passar até a elogiá-las, só que aí em sua indisfarçável perspectiva golpista.

O PT seguramente também foi surpreendido e só nas últimas horas, no momento em que escrevo esse texto, como instituição, resolveu se envolver nos atos de rua, com a sua cara, sem medo de defender as bandeiras avançadas do movimento e as conquistas realizadas nesses últimos dez anos sob os governos Lula e Dilma.

Tenho dito que o grande desafio da sociedade brasileira está nas cidades, principalmente.

Lembro-me de fala recente de Márcio Pochmann (e que ele me desculpe pela eventual imprecisão) sobre as cidades-acampamento do século XX: acampamentos edificados para responder à industrialização, e depois os seus problemas se avolumaram numa proporção e velocidade extraordinárias. Tornaram-se aglomerações quase ingovernáveis e de qualidade de vida angustiante, às vezes insuportáveis, especialmente para os mais pobres.

Claro que podemos dizer, e o fazemos com propriedade, que nos últimos dez anos, sob os governos de Lula e Dilma, houve melhorias significativas na vida do nosso povo, que milhões foram retirados da miséria extrema, que outros tantos milhões melhoraram sua condição de vida, e aqui não cabe balanço mais completo.

Essa elevação da qualidade de vida, e ainda há uma longa caminhada pela frente, implicou a conquista de mais cidadania, mais consciência política.

Parte dos que emergiram parecem dizer queremos mais e mais, e as condições difíceis das grandes cidades, especialmente a precariedade da mobilidade, leva a juventude a se exasperar, a não aceitar passar tanto tempo espremida num transporte coletivo torturante, passar longo tempo à espera de que chegue ao destino, e ainda pagando passagens caras.

É, na visão de Cocco, (foto) a luta dos trabalhadores imateriais, que tem como fábrica a metrópole e lutam pela qualidade de vida da qual dependerá a inserção deles em um trabalho que não é mais um emprego, mas uma "empregabilidade".

Poderíamos acrescentar, nessa análise dos problemas de nossas grandes e médias cidades, o fato estrutural de o Brasil, dos anos 50 em diante, ter optado pela prioridade ao transporte individual.

Que cidade há de suportar os custos de tantos automóveis jogados todo mês sobre as ruas cada vez mais precárias de nossas maltratadas aglomerações urbanas?

Como falar em cidades sustentáveis com esse "modo de produção automobilístico"?

Tratar desse modelo, enfrentar as contradições dele decorrentes, vai se tornando algo incontornável, e de algum modo as ruas estão dizendo isso.

Frotas de ônibus precárias, metrôs precários, e alguns que nunca terminam e nem se expandem, cidades inteiramente travadas pelos carros, os trabalhadores jogados para periferias distantes, e os jovens, de que falamos aqui, sem condições mínimas de locomoção.

Estavam ou não postas as condições para a movimentação que estamos assistindo nos últimos dias?

E aqui falamos das condições materiais, objetivas, nem sequer tratarmos das outras, de uma sociedade em rede, articulada na internet, sob a influência de um movimento que é mundial, que tem se repetido em tantos países.

Essa parcela do nosso povo que assaltou as ruas, especialmente a juventude, quer participar da vida política, e a estrutura política do Parlamento brasileiro, que dá mostras de falência há muito tempo, permanece irredutivelmente ancorada no financiamento privado.


Isso tem limitado a participação dos jovens, das mulheres, de lideranças sindicais e comunitárias, dos índios, dos negros, dos trabalhadores rurais, e torna o Parlamento – aqui falamos da Câmara Federal, do Senado, das assembleias legislativas, das Câmaras de Vereadores – uma casta elitista, distante das maiorias, cada vez mais afastado do povo, voltado a conciliábulos dominantes, sem maiores preocupações com os humores e a sorte das maiorias.

E quando digo isso, o faço em defesa da política e dos partidos, e sem desprezar o esforço em favor da reforma política feito pelo PT, que está com uma campanha nas ruas para tanto.

Creio que as ruas deviam expressar essa demanda, mas só elas é que podem dizer se a querem. O PT tentará viabilizar um projeto de iniciativa popular.

Sem canais efetivos de participação política, as multidões ganham as ruas, e expressam também insatisfação com os mecanismos de representação.

