segunda-feira, 16 de abril de 2012

As Senhoras de Outrora e os atuais Senhores das Águas - Parte 1/3

16/04/2011 - UM EXTENSO E SINUOSO FIO DA MEADA
Antonio Fernando Araujo*


Você sabia que é a água doce subterrânea e não a da superfície, a que se encontra mais disponível para o consumo da humanidade?


E a conta é simples, essa água invisível do subsolo representa nada menos do que 96% de toda a água doce do planeta.

E quando falamos de toda a água doce do planeta, na verdade estamos nos referindo a apenas 2,4% de toda a água existente na Terra, porque os restantes 97,6% é constituído de agua salgada ou salobra, inapropriadas para o consumo. Assim sendo, esses míseros 2,4% ainda dividem-se em uma parcela maior de 2,3% para as águas presentes no subsolo enquanto o 0,1% restante representa a soma de toda a água doce que costumamos encontrar nos rios, lagos, aquela congelada nas calotas polares, nos picos e geleiras das montanhas e a que percebemos sob a forma de vapor d'água na atmosfera.

É como se pudéssemos congelar toda a água da Terra - tanto a da superfície quanto a subterrânea - em 1.000 cubinhos. Um deles equivaleria a esse 0,1%, 23 deles corresponderiam às águas do subsolo e o restante, 976 cubinhos seriam as águas dos mares - tudo em números redondos.

Esse é o extenso e por vezes sinuoso fio da meada que alimenta com mais intensidade o discurso da escassez de água potável do planeta, discurso esse que ainda se nutre com ingredientes mais severos, como por exemplo os que dizem respeito ao crescimento da população humana e animal, à expansão das áreas agriculturáveis quando prejudicam ecossistemas hídricos de valor incalculável, à destruição das terras úmidas, das várzeas e matas ciliares que acompanham as margens dos rios, cercam e molduram os lagos e pântanos, ao aquecimento da atmosfera, ao aumento do consumo de água na indústria, ao crescimento das cidades, cimento e asfalto impermeabilizando o solo, à poluição das nascentes e lagos, à contaminação dos rios, lagos e lençois freáticos e ao impiedoso desmatamento das florestas e liquidação da biodiversidade existente.


De todo esse elenco de agressões, a grande verdade entretanto é que se não houvesse tanta poluição e contaminação a quantidade das águas disponíveis no planeta para o consumo humano e animal continuaria, como sempre foi, praticamente inalterada, uma realidade de centenas de milênios. E a razão é simples: a Terra não "exporta" água para outros planetas. Excluídos aqueles pontos acima e enquanto uma "parcela considerável" das águas do mar e dos continentes continuar a se evaporar, a formar nuvens e a voltar a cair sobre a terra na forma de chuva ou neve, a escorrer para os rios, lagos, lençois freáticos e aquíferos subterrâneos para logo em seguida voltarem ao mar, realizando seu ancestral "ciclo hidrológico" que ajuda a preservar o equilíbrio global do planeta, não haverá motivo algum para temermos a tão propalada escassez de água potável.

Mas eis que a ciência nos informa sobre uma realidade nova.


Essa "parcela considerável" é a única que, a rigor, deveria estar disponível para os humanos, a "água meteórica", apelidada assim por alguns autores, aquela que efetivamente circula pelos lençois freáticos e alimentam os rios, lagos e pântanos. É ela, a água da chuva, a mesma das deusas primitivas que, em última instância, ao longo do seu ciclo, assegura nosso suprimento de água doce a cada ano. E o planeta Terra, há centenas de milênios, rege o volume dessa "água meteórica", sempre da mesma maneira, praticamente sem alteração. O que significa dizer que, se precisarmos consumir água em quantidade acima do volume da "água meteórica" e que, portanto, ultrapasse o quinhão "estabelecido por Deus" para que a Terra efetue o "ciclo hidrológico" dessa tal "água meteórica", precisaremos então avançar sobre nossas reservas naturais, sejam elas superficiais ou subterrâneas, para que o abastecimento das espécies seja mantido. E como a natureza não é assim tão benigna, logo se nos apresenta uma perspectiva assustadora: assim como a "água meteórica" é finita as das reservas também o são.

