quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Globo e o ovo da serpente

Por Fernando Brito, no blog Tijolaço:

Outro dia, a Ministra Eliane Calmon disse, a propósito dos escândalos no Judiciário, que “todo mundo vê a serpente nascendo pela transparência do ovo, mas ninguém acredita que uma serpente está nascendo”.

Talvez seja a mais precisa definição para aquilo que, há exatas 20 anos, pregava no deserto um cidadão que tinha a coragem, que vai faltando cada vez mais neste país, de enfrentar o monopólio avassalador (de vontades, inclusive) representado pela Rede Globo.



Este indescritível episódio do “BBB”, no qual rasteja na lama a maior emissora de televisão brasileira, que repercute pelo mundo vergonhosamente e, pior, corroi-nos as estranhas a todos os que acreditamos no respeito e na dignidade como essência relações humanas, é apenas um estágio – quais serão os próximos? – de uma jornada para a barbárie, infelizmente consentida por parte de nossa inteligência, por medo, cumplicidade ou simples covardia ante o poder.

O ovo desta serpente, há exatos 20 anos, era transparente. E houve quem lhe apontasse a natureza sibilante, peçonhenta, deformante, mortal para uma sociedade que pretende ser humana.

Por isso, e com a inestimável ajuda do Ápio Gomes – guardião invencível dos textos publicados por Leonel Brizola – republico um de seus textos sobre o tema.

*****

O ovo da serpente

A violência que todos vêem e poucos percebem

Durante uma semana – de 5 a 11 de janeiro de 1992 – uma equipe de pesquisadores acompanhou toda a programação da Rede Globo. Foram examinados meticulosamente 77 programas, entre filmes, seriados, novelas, humorísticos, variedades, noticiários e infantis. Os pesquisadores permaneceram 114 horas e 33 minutos diante da televisão. Da totalização final, foram excluídos os programas jornalísticos para separar o que é noticiário da programação escolhida deliberadamente pela própria emissora.

O que estes pesquisadores encontraram foi uma verdadeira escola do crime e da violência. Naquela semana, a Globo exibiu 244 homicídios tentados ou consumados, 397 agressões, 190 ameaças, 11 seqüestros, 5 crimes sexuais com violência ou ameaça, 26 crimes sexuais de sedução, 60 casos de condução de veículos com perigo para terceiros ou sob efeito de drogas, 12 casos de tráfico ou uso de drogas, 50 de formação de quadrilhas, 14 roubos, 11 furtos, 5 estelionatos, e mais 137 outros, entre os quais: tortura (12), corrupção (4), crimes ambientais (3), apologia ao crime (2) e até mesmo suicídios (3).

E não se diga que isto é veiculado nos chamados programas para adultos. A programação infantil é repleta de imagens de violência, inclusive em desenhos animados, com 58 cenas diárias de violência. Projetando tal constatação, verifica-se que anualmente a Rede Globo propicia às crianças brasileiras a visão de 21.222 cenas de violência. Se considerarmos que a média diária geral da programação é de 166 cenas de violência, chegaremos à conclusão de que a programação infantil detém 34,9% da violência diária transmitida pela TV Globo.

Para os espectadores de novelas estão reservadas 150 cenas de crimes por semana (média diária de 21,4). Já os apreciadores de seriados têm à disposição 79 crimes semanais (média diária de 11,2). E quem acompanha a programação humorística e de variedades vai se deparar com 74 episódios violentos, principalmente agressões (média diária de 10,5).

Os documentos comprobatórios desta pesquisa encontram-se em poder do Dr. Nilo Batista, Secretário de Justiça do Estado, à disposição de quem desejar consultá-los. Estes números estarrecedores nos permitem questionar a autoridade moral da Globo, tevê e rádio, e do jornal O Globo e o papel destrutivo que vêm desempenhando. Já chamei a atenção de meus compatriotas para a instigante coincidência entre o crescimento das Organizações Globo e o crescimento da violência em nosso País.

Esta pesquisa revela que não se trata de mera coincidência. Estudos criminológicos – os mais respeitados – advertem para as conseqüências da exposição de cenas de violência às crianças e às pessoas ainda imaturas. As Organizações Globo, quanto a este aspecto, representam uma autêntica e verdadeira escola do crime, reproduzindo e estimulando a cultura da violência, que encontra campo fértil numa sociedade fortemente marcada pela injustiça, pela pobreza e pelo atraso.

