sábado, 31 de março de 2012

O 31 de Março deveria ser feriado nacional

30.03.2012 - Leonardo Sakamoto em seu blog




Deveríamos transformar o 31 de Março em feriado nacional.


Talvez assim possamos garantir que esse dia nunca seja
encarado por nós
e, principalmente, pelas gerações que virão como um grande Primeiro de
Abril, como se o golpe de 1964 nunca tivesse existido.


Cicatriz que não deveria ser escondida mas permanecer como algo incômodo, à vista de todos, funcionando como um lembrete. Não vivemos três décadas de piada, apesar da elite militar e parte da elite econômica do país terem rido muito às custas de quem pedia liberdade e democracia nos Anos de Chumbo.

Pouco me importa o que pensam os verde-oliva da reserva que tomam seu uísque nos Clubes Militares enquanto, saudosos, lançam confetes ao Dia da Revolução (sic).

Demonstrações de afeto a um período autoritário são peça de museu, então que fiquem, democraticamente, com quem faz parte do passado. Mas eles precisam saber que, desta vez, a História não vai ficar com a versão dos golpistas. E que o mundo que eles ajudaram a construir, mais cedo ou mais tarde, vai embora com eles. Não por vingança, mas por Justiça.


Em nome de uma suposta estabilidade institucional, o passado não resolvido permanece nos assombrando. Seja através de um olhar perdido da mãe de um amigo que, da janela, permanece a esperar o marido que jaz no fundo do mar, lançado de helicóptero. Seja adotando os métodos desenvolvidos por eles para garantir a ordem e o progresso.

Durante a ditadura, os militares armaram uma farsa para encobrir o assassinato do jornalista Vladimir Herzog. A explicação trazida à público, de suicídio na cela, não convenceu e a morte de Vlado tornou-se símbolo na luta contra o regime.

Mas fez escola.

Tempos atrás, aqui em São Paulo, um homem de 39 anos foi encontrado enforcado pouco mais de duas horas depois de ter sido preso. Supostamente, era traficante e transportava cocaína. Supostamente, teria se enforcado usando um cadarço de sapato. Questionado por jornalistas se não é praxe da polícia retirar os cadarços de sapatos de presos, um policial afirmou que o acusado usou um pedaço de papelão para arrastar um cadarço que estava fora da cela. Seria cômica se não fosse ofensiva uma justificativa dessas.

Como aqui já disse, o impacto de não resolvermos o nosso passado se faz sentir no dia-a-dia dos distritos policiais, nas salas de interrogatórios, nas periferias das grandes cidades, em manifestações, nos grotões da zona rural, com o Estado aterrorizando ou reprimindo parte da população (normalmente mais pobre) com a anuência da outra parte (quase sempre mais rica). A verdade é que não queremos olhar para o retrovisor não por ele mostrar o que está lá atrás, mas por nos revelar qual a nossa cara hoje.


Lembrar é fundamental para que não deixemos certas coisas acontecerem novamente.


Que o governo tenha a decência de instalar urgentemente a Comissão da Verdade que, mesmo esvaziada na versão em que foi aprovada, trará um pouco de luz às trevas.


Que o Supremo Tribunal Federal considere que crimes contra a humanidade, como a tortura, não podem ser anistiados, nunca.


Que a história dos assassinatos sob responsabilidade da ditadura seja conhecida e contada nas escolas até entrar nos ossos e vísceras de nossas crianças e adolescentes a fim de que nunca esqueçam que a liberdade do qual desfrutam não foi de mão beijada.


Mas custou o sangue, a carne e a saudade de muita gente.

sexta-feira, 30 de março de 2012

A Justiça atrapalhada - CRISE NO JUDICIÁRIO

29/03/2012 - Luciano Martins Costa, na edição 687 do Observatório da Imprensa
Comentário para o programa radiofônico do OI, 29/3/2012




A Justiça é tema da imprensa nas edições de quinta-feira (29/3), em um par de decisões polêmicas e manifestações desastradas. No conjunto, fica cada vez mais claro que os representantes da Magistratura, de modo geral, carecem de porta-vozes qualificados e não têm se dedicado à necessária reflexão sobre seu papel na sociedade democrática.

Deixando de lado os fatos objetivos que têm produzido continuamente notícias negativas para o setor nos últimos quatro meses, chega a surpreender a capacidade que o Judiciário demonstra de criar, alimentar e permanecer em crise.

Uma irregularidade é revelada, a imprensa cumpre seu papel de explorar o assunto e, na hora de prestar contas à sociedade, os porta-vozes da magistratura acabam lançando ainda mais combustível na polêmica.