Algo mudou então? Será que é isso tudo que está levando boa parte da comunidade acadêmica e científica a emitir sinais de alerta sobre o possível agravamento da escassez de água doce em futuro próximo, algo que já é real para cerca de 1/5 da humanidade, ou seja, 1,3 bilhões de pessoas? Por que a cada ano se torna mais agudo o clamor de entidades e organizações da sociedade civil alertando-nos sobre a necessidade de pouparmos esse bem, caso contrário esse número se multiplicará por 4 num prazo de 50 anos? O que tem levado alguns Estados a embutir em suas estratégias de desenvolvimento ou mesmo de sobrevivência o rigoroso controle das nascentes e de mananciais presentes em seu território ou no de países vizinhos, chegando ao ponto de se aproveitar das guerras para se apropriar deles como o fazem, entre outros, o Estado de Israel?

Hoje sabemos, que mesmo aquele modesto cubinho de 0,1% de água potável encontrada na superfície acrescido de outro cubinho equivalente de recursos hídricos subterrâneos são mais do que suficientes para abastecer com folga toda a necessidade atual de água do planeta, tanto para matar a sede quanto para o seu emprego na agricultura, indústria e ambientes urbanos e domésticos. Assim sendo, já não estamos mais falando de escassez de um produto e sim das maneiras como esse recurso é distribuído, dos meios que a população dispõe para acessá-lo e da necessidade de preservação, ou seja, da sua não-poluição e não-contaminação, tanto dele próprio quanto da natureza em volta.

*Antonio Fernando Araujo é engenheiro e colabora neste blog

Próxima parte 2/3: As Senhoras de Outrora e os atuais Senhores das Águas MERCANTILIZAR A NATUREZA


domingo, 15 de abril de 2012

Um “Xingu” comportado demais

09/04/2012 - Ivana Bentes
Extraído do blog Outras Palavras


Embora belo e didático, o filme não explora cosmologias e formas de viver-pensar indígenas — nem a sideração de “tornar-se outro”, presente em “Avatar
Por Ivana Bentes*


Fui ver “Xingu”, na estréia no Roxy, e é muito fácil embarcar no filme: didático, belo, comportado. E fiquei pensando o que Herzog faria com essa história, com um potencial tão disruptivo e perturbador! Eu queria ver outro filme, e definitivamente “Xingu” não é sobre os “indios”, mas sobre a relação dos brancos com um mundo que precisam neutralizar e que é, de certa forma, insuportável.


O filme aplaca certa culpa e junto com ela neutraliza nosso devir-indio, com essa pragmática e bela defesa do “parque temático” do Xingu, que evitou a dizimação ainda mais atroz de indios brasileiros. Um gesto corajoso e político dos irmãos Villas Boas, a batalha pela demarcação de uma incrível reserva indígena que retardou e impediu parte do massacre. Mas criar uma “reserva” de humanidade já é matar. Mal “menor” diz o filme.



A história dos irmãos Villas Boas e dos sertanistas é tão incrível que, para mim (e espero que para outros), o filme é um disparador de mundos e imaginários. A cosmologia indígena, sua outra forma de viver/pensar são uma das mais radicais experiências de outras humanidades.


Tirar os indios das “reservas”, dos “museus”, da “antropologia”. O que pode ser um devir-índio?

Poucos filmes fizeram isso.

Aproveitei e revi “Cara de Indio” (primeira parte adiante: http://mais.uol.com.br/view/fo34eocfk8xg/cara-de-indio--com-eduardo-viveiros-de-castro--parte-1-04020E1A3868C0991326?types=A&


sequência adiante:
Parte 2:
http://mais.uol.com.br/view/fo34eocfk8xg/cara-de-indio--com-eduardo-viveiros-de-castro--parte-2-04020D1C326AC0991326?types=A&
Parte 3:
http://mais.uol.com.br/view/fo34eocfk8xg/cara-de-indio--com-eduardo-viveiros-de-castro--parte-3-04024C993068D4991326?types=A&
Parte 4:
http://mais.uol.com.br/view/fo34eocfk8xg/cara-de-indio--com-eduardo-viveiros-de-castro--parte-4-04020D993168D4991326?types=A&
Parte 5:
http://mais.uol.com.br/view/fo34eocfk8xg/cara-de-indio--com-eduardo-viveiros-de-castro--parte-5-04024D19326AD4991326?types=A&

e os comentários do antropólogo e pensador Eduardo Viveiros de Castro sobre algumas fotos clássicas dessa história de amor fatal entre nós e eles.