A Globo, que comete contra nossas crianças e jovens este crime – que países como os europeus de nenhuma forma admitiriam –, é a mesma que utiliza seus maiores e melhores espaços para destruir um programa educacional como o dos Cieps e dos Ciacs. Minha mensagem aos pais e avós é que defendam seus filhos e netos como puderem, enquanto combatemos – como o pequeno Davi diante de Golias – essa hidra gigantesca, diante da qual tantos se omitem ou, pior ainda, se intimidam e se curvam, submissos.

(Leonel Brizola, 19 de janeiro de 1992, no Jornal do Brasil)
Extraído do Blog do Miro

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

População: será que não cabe?



por Raquel Torres, da Fundação Oswaldo Cruz
754890 68831682rev 199x300 População: será que não cabe?Chegamos a 7 bilhões de habitantes no mundo e muitos têm dito que não há comida nem recursos para todos. Mas isso é mesmo verdade?
Todo mundo que costuma acompanhar os principais veículos de comunicação – e até quem só dá uma olhada neles de vez em quando – viu, no fim do ano passado, um volume grande de reportagens abordando o aumento da população mundial e as consequências disso. O motivo é termos atingido, em 2011, a marca de 7 bilhões de habitantes.
Essas mesmas reportagens também trouxeram, em sua maioria, a previsão de um futuro não muito feliz para a crescente população – a falta de recursos naturais, especialmente a água, e a insuficiente produção de alimentos fariam da Terra um ambiente inóspito nas próximas décadas, já que, segundo a ONU, passaremos de 9 bilhões em 2050, quando finalmente esse número se estabilizará. A conclusão é a de que o planeta não vai conseguir comportar tanta gente e, para evitar um colapso, em geral se propõe a combinação de duas ações: o controle de natalidade – especialmente em países subdesenvolvidos, em que a tendência ainda é a de crescimento populacional – e o emprego de mais tecnologias no campo para aumentar a produtividade.
Quanto produzimos e quem tem fome
A fome não é um problema do futuro. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês) estima que, hoje, um bilhão de pessoas passem fome no mundo. Além disso, dois bilhões são mal nutridas, 200 milhões de crianças menores de cinco anos estão abaixo do peso e nove milhões de pessoas chegam a morrer de fome todos os anos.
Com base nesses dados, tem-se dito que um aumento da população mundial vai necessariamente ampliar esses números, caso não façamos alguma coisa para aumentar a produção de alimentos. Mas há um detalhe: apesar dos dados alarmantes em relação aos famintos, a FAO também afirma que na verdade hoje já se produz mais comida do que o necessário para alimentar a todos. Em 1950, havia 2,5 bilhões de pessoas no planeta, e cada uma dispunha de 2.450 calorias diárias, em média. Hoje, a FAO estima que haja 2.800 calorias por pessoa, por dia. A mesma organização indica que cada um precisa de 1.900 calorias diárias, o que significa que nossa produção atual conseguiria dar conta de mais de 10 bilhões de pessoas, caso o alimento fosse bem distribuído. Portanto, se seremos 9 bilhões a partir de 2050, não há muito motivo para temores, já que ainda estaremos dentro do limite – e isso sem aumentar a produção.
E a suficiência não é só em relação ao valor calórico: no artigo ‘Fome não se acaba com agricultura ‘forte’, o sociólogo Antonio Inácio Andrioli, da Universidade Federal da Fronteira Sul, diz que a produção atual seria suficiente para prover diariamente 2 kg de alimento por pessoa – seriam 1,1 quilo de cereais, 450 g de carne, leite e ovos e mais 450g de frutas e verduras. Além disso, segundo Julian Perez, da coordenação executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional, desde o início dos anos 1980 a população cresceu 36%, enquanto a produção de cereais cresceu 45%, a de frutas 120% e a de carnes subiu 91%. Como se vê, a falta de comida não é a causa da fome de um sétimo da população mundial, e ainda cai por terra a ideia de que é preciso fazer controle de natalidade para evitar o problema.
Especulação
De acordo com Julian, a maior dificuldade é o acesso da população, decorrente do alto preço da comida – segundo a FAO, nos últimos 11 anos, os preços de carnes, azeites e gordura, laticínios, cereais e açúcar aumentaram em média 250%. E, para ele, isso está diretamente relacionado à especulação financeira em torno dos alimentos, consequência do livre mercado no setor. “Cada vez menos o Estado tem um papel regulador na definição de preços e de políticas agrícolas. Com isso, o mercado toma conta dessa definição e, consequentemente, do acesso aos alimentos. Se é interessante para o mercado elevar os preços dos produtos agrícolas, isso acaba reduzindo a possibilidade de acesso da população a esses bens”, explica.
Segundo a socióloga Carolina Niemeyer, isso também está relacionado à produção de agrocombustíveis – combustíveis extraídos de produtos agrícolas, como a cana-de-açúcar e óleo de palma -, que faz com que parte da comida produzida não tenha a finalidade da alimentação. Hoje, dos cereais produzidos, 46% são usados para alimentar pessoas, enquanto 35% vão para animais e 18% para a produção de combustíveis. “Além disso, o aumento da demanda por agrocombustíveis ajuda a elevar o preço dos alimentos”, diz a pesquisadora.
Quem passa fome está no campo
É no campo que se encontra uma grande contradição em relação ao problema da fome: dentre os malnutridos do mundo, 75% são camponeses – aqueles que produzem o alimento e que, teoricamente, deveriam ter fácil acesso a ele. Julian explica que isso se dá porque é priorizada a produção de poucas culturas em larga escala, num modelo que não se adapta à agricultura familiar. “A maior parte das linhas de crédito não funcionam para autoconsumo”, diz.
Carolina Niemeyer aponta que muitos dos pequenos agricultores hoje trabalham no modelo da ‘integração’, ou seja, se especializam na produção de determinado alimento para venderem para grandes empresas. “Eles entram nisso para terem um comprador certo para seus produtos, já que faltam no país e no mundo políticas de estímulo ao pequeno agricultor. Só que, com isso, acabam obrigados a se desfazerem de suas hortas e dos animais que criavam para seu próprio consumo”, explica.