Legislação e Direito
Em geral, os comunicadores que trabalham com prevenção e gestão de crise poderiam resumir a origem desse comportamento destrutivo da própria reputação a certa arrogância e a um alto grau de isolamento entre a instituição, representada pelo conjunto de seus integrantes, e a própria sociedade.

O certo é que, em poucos meses, presidentes de tribunais, dirigentes de associações de magistrados e juízes comuns têm composto uma força-tarefa de alta competência dedicada à missão de destruir a reputação de um dos pilares do sistema republicano.

Há pouco a se dizer do comportamento da imprensa. As declarações de autoridades do Poder Judiciário, algumas delas inaceitavelmente entremeadas de ameaças a jornais, jornalistas e à própria liberdade de imprensa, demonstram que falta na formação dos juízes a qualificação para se comunicar fora do âmbito forense.


As trapalhadas são tão grotescas e frequentes que se pode afirmar que o melhor para a Justiça seria que alguns de seus representantes fossem proibidos de se manifestar fora dos autos.


Uma análise ligeira do discurso recorrente de magistrados nas controvérsias recentes publicadas pela imprensa revela que eles não têm a mais primária noção de comunicação institucional – ou, como preferem certos autores, comunicação organizacional ou corporativa.

É preciso considerar, em primeiro lugar, a dificuldade inerente à tradução do pensamento jurídico para o linguajar e o entendimento comuns.

De forma geral, o cidadão considera função da Justiça impor sanções correspondentes aos delitos, de modo que se possa perceber uma relação clara entre o grau do ato delituoso e a punição correspondente.

Da mesma forma, entende o cidadão comum que, havendo uma lei que responde a certas demandas da sociedade pela solução de problemas emergentes, o Judiciário responda automaticamente a esse processo de correção, aplicando com presteza a lei.

Mas não é assim que funcionam as instituições republicanas, e, se a imprensa eventualmente não consegue esclarecer certas sutilezas da relação entre legislação e Direito, a culpa não é do Judiciário.

Decisões polêmicas
No caso da decisão do Superior Tribunal de Justiça que deixa sem efeito, na prática, a “lei seca”, ao acabar com a validade de testemunhos e exames clínicos como prova de delito, a percepção do público é de que o “governo” – ou seja, o poder Executivo, que propôs a lei, e o Legislativo, que a aprovou – estão sendo boicotados pelo Judiciário.

O que fez o STJ foi simplesmente lembrar o princípio constitucional segundo o qual ninguém pode ser obrigado a produzir provas contra si mesmo. A lei é que precisa ser aperfeiçoada.

Na vida real, vale o que diz um promotor ouvido pelos jornais: “A lei seca está enfraquecida, a não ser que a pessoa, com todo respeito, seja muito otária, e se submeta ao bafômetro”.

Também continua merecendo comentários escandalizados na imprensa a decisão do mesmo Tribunal Superior de Justiça de inocentar um homem acusado de estuprar meninas de doze anos de idade, com o argumento de que elas eram prostitutas.

Entidades como a Associação Nacional de Procuradores da República e a ministra da Secretaria Nacional de Direitos Humanos precisaram lembrar aos magistrados que, muito além dessa interpretação da lei, não se pode ignorar que meninas de doze anos, mesmo que eventualmente prostituídas, devem ser consideradas em sua circunstância de exclusão social e vulnerabilidade.

Evidentemente, uma decisão desse teor, tomada por um órgão superior da Justiça, remete todo o poder Judiciário ao ambiente social do século 19.

Considere-se, então, as demais polêmicas produzidas pelo abuso no gozo de privilégios discutíveis, como a pretensão de desembargadores paulistas de receber licenças-prêmio correspondentes ao período em que atuaram como advogados. Isso, então, corresponde a um insulto à cidadania.

A conclusão a que se chega, com a leitura dos jornais, é de que a magistratura perdeu a noção de si mesma.

quinta-feira, 29 de março de 2012

O Estado do Pará está dilapidando patrimônio público

27.03.12 - CPT Nacional - Comisão Pastoral da Terra. Assessoria de Comunicação
Secretaria Nacional - Adital

O Estado do Para está fazendo acordo com a família Mutran e o grupo Santa Bárbara, de Daniel Dantas, para vender ilegalmente terras públicas a preço de "banana”.