[As imagens dos índios presentes nesses vídeos são do acervo do Instituto Moreira Salles (IMS). As imagens selecionadas pelo Instituto abrangem um arco temporal vasto: vão de meados do século 19 até o fim dos anos 1970]

No final dos anos 80, viajei, acompanhando o trabalho de minha irmã, com uma expedição da Funai para duas tribos. Saímos de Benjamin Constant, na fronteira com a Colômbia, em direção ao Alto Solimões e ao encontro dos Marubos e Matis. Chegar numa tribo indígena, ainda com pouco contato na época, mesmo com todas as mediações de antropólogos, funcionários da Funai, médicos, guias, é algo impressionante e marcante, como se toda a história dos contatos e do infinito fascínio mútuo tornasse a acontecer pela primeira vez.

Os índios não são o “museu” da humanidade, são mundos potenciais e virtuais. Por isso, fiquei tão siderada com um filme como “Avatar”. Hollywood cravou direto, mesmo com todos os clichês, numa ficção-cientifica antropológica: ciber-indios, aos invés de desejar dizimar e matar, desejar intensamente tornar-se outro.

Xingu”, às vésperas da Rio+20, também aponta para a outra “fantasia” desenvolvimentista de “integrar” os índios como sub-trabalhadores de um Brasil industrial. De Vargas a Belo Monte, passando pela “integração nacional” da ditadura. Este projeto fracassou, exterminou etnias inteiras, e ainda está ai!


O projeto indigenista dos irmãos Villas Boas, de “isolar”, de evitar o “mau encontro” com os brancos, de “retardar” a extinção de mundos inteiros é hoje uma referência internacional. Mas qual é, hoje, a potência dessa fabulação? Os filmes meramente “informativos” ou belos nos ajudarão a construir outra narrativa? Politica é sideração!

* Ivana Bentes é professora, pesquisadora e diretora da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ. Este texto é rascunho para um artigo sobre o filme. Título e subtítulo são da redação de Outras Palavras


sábado, 14 de abril de 2012

O contador e as fitas que estão por aí

13 de abril de 2012 às 14:12 - Amedrontar e circunscrever [título original do post]
por Luiz Carlos Azenha - Blog Viomundo

A Globo pediu acesso a todos os documentos da Operação Monte Carlo, que resultaram num processo que corre em segredo de Justiça, no STF. A Carta Maior também pediu. O acesso foi negado a ambos.

Demóstenes Torres, como parte envolvida, teve acesso.


Curiosamente, por pura coincidência, depois que isso aconteceu sobrou para Protógenes Queiroz, Agnelo Queiroz e a construtura Delta — a construtora do PAC, grita O Globo –, que também seria a favorita de Sergio Cabral.

O objetivo que precede a CPI é jogar a rede o mais amplamente possível, suscitar medos e, ainda que não impeça a Comissão, domá-la desde o início.

Al Capone não faria melhor.


Faz sentido a notícia de que a tática dos acusados seria a de não falar absolutamente nada durante os depoimentos, deixando a bomba explodir no colo dos políticos e agentes públicos convocados.

Não digo que a tática vá funcionar, mas que faz sentido divulgar a suposta tática agora, colocando minhoca na cabeça dos deputados e senadores antes que eles criem a CPI.

Mas será que eu assino esta CPI, que pode se voltar contra quem a criou?

O movimento inclui jogar Lula — que apóia a CPI — contra Dilma que, segundo a Folha de S. Paulo, teme a investigação.

Mas, será que teme mesmo?

O movimento inclui dizer que o PT pretende usar politicamente a CPI para cercear a liberdade de imprensa.


Compreendam: a mídia corporativa tem muito a perder com a CPI do Cachoeira. Pela primeira vez na história da República, o grande público terá acesso aos métodos aplicados em nome do “jornalismo investigativo” e à relação entre arapongas e redações. São estes métodos que garantem à mídia ascendência sobre políticos e agentes públicos e, portanto, atendimento a importantes interesses econômicos. Ou vocês acreditam que os tucanos alimentam a mídia paulista por achá-la boazinha?