Fim dos recursos
A relação de proporção entre a quantidade de recursos naturais disponíveis e o número de pessoas sobre o planeta não é nova: ela já foi pensada há mais de 200 anos pelo sacerdote inglês Thomas Malthus. Em tempos de revolução industrial e explosão demográfica, ele dizia que a população crescia muito mais que a produção de alimentos, e que o resultado disso seria a fome.
A questão não é apenas a quantidade de alimentos, mas também inclui a disponibilidade de recursos naturais necessários para produzi-los – a água é o principal deles. Segundo o geógrafo e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Carlos Walter Porto Gonçalves, a teoria malthusiana baseia-se na ideia de que um aumento da população gera consequentemente um aumento na pressão sobre os recursos naturais. E, de acordo com ele, é preciso reconhecer que esse raciocínio não é inteiramente errado. “Só que a verdade nele é apenas uma parte muito pequena da verdade total. Podemos dizer que, se uma pessoa exerce certa pressão sobre os recursos naturais existentes, então duas pessoas, vivendo sob as mesmas condições, vão exercer o dobro da pressão. O detalhe é que não vivemos sob as mesmas condições”, aponta.
Ele explica que, para ter uma dimensão mais exata do que acontece no planeta, é importante entender o conceito de ‘pegada ecológica’, que pode ser calculada para uma pessoa ou para grupos de um bairro, cidade ou país, por exemplo. A pegada corresponde ao território necessário para produzir a infraestrutura que aquela população utiliza e os alimentos e a madeira que consome, além de absorver o gás carbônico que produz. “Vemos assim que a pressão sobre os recursos naturais está diretamente ligada ao estilo de vida. Quando nasce um bebê em um país desenvolvido, sua pegada ecológica é muito maior do que em países menos desenvolvidos, como Índia e Etiópia. Analisando sob esse conceito, vemos, por exemplo, que um país como a Inglaterra precisa na verdade de ‘dez Inglaterras’ para se sustentar, e que um cidadão médio norteamericano ‘equivale’ a 144 cidadãos da Etiópia. E é muito fácil colocar a culpa dos problemas na Etiópia”, diz.
A água e o discurso da escassez
Quem nunca ouviu dizer que a água está acabando? Carlos Walter diz que, apesar de ser muito presente hoje, esse discurso praticamente não existia 20 anos atrás. “Se observarmos, por exemplo, o documento que resultou da Rio 92 [a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento], perceberemos que a água não era um tema pautado na época. O assunto quase não tinha destaque. Em outro relatório da época – o da Comissão Brundtland, da ONU, que fazia um balanço das condições do planeta nos anos 1980 -, o capítulo sobre a água simplesmente inexiste, e o tema aparece de maneira absolutamente irrelevante”, diz o professor. De acordo com ele, foi no meio dos anos 1990 que o Banco Mundial começou a pautar a água como um bem a ser privatizado.
E, segundo o professor, o discurso da escassez é uma condição para a ideia da privatização da água. “Quando se se fala de um bem que é abundante e está disponível para todos, é muito difícil torná-lo mercadoria. Mas quando esse bem se torna escasso, as pessoas têm que comprar. Do ponto de vista teórico, as ideias de escassez e privatização preparam uma à outra”.
No livro ‘A globalização da natureza e a natureza da globalização’, Carlos Walter diz que o setor privado tem expandido, desde os anos 1990, suas funções na ordenação dos recursos hídricos, e que houve um rápido aumento do grau de privatização dos sistemas de condução de água anteriormente administrados pelo Estado. Ele escreve que “várias empresas vêm processando governos sempre que esses, alegando o interesse público, ferem os interesses comerciais das grandes corporações”. De acordo com o autor, um exemplo aconteceu na Bolívia, quando a empresa estatunidense Bechtel, expulsa do país ano 2000 por prestar maus serviços, tentou processar o governo boliviano por isso.
No mesmo livro, Carlos Walter volta à questão do estilo de vida ao falar de consumo de água, e mostra que, embora a população mundial tenha crescido três vezes desde os anos 1950, a demanda por água cresceu seis vezes – o que mostra que a demanda não cresce na mesma medida que a população. “No Canadá, entre 1972 e 1991, enquanto a população cresceu 3%, o consumo de água cresceu 80%, segundo a ONU”, acrescenta o professor. De acordo com ele, o que é impossível não é manter a população crescendo, mas manter os mesmos hábitos e padrões de consumo. “Dados da ONU apontam que, hoje, consumimos anualmente 30% a mais do que a capacidade da biosfera de se reproduzir. Esta pressão está, de fato, tirando as possibilidades de vida das gerações futuras”.
Produção e recursos
O professor afirma que quem mais usa água no planeta é a agricultura, responsável por 70% do consumo – em segundo lugar está a indústria, com 20%. E, de acordo com ele, na agricultura a água ainda é muito mal utilizada e desperdiçada. “Muitos cultivos são feitos por irrigação e, embora isso aumente a área a ser cultivada, muita água se perde nesse processo. aluguns pesquisadores dizem que se perde de 50% a 60%. Além disso, bastante água é perdida por conta do uso de agrotóxicos, que contaminam rios”, enumera.
Assim, apesar do discurso corrente de que é preciso aumentar a produção – usando mais tecnologias como a de fertilizantes químicos e sementes transgênicas -, Julian afirma que, hoje, a preocupação não deve ser produzir mais, mas sim produzir de maneira a garantir que os recursos naturais continuem disponíveis. “Poucos levam em conta que o modelo que hoje é convencional – com agrotóxicos e sementes transgênicas – contamina o solo e a água, comprometendo o processo de produção no futuro. Hoje, por conta desse processo, temos áreas enormes salinizadas e desertificadas”, critica.