O Estado do Pará, que deveria reaver e retomar as áreas públicas, correspondente às fazendas Espírito Santo e Mundo Novo, localizadas no Sul do Para, que foram ilegalmente destacadas do Estado, está vendendo essas terras a preço de irrisório, bem abaixo do valor de mercado, dilapidando o próprio patrimônio.

Em 09 de junho 2010, o Estado do Pará ingressou com Ações Civis Públicas perante a Vara Agrária de Redenção, para reaver essas terras do Estado, contra Benedito Mutran Filho, Cláudia Dacier Lobato Prantera Mutran, Alcobaça Participações Ltda. e Agropecuária Santa Bárbara Xinguara S/A, esta pertencente ao grupo Opportunity, que tem como um de seus sócios o banqueiro Daniel Dantas. Em razão dessas ações, essas áreas estão com os suas matriculas bloqueadas no cartório de registro de imóveis de Xinguara.

Essas terras foram concedidas no final da década de 50 à família Mutran, por aforamento, isto é, para coleta de castanha-do-Pará, onde oEstado permitia a exploração da castanha, sem contudo transferi-la do patrimônio público ao privado.

Entretanto, esta atividade original do aforamento, a extração de castanha-do-pará, foi deixada de lado, sem a autorização do Estado, para a atividade pecuária, inclusive com desmatamento de grande parte das áreas e exploração de madeira.

Benedito Mutran Filho, antes mesmo de obter o ato de alienação definitiva dessas fazendas, o que supostamente ocorreu no dia 28 de dezembro de 2006, fez contratos de promessa de compra e venda dos imóveis em 09 de setembro de 2005 às empresas Santa Bárbara e Alcobaça. Na época, o ato de alienação concedido pelo Iterpa em favor de Benedito Mutran Filho foi realizado sem qualquer autorização do chefe do Poder Executivo, o Governador, o que caracteriza a sua nulidade.

O que é muito mais grave é que, apesar de ter sido o próprio Estado do Pará quem ingressou com as ações para reaver essas terras públicas, este mesmo Estado firmou acordo com Benedito Mutran nos processos, para vender as mesmas a um valor muito abaixo do valor de mercado, a preço de "banana”, chegando a ser até mais de 13 vezes menor que o valor que elas realmente valiam. Por exemplo, a fazenda Mundo Novo que o Estado do Pará vendeu no acordo a Benedito Mutran pelo valor aproximado de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais), foi vendida pelo mesmo Mutran ao Grupo Santa Bárbara por mais de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais). Valor esse que chega a ser 13 vezes maior do que o Estado do Pará vendeu.

Pará - governo tucano

Não bastassem essas gravíssimas ilegalidades e irregularidades, os Procuradores do Estado do Pará estão prevendo no acordo, honorários de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para sua Associação particular, portanto se beneficiando pessoalmente com o acordo. O que o Estado do Pará ganha em vender suas terras a preço tão irrisório?

O acordo já foi celebrado, faltando apenas o juiz da Vara Agrária de Redenção homologar.

Diante disso, para preservar o interesse e o patrimônio público exige-se:
1. A não homologação do acordo pelo poder judiciário, vez que assim o fazendo, o judiciário estaria sendo conivente com as ilegalidades e irregularidades dos processos.
2. A atuação do Ministério Público Estadual e Federal que deve agir de maneira exemplar para zelar pelo patrimônio público e investigar e denunciar as ilegalidades do processo.

Xinguara, 26 de março de 2012.
Comissão Pastoral da Terra de Xinguara, Sul do Pará
Comissão Pastoral da Terra de Marabá, Sudeste do Pará

Maiores Informações:
Aninha (CPT Xinguara) – (94) 3426-1790
Cristiane Passos (Ass. de Comunicação CPT Nacional) - (62) 4008-6406/8111-2890
www.cptnacional.org.br
@cptnacional

quarta-feira, 28 de março de 2012

Demóstenes e os silêncios da mídia

28/03/2012 - Postado por Denise Queiroz no blog Tecedora
Marcelo Semer* no Terra Magazine


"Silêncios denunciam imprensa no caso Demóstenes"
(no Terra Magazine)

Sen. Demóstenes Torres, do DEM-GO (foto: José Cruz/ Agência Brasil)

Demóstenes Torres é promotor de justiça. Foi Procurador Geral da Justiça em Goiás e secretário de segurança do mesmo Estado. No Senado, é reputado como um homem da lei, que a conhece como poucos. Além de um impiedoso líder da oposição, é vanguarda da moralidade e está constantemente no ataque às corrupções alheias. A mídia sempre lhe deu muito destaque por causa disso.

De repente, o encanto se desfez.