Além disso, as capas bomba da revista Veja eram repercutidas automaticamente, sem qualquer questionamento. A bola rolava na revista, era impulsionada pelo JN de sábado e ganhava as páginas de O Globo, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo já no domingo. A ordem era repercutir, repercutir, repercutir. Se possível, com novos ângulos e novas investigações. O mar de lama, curiosamente, só banhava uma praia.

Não foi por acaso que nada menos que quatro senadores se negaram a relatar as acusações contra Demóstenes Torres no Conselho de Ética do Senado, Lobão Filho (PMDB-MA), Ciro Nogueira (PP-PI), Gim Argello (PTB-DF) e Renan Calheiros (PMDB-AL). O que Demóstenes teria guardado contra eles?

Sobrou para o ex-ministro da Saúde Humberto Costa (PT-PE).

Costa, lembrem-se, foi acusado de envolvimento com a máfia dos sanguessugas, que atuou no Ministério da Saúde desde “o governo anterior”, como em priscas eras o JN se referia ao governo de FHC. Em 2006, na semana que antecedia o primeiro turno das eleições, o Jornal Nacional noticiou com destaque o indiciamento dele — que era candidato a governador de Pernambuco — no inquérito, ao lado do ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares. Mas a lista de indiciados era muito mais longa e incluía gente próxima do ex-ministro José Serra, como Platão Fischer-Pühler — Serra concorria ao governo paulista. A lista completa dos indiciados, disse Fátima Bernardes naquela ocasião, você vê no site do Jornal Nacional.

Posteriormente, Costa foi inocentado de todas as acusações. Mas, em 2006, nem chegou ao segundo turno.

Se a CPI sair — só acredito vendo –, vai nascer amedrontada.


Tem muita gente com muito a perder. Ou será que teremos um acordão no fim-de-semana? É esperar e ver…


PS do Viomundo: Fonte bem informada, que nunca nos decepcionou, diz que o homem-chave continua foragido, o contador de Carlinhos Cachoeira, Giovani Pereira da Silva. Giovani, diz a fonte, guardava num cofre as fitas produzidas pela arapongagem a serviço de Cachoeira. Nos próximos dias podem vazar fitas, que serão atribuídas ao inquérito mas na verdade são do arquivo de Cachoeira. A própria fonte, no entanto, disse que às vezes é impossível discernir quem está a serviço de quem, no submundo de Brasília. Há, segundo ele, brincando, “agentes duplos, triplos e quadrúpedes”.


sexta-feira, 13 de abril de 2012

O papa e o marxismo

12/4/2012 12:32, por Frei Betto*
Original publicado no Jornal Correio do Brasil

"O marxismo não é mais útil"


O papa Bento XVI tem razão: o marxismo não é mais útil. Sim, o marxismo conforme muitos na Igreja Católica o entendem: uma ideologia ateísta, que justificou os crimes de Stalin e as barbaridades da revolução cultural chinesa.


Aceitar que o marxismo conforme a ótica de Ratzinger é o mesmo marxismo conforme a ótica de Marx seria como identificar catolicismo com Inquisição.

Poder-se-ia dizer hoje: o catolicismo não é mais útil.


Porque já não se justifica enviar mulheres tidas como bruxas à fogueira nem torturar suspeitos de heresia. Ora, felizmente o catolicismo não pode ser identificado com a Inquisição, nem com a pedofilia de padres e bispos.



Do mesmo modo, o marxismo não se confunde com os marxistas que o utilizaram para disseminar o medo, o terror, e sufocar a liberdade religiosa. Há que voltar a Marx para saber o que é marxismo; assim como há que retornar aos Evangelhos e a Jesus para saber o que é cristianismo, e a Francisco de Assis para saber o que é catolicismo.

Ao longo da história, em nome das mais belas palavras foram cometidos os mais horrendos crimes.

Em nome da democracia, os EUA se apoderaram de Porto Rico e da base cubana de Guantánamo. Em nome do progresso, países da Europa Ocidental colonizaram povos africanos e deixaram ali um rastro de miséria. Em nome da liberdade, a rainha Vitória, do Reino Unido, promoveu na China a devastadora Guerra do Ópio. Em nome da paz, a Casa Branca cometeu o mais ousado e genocida ato terrorista de toda a história: as bombas atômicas sobre as populações de Hiroshima e Nagasaki. Em nome da liberdade, os EUA implantaram, em quase toda a América Latina, ditaduras sanguinárias ao longo de três décadas (1960-1980).