* Publicado originalmente no site Fundação Oswaldo Cruz.
Extraído do site Envolverde

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Pinheirinho, um especulador, um rapper e uma reintegração de posse

Do blog Viomundo

"Caro Azenha:
Aqui no Vale do Paraíba paulista o caso mais absurdo do momento se refere à desapropriação da área conhecida como Pinheirinho, em São José dos Campos.
Desde 1994, 1.500 famílias (cerca de 5000 pessoas) ocuparam uma área pertencente à massa falida de uma empresa [As terras pertenceriam a empresa Selecta, do empresário e especulador da Bolsa de Valores, Naji Nahas]
Desde o início, estas famílias fizeram a proposta de comprar lotes, mas em nenhum momento houve ajuda da Prefeitura (comandada pelo PSDB há muito tempo). Representantes do Governo Federal e Estadual se reuniram com moradores, OAB, igrejas, mas ninguem da prefeitura. Agora foi expedida ordem de reintegração de posse.
O risco de confronto é real. Divulgar o caso é fundamental para que não ocorra um massacre !!!"


A Rua é Nóiz - sugerido por Igor Felippe

A partir da foto acima, do Estadão, que mostra os moradores do bairro de Pinheirinho, em São José dos Campos, preparados para enfrentar a reintegração de posse, o rapper Emicida escreveu em seu blog A Rua é Nóiz:

"Senti orgulho de ver nossos irmãos no front e tristeza pela situação em si, que ainda muito se repetirá por nosso país. Meu desejo com este texto e com estas palavras, é enviar-lhes força, pois partilhamos do mesmo sonho, um Brasil sem desigualdade social, onde não exista tanta terra na mão de tão pouca gente, um país onde os mais pobres não tenham que pagar com o que não tem, pelas ideias bilionárias de quem pouco se importa com quantas vidas serão destruídas pela construção dos alicerces de seus edifícios. E ainda chamam isto de progresso! Na verdade até é: o termo progresso possui uma conotação ambígua, o que nos resta é lutar para que o termo possa ser empregado mais vezes com um sentido positivo.