O senador da lei e da ordem foi flagrado em escuta telefônica, com mais de trezentas ligações com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, de quem teria recebido uma cozinha importada de presente.

A Polícia Federal ainda apura a participação do senador em negócios com o homem dos caça-níqueis e aponta que Cachoeira teria habilitado vários celulares Nextel fora do país para fugir dos grampos. Um deles parou nas mãos de Demóstenes.

Há quase um mês, essas revelações têm vindo à tona, sendo a última notícia, um pedido do senador para que o empresário pagasse seu táxi-aéreo.

Mesmo assim, com o potencial de escândalo que a ligação podia ensejar, vários órgãos de imprensa evitaram por semanas o assunto, abrandando o tom, sempre que podiam.

Por coincidência, são os mesmos que se acostumaram a dar notícias bombásticas sobre irregularidades no governo ou em partidos da base, como se uma corrupção pudesse ser mais relevante do que outra.


Encontrar o nome de Demóstenes Torres em certos jornais ou revistas foi tarefa árdua até para um experiente praticante de caça-palavras, mesmo quando o assunto já era faz tempo dominante nas redes sociais. Manchetes, nem pensar.

Avançar o sinal e condenar quando ainda existem apenas indícios é o cúmulo da imprudência. Provocar o vazamento parcial de conversas telefônicas submetidas a sigilo beira a ilicitude. Caça às bruxas por relações pessoais pode provocar profundas injustiças.

Tudo isso se explica, mas não justifica o porquê a mesma cautela e igual procedimento não são tomados com a maioria dos "investigados" - para muitos veículos da grande mídia, a regra tem sido atirar primeiro, perguntar depois.


Pior do que o sensacionalismo, no entanto, é o sensacionalismo seletivo, que explora apenas os vícios de quem lhe incomoda. Ele é tão corrupto quanto os corruptos que por meio dele se denunciam.

Todos nós assistimos a corrida da grande imprensa para derrubar ministros no primeiro ano do governo Dilma, manchete após manchete. Alguns com ótimas razões, outros com acusações mais pífias do que as produzidas contra o senador.


Não parece razoável que um órgão de imprensa possa escolher, por questões ideológicas, empresariais ou mesmo partidárias, que escândalo exibir ou qual ocultar em suas páginas. Isso seria apenas publicidade, jamais jornalismo.

Durante muito tempo, os jornais vêm se utilizando da excludente do "interesse público" para avançar sinais na invasão da privacidade ou no ataque a reputações alheias.


A jurisprudência dos tribunais, em regra, tem lhes dado razão: para o jogo democrático, a verdade descortinada ao eleitor é mais importante do que a suscetibilidade de quem se mete na política.


Mas onde fica o "interesse público", quando um órgão de imprensa mascara ou deliberadamente esconde de seus leitores uma denúncia de que tem conhecimento?


O direito do leitor, aquele mesmo que fundamenta as imunidades tributárias, o sigilo da fonte e até certos excessos de linguagem, estaria aí violentamente amputado.

Porque, no fundo, se trata mais de censura do que de liberdade de expressão.




* Marcelo Semer é Juiz de Direito em São Paulo. Foi presidente da Associação Juízes para a Democracia. Coordenador de "Direitos Humanos: essência do Direito do Trabalho" (LTr) e autor de "Crime Impossível" (Malheiros) e do romance "Certas Canções" (7 Letras). Responsável pelo Blog Sem Juízo.

Originalmente publicado no Terra Magazine
 

terça-feira, 27 de março de 2012

A culpa não é do SUS

25/03/2012 - blog Direto da Redação - Mário Augusto Jakobskind*

A reportagem veiculada pelo programa Fantástico, da Rede Globo, no domingo, dia 18 de março corrente, indubitavelmente choca pela contundência ao exibir imagens explícitas de corrupção ativa e passiva. A prática da corrupção permeia a vida pública e privada brasileira, em todos os seus escalões e níveis, sendo até agora infensa a qualquer tipo de abordagem saneadora, constituindo uma verdadeira praga.


É impossível outra atitude que não a de repúdio ao que foi mostrado.

Apesar de deixar claro o repúdio mais absoluto a essa excrescência, a corrupção, que assola a vida nacional, a reportagem veiculada pelo Fantástico e longamente repercutida dia a dia pela Rede Globo, suscita algumas considerações que, embora se refiram a aspectos muito sutis – que se não forem devidamente considerados redundariam em provocações gratuitas –, não podem passar despercebidas. O primeiro aspecto é quanto à ética e à legalidade de uma reportagem concretizada em tais condições.