Pode nos preocupar, claro, o surgimento de clamores contra partidos, normalmente uma bandeira da direita e até da extrema-direita. Mas, isso não pode nos levar, de modo nenhum, a não compreender esse sentimento – tem a ver com o modo de fazer política no Brasil, com o desprezo que as elites políticas, ou ao menos a maioria delas, devotam aos anseios populares, e com o fato de que no Parlamento brasileiro poucos se perguntam por que lideranças populares não têm condições de se eleger – não tiveram ontem, não tem hoje.

E não custa lembrar que multidões, no resto do mundo, tem manifestado a mesma reação diante das formas tradicionais do fazer político, evidenciando não uma crise da política, mas a emergência de multidões que pretendem imprimir outro rumo à política.

As ruas estão, a seu modo, e um modo novo, particular, o da emergência das multidões, ressignificando a política, dando recados fortes e revelando a gravidade da crise de representação em que estamos imersos, e que o Parlamento brasileiro tem uma enorme dificuldade para compreender, até por seus compromissos, por seus interesses de classe. Não está entendendo o momento.

O financiamento privado é um câncer que corrói a política, que faz esquecer a essencialidade da política para a convivência dos povos, que não podem ainda prescindir dela para a vida em sociedade.

Ocupar as ruas é uma maneira de dizer que se pretende participar da vida política.

A reforma política, insista-se, é fundamental para fortalecer a democracia em seu sentido substantivo, e ela deve acontecer, esperamos, com intensa participação popular, inclusive da nossa juventude e dos chamados trabalhadores imateriais a que se refere Cocco.

Ao falar nesse Parlamento elitista, peço licença para lembrar o Marx de o 18 Brumário:

O regime parlamentar deixa tudo à decisão das maiorias, como então as grandes maiorias fora do parlamento não hão de querer decidir?

Quando se toca música nas altas esferas do estado, que se pode esperar dos que estão embaixo senão que dancem?

A par de tudo isso, sem dúvida, os partidos foram surpreendidos por essas mobilizações da juventude porque elas fugiram dos moldes tradicionais. 

Ocorreram pelos caminhos da rede, do acúmulo da articulação das lutas pela internet, que vão se tornando o canal de organização e mobilização das multidões, e estas, em geral, não se guiam por lideranças específicas, senão pela lógica que o movimento delas mesmas vai impondo.

Talvez, correndo todos os riscos, caiba recorrer a dois teóricos da Multidão, Michael Hardt e Antonio Negri, no livro Multidão: Guerra e democracia na era do Império, à página 426:

Na multidão, contudo, nunca existe qualquer obrigação em princípio em relação ao poder. Pelo contrário, na multidão o direito de desobediência e o direito à diferença são fundamentais.

A constituição da multidão baseia-se na constante possibilidade legítima de desobediência e o direito à diferença são fundamentais. (...)


A obrigação só surge para a multidão no processo decisório, em consequência de sua vontade política ativa, e a obrigação dura enquanto durar essa vontade política.

A criação da multidão, sua inovação em redes e sua capacidade de tomada de decisão em comum tornam hoje a democracia possível pela primeira vez.

Creio que esses movimentos recentes estão mais vinculados à lógica da multidão que qualquer outra coisa.

Quem quiser influir, tem que entender essa lógica e a cada momento decidir junto com ela.

Não me iludo de achar que não existam esforços da direita brasileira ali dentro. Na rede há de tudo.

Acho acertada a decisão do PT de participar dessas lutas.

As muitas bandeiras giram em torno da democracia, da participação, da melhoria dos serviços públicos, e servem à oxigenação da política.

E mais: essa sociedade consumista não pode agradar à juventude, e creio que as bandeiras se estenderão, se tornarão ainda mais amplas, e quem mais sabe, mais políticas e mais acertadamente estruturais.

A juventude, a militância toda do PT, se souberem entender a lógica das multidões, as lutas articuladas em rede, e creio que saberão, poderão contribuir para que não haja qualquer tipo de manipulação à direita, e o Movimento Passe Livre chegou a repudiar quaisquer tentativas autoritárias à direita, inclusive criticando atitudes antipartidárias.

As manifestações não nasceram anti-PT, nem anti-Dilma, embora, por variados caminhos, os atinja também.

Mas, se o governo e o PT souberem ouvir o clamor da multidão podem se afinar com ela, nem que parcialmente.

A resposta do governo Dilma, da presidenta em particular, foi muito positiva, especialmente a ideia do plebiscito e da Constituinte exclusiva para a reforma política, antiga proposta do PT, que não acreditava, como não acredita, na possibilidade de o Congresso se modificar por dentro, nas condições da composição de hoje.