Esta semana, coincidentemente, recebi o email de um companheiro do MST que me enviou a letra de “Num É Só Ver”, dizendo como esta letra trabalhava o tema com perfeição. Sincronicidade é foda! Nossos corações estão ligados a um mesmo sonho, a uma mesma luta, é involuntário que nossas poesias sejam um espelho disto.

Muito amor e todo apoio ao povo do Pinheirinho." (A Rua é Nóiz." - Emicida)


Num é só ver
(Rael da Rima/ Emicida)

Empresários perdem milhões
Pobres acham, devolvem
Barões matam nações
Que se refazem, se movem
Manipulam informações
Fodem!
Grandes populações
Que não se envolvem
Trancados em mansões
É, eles podem
Seguros das monções
Oh right, no problem
Epidemias, liquidações
Dormem pessoas simples nos barracões
Orem
Calam manifestações
Protesto: morador empunha espada improvisada (Nilton Cardin/AE)


Olhem
Por cifras, com vidas
Não estranhe que joguem
Atrás de notícias compradas
Se escondem
Sem dó tiram comida
De outro homem
Artistas fazem rir
Presidentes fazem chorar
Tiros são barulhentos
Mas não impedem de escutar
O canto dos que lutam pelo povo
Sempre vivo
Gente louca faz música
Gente séria explosivo.



Hoje, 17/01/2012, Justiça suspende reintegração de posse do Pinheirinho, em São José dos Campos. Portal R7, Agência Record

Desde 2004 moradores resistem no local


Moradores do Pinheirinho em São José dos Campos, no Vale do Paraíba, interior de São Paulo, comemoraram uma liminar emitida pela Justiça Federal, durante a madrugada desta terça-feira (17), suspendendo temporariamente a operação de reintegração de posse na ocupação.


Comemoração: suspensa reintegração de posse.
Nelson Antoine/Fotoarena/AE


Cerca de 1.800 policiais militares, incluindo homens da Cavalaria e do Canil, chegaram a cercar o terreno de 1 milhão e 300 mil metros quadrados, mas não entraram.

A área foi ocupada irregularmente em 2004 por uma comunidade ligada ao Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem-Teto (MTST). Pelo menos 1.600 famílias, totalizando mais de 5.500 pessoas, vivem no local.

Na semana passada, um "exército" de moradores exibiu armas e escudos para resistir à ordem da Justiça. A entrada do assentamento segue sob vigilância. Um grupo de moradores de Pinheirinho fez uma manifestação na manhã de sexta-feira (13/01) contra a reintegração de posse do terreno. Na mesma manhã, representantes do acampamento se reuniram com membros da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e com lideranças sindicais para tentar definir o futuro dos moradores da área.

De acordo com o PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado), representantes de 18 sindicatos, além de movimentos sociais, partidos políticos e entidades estudantis participaram de um ato em solidariedade ao Pinheirinho também na sexta-feira, em frente à ocupação. Cerca de 500 moradores estiveram na manifestação.

A ordem de reintegração de posse foi assinada pela juíza Márcia Loureiro, da 6ª. Vara Cível de São José dos Campos, em meio a negociações de acordo já iniciadas pelos governos federal, estadual e municipal. O maior impasse entre as esferas do governo está nas mãos da prefeitura de São José dos Campos, que se recusa a inscrever a ocupação no Programa Cidade Legal, o primeiro passo para a regularização da área.