No entanto, não se pode esquecer que liberdade de imprensa implica compromisso com a legalidade, com a ética, e pede, em contrapartida, responsabilidade. É defensável que um repórter, com o suporte de uma empresa de comunicação de indiscutível competência e ampla penetração na vida brasileira, assuma uma personalidade falsa para obter informações, ainda que seja sobre tema de alta relevância para o aprimoramento da vida nacional? Os fins perseguidos justificam a utilização desses meios? É correto recorrer à falsidade ideológica para tal objetivo? Esse tipo de imprensa deve ser incentivado, suportado e defendido como efetivo exercício de liberdade profissional?

Outra consideração que não pode deixar de ser evidenciada tem a ver com o gestor do hospital público, cenário dos lamentáveis flagrantes registrados pelas câmaras da televisão.
 
O que teria levado o médico Edmilson Migowski a permitir que a operação tivesse lugar na instituição sob o seu comando, o Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG), da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)? O que levaria esse gestor a dar a sua cara a tapa, expondo, na tela da televisão, a sua incompetência para enfrentar a corrupção em curso entre os seus subordinados? Será de fato incompetência ou inapetência para enfrentar o desafio? Que subordinados são esses, e que poder maior que o do diretor os sustenta, para consumar os seus atos de corrupção: respaldo político ou qualquer outra forma espúria de poder que o diretor não pudesse encarar pelos meios oficiais?

Será que esse gestor é tão ingênuo que não considerou um dado irretorquível: o de que ele é conivente com os fatos ocorridos nos porões da sua instituição e que vai responder por eles, na sua qualidade de funcionário público e de cidadão brasileiro? O fato de haver apoiado a estratégia da reportagem configura dois crimes: incentivo ao exercício da falsidade ideológica e conivência com os atos que certamente vinham ocorrendo, desde antes da reportagem, sem que fosse capaz de denunciá-los. De pronto, ele agrediu o Estatuto do Funcionário Público, que não permite a qualquer gestor investir na qualidade de servidor alguém que de fato não o é, permitindo que pratique, em nome da instituição, atos que seriam exclusivos de alguém que fosse concursado ou, no mínimo contratado para o posto pelo regime das leis trabalhistas. O suposto responsável pelas compras era um estranho ao meio funcional. Seria o mesmo que ele permitisse que um falso médico praticasse cirurgias, pondo em risco a vida de outrem, para averiguar irregularidades nas práticas atinentes a um centro cirúrgico.


Também produz estranheza que o segmento escolhido para exemplificar a corrupção tenha sido a saúde pública.

Por que motivo isso teria ocorrido, quando há muitos outros, com potencial financeiro infinitamente maior, por movimentarem recursos astronômicos e que são recorrentes, na própria mídia, como indiscutivelmente dados à prática da distribuição de largas propinas, que têm produzido não poucos casos de enriquecimento ilícito fantásticos? O alvo secundário terá sido agredir as políticas públicas de saúde, desvalorizando-as mais do que já estão junto à opinião pública, como forma de favorecer a medicina privada, que cresce a olhos vistos no país, a custa dos preços absurdos dos planos médicos e dos repasses de recursos públicos?

Diante da péssima distribuição de riquezas aqui registrada e da consequente penúria de grande parcela da população nacional, promover políticas públicas de saúde ainda constitui providência de primeira necessidade. É uma compensação para os menos favorecidos. E o Brasil consagrou esse princípio, com base na sua lei maior, a Constituição Federal e em outros dispositivos voltados para assegurar um mínimo de dignidade humana no acesso à saúde dos brasileiros mais carentes.

A maneira pela qual se configurou esse atendimento se traduziu no Sistema Único de Saúde (SUS), que vem sendo bombardeado por todos os lados por seus inimigos. Então, por que exterminá-lo? É uma dívida social e há que ser paga. Portanto, atacar o SUS, tentar bombardear a sua estrutura é um desserviço e a sua concretização fará o país mergulhar em problemas ainda maiores do que os hoje enfrentados.

O SUS hoje é integrado, em todo o país por 6.500 hospitais. Desses, 48% pertencem à iniciativa privada, que recebem perto da metade dos repasses federais para estados e municípios, atualmente, segundo o próprio O Globo, em editorial no dia 21 de março último, da ordem de R$ 175 bilhões, oriundos dos impostos pagos pelos cidadãos. Não será ele também indício de uma corrupção mais aguda e mais profunda do que aquele mostrado na reportagem encenada no IPPMG? Parece que voltamos ao ponto de partida: a corrupção não pode ser analisada no varejo. É coisa do atacado.
  