O marxismo é um método de análise da realidade.
E, mais do que nunca, útil para se compreender a atual crise do capitalismo. O capitalismo, sim, já não é útil, pois promoveu a mais acentuada desigualdade social entre a população do mundo; apoderou-se de riquezas naturais de outros povos; desenvolveu sua face imperialista e monopolista; centrou o equilíbrio do mundo em arsenais nucleares; e disseminou a ideologia neoliberal, que reduz o ser humano a mero consumista submisso aos encantos da mercadoria.
Hoje, o capitalismo é hegemônico no mundo. E de 7 bilhões de pessoas que habitam o planeta, 4 bilhões vivem abaixo da linha da pobreza, e 1,2 bilhão padecem fome crônica. O capitalismo fracassou para 2/3 da humanidade que não têm acesso a uma vida digna. Onde o cristianismo e o marxismo falam em solidariedade, o capitalismo introduziu a competição; onde falam em cooperação, ele introduziu a concorrência; onde falam em respeito à soberania dos povos, ele introduziu a globocolonização.

A religião não é um método de análise da realidade. O marxismo não é uma religião. A luz que a fé projeta sobre a realidade é, queira ou não o Vaticano, sempre mediatizada por uma ideologia. A ideologia neoliberal, que identifica capitalismo e democracia, hoje impera na consciência de muitos cristãos e os impede de perceber que o capitalismo é intrinsecamente perverso. A Igreja Católica, muitas vezes, é conivente com o capitalismo porque este a cobre de privilégios e lhe franqueia uma liberdade que é negada, pela pobreza, a milhões de seres humanos.

Ora, já está provado que o capitalismo não assegura um futuro digno para a humanidade. Bento XVI o admitiu ao afirmar que devemos buscar novos modelos. O marxismo, ao analisar as contradições e insuficiências do capitalismo, nos abre uma porta de esperança a uma sociedade que os católicos, na celebração eucarística, caracterizam como o mundo em que todos haverão de “partilhar os bens da Terra e os frutos do trabalho humano”. A isso Marx chamou de socialismo.

O arcebispo católico de Munique, Reinhard Marx lançou, em 2011, um livro intitulado O Capital – um legado a favor da humanidade. A capa contém as mesmas cores e fontes gráficas da primeira edição de O Capital, de Karl Marx, publicada em Hamburgo, em 1867. "Marx não está morto e é preciso levá-lo a sério", disse o prelado por ocasião do lançamento da obra. “Há que se confrontar com a obra de Karl Marx, que nos ajuda a entender as teorias da acumulação capitalista e o mercantilismo." Isso não significa deixar-se atrair pelas aberrações e atrocidades cometidas em seu nome no século 20?

O autor do novo O Capital, nomeado cardeal por Bento XVI em novembro de 2010, qualifica de “sociais-éticos” os princípios defendidos em seu livro, critica o capitalismo neoliberal, qualifica a especulação de “selvagem” e “pecado”, e advoga que a economia precisa ser redesenhada segundo normas éticas de uma nova ordem econômica e política.”As regras do jogo devem ter qualidade ética. Nesse sentido, a doutrina social da Igreja é crítica frente ao capitalismo”, afirma o arcebispo.

O livro se inicia com uma carta de Reinhard Marx a Karl Marx, a quem chama de “querido homônimo”, falecido em 1883. Roga-lhe reconhecer agora seu equívoco quanto à inexistência de Deus.


O que sugere, nas entrelinhas, que o autor do Manifesto Comunista se encontra entre os que, do outro lado da vida, desfrutam da visão beatífica de Deus.

* Frei Betto é escritor e assessor de movimentos sociais


quinta-feira, 12 de abril de 2012

Venezuela, dez anos depois do golpe. O que vem pela frente?

10/04/2012 - Gilberto Maringoni - Carta Maior

Malogro do 11 de abril de 2002 marca uma novidade na América Latina. Nunca uma articulação envolvendo classes dominantes, Igreja Católica, mídia e Estados Unidos fracassara por aqui. Hoje, com a popularidede acima de 60%, Chávez é o favorito na disputa presidencial. Mas um drama pessoal ameaça se transformar em fator político determinante: a gravidade de seu quadro de saúde. Se a situação se agravar, não há substituto à altura. Não há uma Dilma do Chávez.
O artigo é de Gilberto Maringoni.