Economia Verde divide águas



por Emilio Godoy*
126 300x200 TERRAMÉRICA   Economia verde divide águas
A biomassa muitas vezes é combustível básico em Chiapas, no sul do México. Foto: Mauricio Ramos/IPS
Especialistas polemizam sobre os benefícios ou danos que a economia verde pode acarretar, que será o centro das discussões na cúpula Rio+20 em meados deste ano.
Cidade do México, México, 16 de janeiro de 2012 (Terramérica).- O desenvolvimento de uma economia verde gera discrepâncias entre especialistas por seus benefícios e riscos potenciais. Enquanto alguns consideram que pode agravar as desigualdades sociais e concentrar a riqueza biológica, outros a consideram protetora do meio ambiente e geradora de empregos.
“A economia verde não questiona os sistemas de produção atuais, como o agroalimentar, nem fala de mudar padrões de consumo”, criticou Silvia Ribeiro, diretora para a América Latina do não governamental Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração (ETC). Silvia disse ao Terramérica que, por exemplo, “preocupa o uso maciço da biomassa para produzir combustíveis, e das novas tecnologias, como a biologia sintética, que podem gerar níveis de toxidade.”
Em seu informe “Quem controlará a economia verde?”, publicado no dia 15 de dezembro, o Grupo ETC argumenta que o funcionamento de uma economia verde beneficiará especialmente as grandes corporações se não houver mudança nos modelos de produção e consumo de bens e serviços e na governança mundial. Acrescenta que as grandes transnacionais de energia, farmacêuticas, agroindustriais e químicas construíram alianças para explorar a biomassa e apropriar-se do controle de recursos naturais, como terra e água.
O estudo se centra em áreas como biologia sintética, bioinformática e geração de dados genômicos, biomassa marinha e aquática, sementes e pesticidas, bancos de germoplasma vegetal, fertilizantes e mineração, silvicultura e papel, farmacêutica veterinária e genética animal.
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) define a economia verde como “um sistema de atividades econômicas relacionadas com a produção, distribuição e consumo de bens e serviços que resultam em melhoria do bem-estar humano no longo prazo, ao mesmo tempo em que não expõe as futuras gerações a riscos ambientais e escassez ecológica significativa”.
Esta nova variante será o tema preponderante da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), que acontecerá entre os dias 20 e 22 de junho na cidade do Rio de Janeiro, quando se completam 20 anos da primeira Cúpula da Terra, realizada também no Rio em 1992. Os objetivos deste encontro global são um renovado compromisso político em torno do desenvolvimento sustentável, avaliação do progresso para os objetivos internacionalmente acordados em torno do assunto e a abordagem dos novos desafios.
Além disso, a cúpula se concentrará na construção de uma economia verde no contexto da erradicação da pobreza e do desenvolvimento sustentável, bem como em um contexto institucional para este propósito. O Pnuma defende a vertente que promove desde 2008, embora reconheça a validade das preocupações existentes. “A economia verde é um imperativo. Uma de suas metas é a igualdade social e o bem-estar humano. Se reconhece o meio ambiente como fonte de riqueza”, afirmou ao Terramérica o norte-americano Steven Stone, chefe de Economia e Comércio do escritório do Pnuma em Genebra.
Steven visitou o México na semana passada para a apresentação de um estudo prospectivo nacional sobre economia verde, patrocinado pelo Ministério de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Semarnat) e o privado Instituto Tecnológico de Monterrey. “A verdadeira disputa é se os que causam maior dano ao meio ambiente estão realmente contribuindo para o que se deve fazer”, disse ao Terramérica o diretor da Faculdade de Economia da estatal Universidade Nacional Autônoma do México, Roberto Escalante.
“Por isso existe o risco de que, no caso de esverdear a economia, aprofundar as desiguladades, jogando sobre os que menos têm o maior custo dos impactos ambientais”, advertiu Roberto. O acadêmico realiza uma pesquisa, que prevê finalizar no primeiro trimestre deste ano, sobre o efeito da agricultura e do desmatamento sobre o meio ambiente, a pedido do Semarnat.
Diante do processo da Rio+20, organizações da sociedade civil da América Latina impulsionam o relançamento do desenvolvimento sustentável, com ênfase nos aspectos sociais e ecológicos e em uma nova economia para enfrentar a pobreza e a concentração da riqueza. O Estudo Econômico e Social Mundial 2011, do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU, recomenda o investimento de US$ 1,9 bilhão anuais em tecnologias verdes durante os próximos 40 anos, para combater os efeitos da mudança climática.
O Pnuma considera que o investimento verde pode contribuir para a redução da demanda de energia e água e da pegada de carbono da produção de bens e serviços. “Há muitas alternativas, a mais contundente é a economia do camponês, que representa 70% da produção agropecuária global”, recomendou Silvia, cuja organização tem foco nos impactos ambientais, sociais e econômicos das novas tecnologias.
O informe do Grupo ETC sugere a instauração de regimes antimonopólio, para evitar as concentrações de mercado, o papel central da agricultura e a soberania alimentar e a avaliação. Também defende a divulgação internacional das tecnologias “que não são capazes de enfrentar os problemas sistêmicos das crises de pobreza, da fome ou a ambiental”. “Um dos temas fundamentais é o valor da natureza, que não é considerado. Não faz parte do cálculo econômico. É preciso dar valor a esses serviços com limites e regulações”, destacou Steven.
Por sua vez, Roberto, cuja pesquisa busca oferecer alternativas para uma produção agrícola livre de carbono, propôs a utilização das novas tecnologias, a participação de instituições universitárias e a concretização de políticas públicas integrais. “Os temas ambientais são, no fundo, temas fiscais. Esta será a grande discussão da Rio+20. Deve prevalecer uma nova visão, colocar no mundo da economia os preços do meio ambiente e estabelecer um esquema que garanta a equidade”, explicou o acadêmico mexicano.