Parece, no entanto, que as tradicionais elites políticas brasileiras recusam a proposta da Constituinte exclusiva, embora, parece, não tenham condições de evitar o plebiscito. A presidenta deu respostas também à questão da mobilidade urbana, do transporte coletivo, pontos fundamentais postos pelas ruas.

Dou uma última palavra a respeito de nossa mídia conservadora, do escândalo que ela protagonizou nos últimos dias.


Primeiro, quase de modo uníssono, clamou contra os terroristas, vândalos, anarquistas, e celebrou, cobrou que a Polícia interviesse. Alckmin obedeceu, e o pau comeu. 

Mas, aí, ela sentiu também o impacto das ruas, sua grandiosidade, e mudou o discurso.

É um paradoxo ver a Rede Globo, depois da primeira fase, a da celebração da repressão, elogiar o movimento, defender a democracia direta, atacar Dilma e o PT, defender o Ministério Público, esculhambar a política, vergonhoso. Embora, é claro, não valha apenas para a Rede Globo, atinge quase toda a velha mídia.

Curioso, revelador da natureza do movimento, é que a Rede Globo, até o momento em que escrevo esse texto, não pôde nem cobrir diretamente as manifestações, até porque os participantes sabiam com quem estavam lidando, e poderiam ser tentados à violência, que chegou a ocorrer em alguns  
casos contra veículos da velha mídia.

A Rede Globo cobriu os atos utilizando-se de precárias imagens de celulares.

Pudéssemos aconselhar, e só poderíamos no momento das assembleias da multidão, e diríamos que a Rede Globo e toda a mídia deviam cobrir tranquilamente os protestos até para que se desnudassem de modo claro desde o primeiro momento.

O que a Rede Globo e a Veja e a Folha e o Estadão não podem é dar lições de democracia a ninguém, e muito menos tentar dirigir a pauta da multidão contra o governo Dilma e contra a política.

A multidão, se o fizer, o fará legitimamente, e haverá no meio dela quem discorde e se manifeste.

Não a mídia, que esteve sempre ao lado do autoritarismo, que implantou a ditadura lado a lado com os militares, que foi conivente com estes, sempre.


E as ruas disseram isso.

Disseram que a mídia vive também, e já de algum tempo, uma grave crise de representação.

Ninguém acredita mais que ela cubra acontecimentos.

Ela sempre toma posição a priori, e sempre contra os interesses da população, especialmente dos mais pobres. 

Esperemos que no decorrer dessa movimentação, que ainda prossegue, todos tiremos lições.

Seguramente, o governo Dilma já está demonstrando que está tirando.

Há de se melhorar os serviços públicos.
Há de se dar prioridade ao transporte coletivo.
Há de se mudar a estrutura das cidades.
Há de se ampliar ainda mais o direito à educação, sobretudo sua qualidade. Há de se encontrar meios para o financiamento mais adequado da saúde.
Há de se ampliar o acesso à cultura para os nossos jovens pobres.
Há de se assegurar o acesso à internet para todos.
Há de se mudar nossa polícia, tirando-lhe sua natureza essencialmente repressiva, e acabar com a matança de jovens negros e pobres nas periferias.
Há de se lutar contra com esse pensamento punitivo que pede mais e mais cadeia.

E há que se reforçar a natureza laica do Estado, insurgindo-se, todos nós, contra essa agenda do medievo trevoso que tenta se impor com Estatuto do Nascituro;
- com essa proposta absurda, estúpida de Cura Gay;
- com essa ideia da redução da maioridade penal.

E todos devemos nos por a favor dos direitos das mulheres e do movimento LGBT, que não podem se submeter a nenhuma religião.
- Os corpos das mulheres não podem estar sujeitos a intervenções que elas não desejem.
- A Inquisição ficou no passado, e é de triste memória.
- As religiões tem todo o direito de existir e se manifestar, nunca de tentar atingir os alicerces do Estado laico.

Que as ruas continuem a nos animar para aprofundar a democracia, e esta não pode ser mero adereço eleitoral, mas algo que implique necessariamente a participação popular – que se ouça de fato a voz das multidões, uma voz que não se restringe ao Brasil.

Estamos apenas sendo, agora, parte do mundo, cujas multidões irrompem por todos os lados, e temos que saber lidar com isso – e fazê-lo com mais e mais democracia.

Não há remendos possíveis. As multidões, com sua febre democrática, vieram pra ficar.

Fonte:
http://www.brasil247.com/pt/247/bahia247/106957/O-viver-arriscoso-das-multid%C3%B5es.htm