Estive pela primeira vez na Venezuela três semanas após o fracassado golpe de 11 de abril de 2002. O motivo foi um convite do jornalista Raimundo Pereira, um dos pais do jornalismo político moderno no país e editor da revista Reportagem. “Você não quer passar uns dias em Caracas, saber como foi essa volta do Chávez ao poder e fazer uma matéria extensa?”, perguntou ele em uma curta e objetiva reunião que tivemos dois dias após o fim da aventura de Pedro Carmona e seus aliados.

Aceitei e fiz as malas sem saber muito do país, além da generalidade superficial de quem lê o noticiário da mídia brasileira. Dias antes, Arnaldo Jabor havia saudado o golpe. Aparecera com aquele ar de amigo esperto nas telas da Globo, segurando uma taça de vinho numa mão e uma banana na outra. “Vamos brindar o fim de mais uma república bananeira”, ironizou, antes de fazer biquinho para saborear a bebida.

O Estado de S. Paulo foi mais direto. No editorial de sábado, 13 de abril tascou o seguinte: “O que ocorreu na Venezuela não foi um simples golpe de Estado que tirou do poder o coronel Hugo Chávez. Foi - assim como ocorreu no Brasil em 1964 - uma reação cívica a um governo que, eleito em pleito livre, em consequência do cansaço popular com partidos que já não tinham representação e se excediam na corrupção, se esmerou, uma vez no poder, em eliminar progressivamente todo e qualquer vestígio daquilo que se poderia chamar de institucionalidade democrática”.

Clima pesado
Em Caracas, o clima era mais pesado. Os jornais e os noticiários de TV praticamente diziam que Chávez era o responsável pelo golpe. Havia denúncias e mais denúncias, anúncios catastróficos sobre a reforma agrária e um rosário de torpedos verbais contra o presidente em todos os horários e canais. Mas os atendentes, camareiras, garçons, camelôs, balconistas, mendigos, cobradores de ônibus e lideranças de bairros estavam exultantes. “Intentaran sacar el presidente porque él és nuestro”, me falou baixinho a copeira do hotel onde fiquei.

A sensação nas ruas era semelhante. As marchas da oposição exibiam loiras oxigenadas, com blusas de oncinha, calça de couro e salto alto. Também se viam rapazes, marombados por intermináveis horas nas academias, descendo de Pajeros e Cherokees. A ala dos governistas era composta por mulatos, mestiços, desdentados e malvestidos. Visualmente, o panorama era de ricos contra pobres, quase uma imagem de manual de luta de classes.

O malogro
O malogro da ação se deu por três fatores:
1. Os golpistas não conseguiram maioria nas forças armadas. A cúpula queria a saída de Chávez, mas a média oficialidade e os cabos e soldados não embarcaram na intentona. Na própria madrugada do dia 12, enquanto o presidente era detido, várias guarnições importantes começaram a se rebelar;
2. A formidável reação popular evidenciou a rarefeita legitimidade da nova situação e
3. O novo governo conheceu um acachapante isolamento internacional.

O fim da trapalhada ficará marcado como uma das mais belas e emocionantes páginas das lutas sociais de todo o mundo. O figurino continental desandou. Puxadas de tapetes com sólidos apoios entre o empresariado, a Igreja Católica, os militares e a embaixada dos Estados Unidos nunca foram revertidos de forma tão espetacular.


A volta de Hugo Chávez ao palácio de Miraflores, rodeado por centenas de milhares de apoiadores, tornou-se também objeto de disputa entre a direita e a esquerda.

Qual o real significado das movimentações daqueles dias?

A oposição valia-se de um argumento semelhante ao do jornal O Estado de S. Paulo: não houve golpe, mas um levante cívico militar contra a baderna. Golpista seria Chávez, que liderou um fracassado levante militar em 1992. O presidente, de seu lado, não economizou palavras para demonstrar a aliança de Pedro Carmona com a Casa Branca, num quadro de radicalização internacional promovida pelo governo de George W. Bush, poucos meses após os atentados de 11 de setembro de 2001.