* O autor é colaborador da IPS.
 Fonte: TERRAMÉRICA,  extraído do site Envolverde

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Dor, sofrimento e erro de cálculo

13/01/2012- Maria Inês Nassif - Carta Maior


A tal política de combate ao crack pela "dor e sofrimento", inaugurada pelo governo do Estado de São Paulo (aparentemente de forma coordenada com a prefeitura paulista), é mais um capítulo da política higienista que foi a marca dos governos José Serra e Gilberto Kassab na prefeitura da capital, nos últimos quase oito anos.
Maria Inês Nassif


Por qualquer ângulo que se analise, a tal política de combate ao crack pela "dor e sofrimento", inaugurada pelo governo do Estado de São Paulo (aparentemente de forma coordenada com a prefeitura paulista), é mais um capítulo da política higienista que foi a marca dos governos José Serra e Gilberto Kassab na prefeitura da capital, nos últimos quase oito anos; e é mais um episódio da opção preferencial do governador Geraldo Alckmin pelo uso da força policial, a exemplo do que aconteceu nas suas gestões anteriores (2001-2002 e 2003-2006).

A ação policial, enfim reconhecida como fonte de desgaste e abandonada pela Secretaria de Segurança Pública do Estado, não obteve nenhum resultado positivo. Foi simplesmente um ato de truculência. Os dois mandatários, do Estado e da capital, apenas conseguiram reforçar suas imagens de governantes conservadores, com o cerco e a agressão aos dependentes químicos da Cracolância paulistana - a chamada "Operação Centro Legal" -, o presente de Ano Novo da polícia paulista aos maltrapilhos que se aglomeram no centro da cidade para consumir a pedra.

Crianças, jovens e adultos, após o desalojamento e sem opção de moradia, de acesso a assistentes sociais ou a serviços de Saúde, formaram bat
alhões de zumbis que andavam sem rumo pela cidade. A "dor e o sofrimento", estratégia de combate à dependência química, não deu sequer a alternativa do tratamento das crises de abstinência, que devem ser avassaladoras em pessoas comprometidas com uma droga como essa: a rede pública não dispunha de vagas para atender qualquer tipo de demanda.

Do ponto de vista de política pública, a Operação Centro Legal foi repressão pura. Como política de assistência social, foi desassistência. E, do lado da Saúde, um reforço à doença. Não existe uma única qualidade na ação policial contra craqueiros, exceto as que dizem respeito aos interesses imobiliários de recuperação da zona central da cidade, o projeto Nova Luz, que derrapa na vizinhança de drogados e favelados. A Polícia tentou eliminar a comunidade de drogados pela força; a Prefeitura teve uma ajudazinha providencial, e quase simultânea à ação policial: o incêndio da Favela do Moínho, nas imediações.

A opção pela truculência no momento em que existe, de fato, uma tentativa de integração de políticas de desenvolvimento social e Saúde, nas três esferas de poder, às quais a ação policial seria apenas complementar, é inexplicável. Uma hipótese pode ser a tentativa do Estado e do Município, que são oposição ao governo federal, de se anteciparem ao programa federal, num ano de eleições municipais. Pelos resultados pífios da ação, imagina-se que nem a elite conservadora da cidade tenha gostado muito do desfile de zumbis do crack pelas zonas mais nobres. A outra é a de que a polícia fugiu ao controle da Secretaria de Segurança Pública e do próprio governador de Estado, e resolveu passear na Cracolância com balas de borracha e bombas de efeito moral por sua conta e risco. Isso não seria nada bom, do ponto de vista das instituições.

A última possibilidade é que se optou por uma política higienista que não pegou bem junto ao eleitorado que será chamado às urnas em outubro, no pior momento do bloco tucano-kassabista no Estado. Pela repercussão e resultados que teve, no mínimo o dono da ideia merece ser demitido. A ação policial apenas pegou mal.