*Mário Augusto Jakobskind, é correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor, entre outros livros, de "América que não está na mídia", "Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE"

segunda-feira, 26 de março de 2012

Governar é administrar chantagens

Álvaro Rodrigues dos Santos, por email, em 23 mar 2012:

"Estamos vivendo um momento político inusitado no país. Pela primeira vez um presidente da república resolve contrapor-se ao cultural, histórico e promíscuo jogo de chantagens e interesses mesquinhos que caracterizam o famoso toma lá dá cá nas relações entre o Executivo e o Legislativo, como também nas relações entre o Executivo e os lobbies corporativos. Nossa presidente está comprando um conflito temerário, mesmo que vença pontualmente estará para sempre na alça de mira do que há de pior na política brasileira. Um passo à frente na cultura política brasileira somente será viável se a presidente tiver o apoio expressivo da sociedade brasileira. Não lhe faltar nessa hora é nossa obrigação. Importante perceber que essa não é uma luta política partidária, é uma luta para superar velhos costumes políticos responsáveis em grande parte por nosso atraso econômico e social." 


Álvaro Rodrigues dos Santos* - 23/03/2012 - blog Ecodebate

Se há uma característica marcante da sociedade brasileira nos tempos atuais essa característica é a despolitização. Pode-se até dizer que a sociedade brasileira está perigosamente despolitizada. No vácuo da Política prevalecem o individualismo e os oportunismos de toda sorte. Algo como a prevalência máxima do binômio vantagens/chantagens.

No que toca à mídia e à opinião pública, saiu a Política, ou seja exercício da ação política pela defesa de princípios e teses, e entrou o simplório “direito” a se indignar. Indignar-se contra a promiscuidade que prevalece nos jogos de poder. A indignação é moeda corrente em todos os cantos, e vendida aos cântaros por todas as mídias, oposições da vida e redes sociais. O diabo é que só a indignação é muito pouco, além de temerária. Todas as propostas de quebra das regras democráticas ao longo da história beberam fartamente dessas águas simplórias e pretensamente justiceiras.


Parece até ser paradoxal, em que pese o bom momento econômico por que passa o país, o maior acesso da população ao emprego e a bens de consumo, ainda fica composto um clima favorável a uma quebra democrática que se auto-intitule “moralizadora”.

Um dos fenômenos mais perversos do profundo grau de despolitização da sociedade está hoje na maneira despudoradamente pragmática, poderia dizer “kassabiana”, com que se relacionam os mais diversos agrupamentos políticos locais e nacionais.

Houve já o tempo em que governar significou abrir estradas, ou eleger prioridades. Hoje é outro o desafio, e inexorável: “governar é administrar chantagens”.

Dentro da onipresente cultura da chantagem, chantageadores não faltam: partidos da base, partidos de oposição, governadores, prefeitos, vereadores, deputados, senadores, minorias várias, órgãos sindicais de trabalhadores, associações empresariais e patronais, bancada ruralista, bancada das empreiteiras, bancada dos banqueiros, mídias de todos os quilates, legislativos vários, Judiciário, Forças Armadas das Três Armas, bancada nordestina, bancada do centro-oeste, bancada do sul, bancada do sudeste, bancada do norte, Esquerda, Direita, Centro, igrejas várias, pessoal do álcool, pessoal dos grãos, pessoal da pecuária, pessoal da mineração, dos sem isso e sem aquilo, professores e estudantes, aliados eleitorais eventuais, Universidades e mundo acadêmico, mundo das artes, aposentados, etc., etc.

As exigências sobre os poderes executivos envolvem vantagens de todos os tipos: cobiçados postos de governo, cargos e funções remuneradas, regalias corporativas, regalias legais, regalias fiscais, desobrigações e desonerações camaradas, empregos para correligionários, liberação de verbas, liberação de emendas ao orçamento, aumentos de dotações orçamentárias para isso ou aquilo, atendimento de reivindicações de lobbies setoriais, suporte eleitoral, direcionamento de verbas públicas de investimento ou publicidade, sancionar ou reprovar projetos, e por aí vamos.

As ameaças em caso de não atendimento dos pleitos somente não são passadas em cartório, mas são escancaradamente direcionadas a infligir pesados prejuízos políticos àqueles que detêm algum poder executivo: retirada de apoio eleitoral e/ou de apoio político parlamentar por parte de partidos, igrejas ou categorias, detratação da imagem pública, não aprovação de projetos de interesse do executivo, desestabilização de administradores, imposição de derrotas jurídicas, insatisfação nos quartéis, rompimento de alianças políticas locais, regionais ou nacionais, etc., etc., etc.