Produto de uma crise
O mandato de Chávez, desde sua posse, em janeiro de 1999, foi pontuado por tensões e enfrentamentos. Mas, ao contrário do que a mídia internacional martelava incessantemente, o presidente não provocara crise alguma em seu país. Ele sim, como personagem político, é fruto de uma avassaladora crise econômica, social e política que castigava a Venezuela desde a segunda metade dos anos 1980. Iniciada com uma queda vertiginosa dos preços internacionais do petróleo, principal produto de exportação, o desarranjo mostrou-se estrutural, corroendo serviços e instituições públicas, partidos e lideranças políticas, num quadro de descrédito coletivo.

Um olhar superficial poderia classificar o surgimento de Chávez na cena política como a chegada de um salvador da Pátria. Ao longo dos anos, ele mostrou ser não apenas um dirigente capaz de recompor as bases institucionais da Venezuela, mas de tornar-se um fator de estabilidade política.

As classes dominantes locais e seus aliados internacionais somente muito mais tarde perceberiam não estar diante de mais um governante que poderia ser apeado da cadeira presidencial a qualquer momento. O ex-militar tornou-se caudatário de algo mais profundo. Sua legitimidade expressa uma mudança na estrutura de classes do país, com a entrada em cena de multidões empobrecidas e desiludidas, com difusos anseios de mudança.

Seria muito difícil, nessas condições, o governo golpista se estabilizar. Se derrotasse a investida popular, Carmona teria de seguir lançando medidas draconianas para se manter.

Força e fraqueza
A força do governo é, contraditoriamente, a razão de sua fraqueza. O presidente é não só um líder, mas o principal e praticamente único garantidor da estabilidade política e social. É o porta-voz central de seu governo, assim como é o grande intelectual, formulador e estrategista das ações de Estado.

O câncer que acomete atualmente o presidente Hugo Chávez tem, assim, duas dimensões principais. É um drama pessoal. Não se conhece claramente sua extensão ou gravidade. E pode se tornar uma tragédia política. Se a situação se agravar, não há substituto à altura. Nenhum membro do governo ou das forças aliadas poderia conduzir o processo político local sem enfrentar sérias turbulências iniciais.

Não há uma Dilma do Chávez.

Dez anos depois do golpe, o presidente continua a manter índices de aprovação acima de 60%. Há fatores objetivos para alavancar tais indicadores: a vida melhorou na Venezuela. Os pobres comem mais, têm mais acesso à saúde, educação e serviços sociais essenciais. A sociedade segue violenta, mas a desigualdade se reduziu. Se tentarmos sintetizar esse período, podemos dizer que a grande diretriz oficial tem sido a de fortalecer o Estado e investir prioritariamente nas áreas sociais.

Os mandatos de Chávez têm sido marcados por enfrentamentos de variados tipos. Eles vão de tentativas de tirá-lo do poder a turbulências econômicas agravadas pela crise de 2008. A isso se somam dificuldades enfrentadas por um país quase sem indústrias, cuja economia baseia-se em grande parte na exportação de petróleo.

Chávez é o grande favorito para vencer as eleições presidenciais de outubro. Mas a vitória não representará o fim dos problemas. O presidente agora luta pela vida. Nas condições atuais da Venezuela, isso tem um significado político vasto, profundo e decisivo para o país.


quarta-feira, 11 de abril de 2012

"Algumas peripécias do governador de Goiás"

De: Sonia Montenegro
Assunto: Algumas peripécias do governador de Goiás
Para: "Jornal O Globo"
Data: Domingo, 8 de Abril de 2012, 3:24

Em carta ao jornal O Globo a leitora Sonia Montenegro escreveu:


"Algumas peripécias do governador de Goiás


04/07/2001 - Gravação mostra como funciona o esquema de propina, envolvendo empreiteiras e lobistas, para arrecadar fundos para a reeleição de Marconi Perillo para o governo de Goiás.


13/03/2005 - O Globo - Marconi Perillo (PSDB-GO) e Simão Jatene (PSDB-PA), são acusados por abuso de poder político e econômico em suas campanhas eleitorais em 2002, mas seguem sem julgamento.


09/08/2005 - Anselmo Góis, em O Globo: Marconi Perillo, que tentou incriminar o Lula no caixa 2 do PT, chamado de'mensalão', recebeu dinheiro do Banco Rural, incriminado nas denúncias como partícipe das supostas irregularidades.


04/09/2007 - acusações contra o senador Marconi Perillo (PSDB-GO)
- Inquérito 2504 - Crime contra a administração pública, licitação pública, irregularidade
- Inquérito 2481 - Crime contra a administração pública, corrupção ativa e passiva
- Inquérito 2562 - Crime de imprensa, calúnia.


19/10/2007 - O Globo - Procuradora Mariane Guimarães Oliveira denuncia o ex-governador e atual senador Marconi Perillo e sua mulher [Valéria Perillo] por tratamento privilegiado. A Faculdade Goiânia [ALFA-Faculdade Alves Faria] criou uma turma de direito exclusiva para o casal, pagos com o dinheiro do contribuinte, é claro! No dia 05/12, diante da denúncia, a mordomia acabou.


28/05/2008 - Congresso em Foco - Denúncias com indícios relevantes de tráfico de influência, intermediação de interesses privados, exploração de prestígio contra o senador Marconi Perillo foram insuficientes para serem investigadas pelo Conselho de Ética do senado.


09/07/2008 - UOL - Claudio Drewes, procurador regional eleitoral do MPF, pede o afastamento da presidente do TRE de Goiás, Beatriz Figueiredo Franco, sob acusação de improbidade administrativa. Ela foi flagrada em escutas telefônicas autorizadas pela justiça, recebendo orientação do senador Marconi Perillo (PSDB-GO), na decisão em um processo que envolvia a prefeitura de Itumbiara, e atendeu o pedido em menos de 48 horas.


11/07/2008 - Congresso em Foco - Com a nomeação do senador Marconi Perillo (PSDB-GO) para 1º vice-presidente, a Comissão Mista do Orçamento terá metade da presidência composta de parlamentares com processos no STF, por terem direito ao foro privilegiado. O senador responde a 3 inquéritos abertos no STF por crimes contra a administração pública, licitação pública, corrupção ativa e passiva e é investigado por crimes eleitorais cometidos em 2006. Todos os quatro processos correm em segredo de Justiça.

31/10/2008 - Congresso em Foco divulga servidores do senado exonerados por serem parentes de diretores ou senadores: Carla Pimentel Pinheiro Limongi e Vicente Limongi Neto, sobrinha e cunhado da chefe-de-gabinete do senador Marconi Perillo.


05/07/2009 - Nepotismo no Senado - os campeões: Almeida Lima (PMDB-SE), Gilvam Borges (PMDB-AP), Marconi Perillo (PSDB-GO), Fernando Collor (PTB-AL), ACM Junior (DEM-BA), Heráclito Fortes (DEM-PI), Papaléo Paes (PSDB-AP).

13/10/2011 - Procuradoria Regional Eleitoral de Goiás solicita ao TRE-GO representação contra Marconi Perillo, por captação e gastos de recursos ilícitos e pede a sua cassação.

05/03/2012 - Folha de São Paulo - Justiça suspende concorrência promovido pelo Governo de Goiás para obras de saneamento, com verbas do PAC, sob acusação de fraude na licitação."

Bem, pra finalizar, contam por aí que o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB) também andou bebendo água de cachoeira.

"Em abril de 2012, a revista Carta Capital acusou Marconi de envolvimento no escândalo Carlinhos Cachoeira (bicheiro). Os exemplares da revista foram da revista apreendidos das bancas de revista no Estado e a imprensa local foi intimidada para não dar informações a respeito."

E um pouco mais: "Segundo o jornal O Anápolis, há uma lista de parentes diretos ou próximos de Marconi Perillo e de Valéria Perillo nomeados em comissão entre 1999 e 2006, em diversas esferas do poder, tais como Adriana Moraes Perillo Bragança, Vânia Pires Perillo Cardoso e Nilton Perillo Ribeiro. Também é acusado de nepotismo cruzado em favor do bicheiro Carlinhos Cachoeira, dentro da Secretaria de Indústria de Comércio, onde trabalhariam seis parentes de Cachoeira e do ex-presidente da Câmara Municipal de Goiânia, Wladimir Garcez, apontado pela PF como arrecadador de campanha de Perillo." (fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Marconi_Perillo)