E os poderes executivos, ao menos aqueles que gostariam de resistir, não encontram saída. Em nome de uma buscada governabilidade obrigam-se a ceder anéis e dedos, além de sua diuturna atenção aos chantageadores. Que energia, que tempo, que recursos e que humor sobram para serem dedicados ao plano de governo, às estratégias de desenvolvimento, àquela velha intenção de revolucionar a educação e a saúde, à decisão de profissionalizar a gestão pública, ao enfrentamento de nossas carências crônicas, ao combate à corrupção?

Considerando-se a referida despolitização da sociedade brasileira, haverá alguma possibilidade de se resistir à ditadura das chantagens dentro das regras democráticas? Um presidente que resolva afrontar a prática da chantagem terá o respaldo de uma sociedade despolitizada? Haverá alguma possibilidade do interesse coletivo impor-se aos interesses particulares de indivíduos e grupos?


* Geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)
* Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia;
* Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos” e “Cubatão”;
* Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente; Membro do Conselho de Desenvolvimento das Cidades da Fecomércio
* Articulista do Portal Ecodebate

domingo, 25 de março de 2012

O momento de Dilma

sexta-feira, 23 de março de 2012 - Maurício Caleiro - blog Cinema & Outras Artes

Dilma está vivendo seu melhor momento, escreve hoje (23) em seu blog o jornalista Luís Nassif. Confesso que fiquei atônito após ler a afirmação, tão peremptória, justamente num momento em que a decepção com o governo Dilma é intensa em diversas frentes, transborda na internet e tem provocado manifestações reiteradas de repúdio e desaprovação, notadamente entre pessoas de esquerda e de centro-esquerda que apoiaram sua eleição.

Há queixas sérias contra diversas áreas da administração. A insatisfação do setor cultural com o MinC se expressa em um abaixo-assinado com seis mil assinaturas, encabeçado por Marilena Chaui - que não pode ser "acusada" de oposicionista - e outro por Fernanda Montenegro, com cerca de duas mil. A crise na cultura, que é das mais graves já vivenciadas pelo ministério, está, por sua vez, diretamente ligada ao retrocesso no Plano Nacional de Banda Larga (PNBD), que na campanha foi vendido como o projeto que democratizaria a internet de amplo espectro no Brasil e, a despeito da inicialmente promissora gestão de Paulo Bernardo, acabou relegado pelos governo às teles - e sem sequer submetê-las a um meio efetivo de controle e avaliação do serviço prestado.
Anna de Holanda

As centrais sindicais, em sua maioria, estão longe de manter com a atual mandatária os fortes e amigáveis elos que tinham com Lula e têm dado, cada vez mais, sinais de profundo descontentamento, acirrado pela perspectiva de desoneração da folha de pagamentos, pela manutenção da precarização de determinados setores e pela orientação neoliberal verificada na privatização dos aeroportos e da previdência dos servidores públicos. Após um ano caracterizado pela falta de diálogo com o Executivo, a reunião da presidenta com as seis principais centrais sindicais gerou frustração e receios.

Promessas vãs
A promessa feita na campanha e reiterada no discurso de posse de que a Educação seria área prioritária do governo não passa, até o momento, de uma declaração vazia. Nas 17 universidades federais criadas pela gestão Lula há, além do déficit de livros nas bibliotecas, um contingente enorme de alunos tendo aulas com professores temporários – sem titulação e com salários aviltantes – pois, ao contrário do que fora pela candidata Dilma sugerido, o governo não tem autorizado concursos para a contratação de professores com a devida titulação e estabilidade empregatícia. Além disso, as bolsas de estudo e os salários dos professores, há tempos congelados, sofrem grande corrosão e, se mal garantem a subsistência dos primeiros, estão muito aquém do nível de formação e atuação demandados dos segundos.

A Saúde é outra área social em que, nas palavras de Ana Maria Costa, médica e presidente do Cebes (Centro Brasileiro de Estudos em Saúde), a atuação do Executivo não corresponde à “expectativa de prioridade (...) prometida no discurso do Governo e no anseio da população”. Tal resultado se dá graças ao bem-sucedido esforço governamental para derrubar o projeto que obrigaria a União a fazer um aporte anual de 10% da receita bruta à Saúde e a um expressivo corte de R$5,4 bilhões na área (o maior de todos os cortes derivados do contingenciamento do orçamento federal). Como se não bastasse, um manifesto assinado por algumas das principais ONGs ligadas ao combate e tratamento da AIDS denuncia que “Governo Dilma coloca controle social da AIDS em risco de extinção”.

Mas talvez a área que esteja causando as mais enfáticas reações de descontentamento em relação ao governo Dilma Rousseff seja a dos Direitos Humanos, notadamente no que concerne a políticas voltadas para as questões de gênero. Além da inexplicável demora em nomear os componentes da Comissão da Verdade – o que só tem feito acirrar a inquietação de setores militares -, o viés policialesco de uma política de controle da natalidade que queria impor um cadastro de gestantes (só alterado pela ação de parte da bancada feminina), concepções retrógradas do que sejam políticas contemporâneas de saúde da mulher e a negligência que ora marca o tratamento dispensado a questões defendidas pelos setores LGBT têm gerado protestos enfáticos dos defensores de uma política de gênero que se coadune com o tempo em que vivemos e com um governo que se anunciou, à época das eleições, como de centro-esquerda.

Clima de perplexidade
Tudo isso tem deixado um grupo significativo de eleitores do governo perplexo, se perguntando o porquê de se estar regredindo tanto em relação às políticas do governo Lula para as áreas citadas, quando o voto depositado em Dilma presumia que fossem aperfeiçoadas e aprofundadas. Nesse processo, as manifestações não se limitam mais a protestos passivos, mas já tomam - e com frequência cada vez mais evidente - a forma de dissidência, eventualmente chegando a incluir declarações mais pesadas, como a de estelionato eleitoral.

A afirmação feita por Nassif se fia, no entanto, na aprovação recorde que Dilma tem nas pesquisas de opinião e no atual esforço da presidenta para, por um lado, “desmontar a armadilha do câmbio e dos juros” e “reerguer a indústria de transformação nacional”, e, por outro lado, pela tentativa de moralização das relações políticas em âmbito federal, através do qual ela busca “instituir relacionamento republicano entre partidos, acabando com as barganhas e a apropriação da máquina pública pelos interesses partidários”. Trata-se de dois desafios, e de duas tarefas que só começam a tomar forma – e é precisamente sobre o potencial e perigos a elas inerentes que Nassif tece sua análise.

Choque de gestão?
Porém, ao limitar-se tão somente à economia e à política institucional para afirmar categoricamente que a presidenta passa pelo seu melhor momento, ele acaba por reproduzir, no âmbito da análise política, uma prática na qual o próprio governo Dilma é reiteradamente acusado de incorrer, ou seja, a prioridade obsessiva, quase exclusiva, à gestão da economia e às relações políticas institucionais e a negligência ou pouca atenção para com áreas específicas, socialmente relevantes e que são prioritárias para revelantes estratos da sociedade.

Que as pesquisas de opinião sugiram, por ora, que a insatisfação de tais grupos não esteja se refletindo nos índices de aprovação de Dilma é um dado significativo, mas que de forma alguma anula ou esmorece a validade das causas defendidos pelos descontentes. Mesmo porque há indícios fortes de que a manutenção em altas bases da aprovação presidencial tem sido garantida, a despeito dos muitos insatisfeitos, justamente porque o economicismo - de tiques neoliberais - que a tudo suplanta, a bandeira da moralização das relações políticas e o atendimento a demandas de setores religiosos têm satisfeito parcelas do eleitorado conservador – o qual não permite assegurar que a aprovação de hoje venha a se transformar no voto de amanhã, quando as eleições majoritárias vierem, e com elas um candidato mais modelado ao gosto do conservadorismo nativo.

Já a grande maioria dos cidadãos hoje insatisfeitos votou em Dilma e certamente tornaria fazê-lo se o governo desta estivesse dando um ordenamento progressista e consoante ao discurso eleitoral à gestão da cultura, da educação, das relações trabalhistas, das questões de gênero e dos direitos humanos.
 
P.S.
Antes que a análise aqui esboçada seja utilizada com má fé, como utensílio para intrigas paroquiais ora comuns à arena virtual, cabe ressalvar que não apenas respeito como tenho uma profunda admiração por Luís Nassif, seja pela sua seriedade e equilíbrio como jornalista ou pela coragem com que pulou fora da mídia corporativa e, há tempos, comanda um blog que se tornou uma inspiração e referência para quem procura conteúdo noticioso diversificado e confiável, crítica de mídia e boas análises de política e economia. O intuito, aqui, não é atacar ninguém, mas simplesmente incentivar o debate.