(*) Colunista política, editora da Carta Maior em São Paulo.





domingo, 15 de janeiro de 2012

Um olho em Obama, outro em Ahmadinejad - Rossi não conta

Antonio Fernando Araujo


Quando se lê o artigo de Clóvis Rossi, publicado em 08/01 passado na Folha de S. Paulo não é difícil percebermos que nada mudou na sua maneira (pelo menos no que se refere a questão EUA-Irã) de encaminhar suas análises, desde que em 13/04/2010 escreveu na Folha On Line - "Não é o Irã, é a Al Qaeda": "Por mais que os Estados Unidos, principalmente, mas também França e Alemanha, estejam incomodados com o programa nuclear iraniano, o fato é que a Cúpula sobre Segurança Nuclear, encerrada nesta terça-feira em Washington, não tinha o Irã como alvo principal, mas a Al Qaeda, se se tomar essa expressão como sinônimo de terrorismo global. Não é impressão pessoal nem informação privilegiada. O próprio presidente Barack Obama, em conversa com jornalistas difundida pelo hiper-ativo serviço de imprensa da Casa Branca, deixou claro que a possibilidade de uma organização terrorista conseguir uma arma nuclear 'é a maior ameaça à segurança dos Estados Unidos, tanto no curto prazo como no médio e no longo prazo'." Isso foi o bastante para que Rossi assumisse a tese mestra com que costuma induzir seus leitores, levando-os a acreditar que tudo não passa de uma guerra entre o Bem e o Mal, cujo vilão na época era encarnado na aterrorizante figura de Bin Laden.

Como estamos comprovando agora, tudo isso não passava de conversa fiada. Como, em maio último, Obama - Prêmio Nobel da Paz - teve que mandar "matar" o Bin Laden meios às pressas (no imaginário americano e no de muitos brasileiros bem informados, a Al-Qaeda sucumbiu nesse mesmo dia, também lançada ao fundo do mar) o alvo agora tem mesmo que ser modificado, passa a ser o "desenvolvimento de armamento nuclear", por homens do Mal que ameaçam o mundo. Não importa que tanta gente boa ou do Bem já tenha escancarado os reais motivos: não tem nada de armamento nuclear sendo desenvolvido no Irã (como não havia no Iraque), o que Obama quer mesmo é se apropriar do petróleo iraniano e se reelejer presidente, o tal dos "dois coelhos em uma única cajadada". Mas o "discurso nuclear" funciona como a Comissão de Frente. O(s) carro(s) Abre-alas, a(s) frota(s) que já se desloca(m) rumo aos golfos Pérsico, de Omã e de Aden e aos mares Mediterrâneo, Vermelho e Arábico (onde "estão sepultados" Bin Laden e a Al-Qaeda) já estão praticamente posicionados, estando prestes a completar o cerco do Irã para que Israel também contribua com sua parte na Síria e no Líbano, no esforço de tornar o Mediterrâneo, finalmente, o almejado Lago da OTAN e, de lambujo, caso seja possível - dentro de uma ampla visão estratégica de evitar o golfo Persa para o transporte do óleo e que incluiria outros oleodutos -, ainda ressuscitar o falecido “Trans-Arabian” (Tapline) que liga Ras-Tannurah, na costa saudita desse golfo com o porto de Trípoli, no Líbano, com um mínimo de prejuízo, de olho na redução dos custos e na minimização da importância do estreito de Ormuz e o consequente enfraquecimento estratégico do Irã. Será que daria então para o Rossi explicar aos seus leitores o porque dos atuais esforços de Washington para derrubar o governo sírio (caindo este, o do Líbano cai em seguida), que diariamente nossa imprensa subalterna alardeia como se o facínora fosse unicamente o sírio Bachar El-Assad e Obama - Prêmio Nobel da Paz, insisto - não estivesse nem um pouco interessado em primeiro isolar o Irã, antes de atacar diretamente Teerã.



Embora tudo isso esteja acontecendo a olhos vistos o Rossi nada percebe, prefere desdenhar sobre a visita de Ahmedinejad à América Latina, não ligando a mínima para o que disse Chavez ao iraniano ao recebê-lo na Venezuela: - "Somos vítimas da ganância das superpotências”. Quem duvida? Talvez o Rossi, que também não notou que os EUA estão enfurecidos: o Irã não parece nada “isolado” internacionalmente. - "O regime iraniano rejeitou todas as aberturas propostas pelos EUA e o regime de Castro nunca alterará suas posições”, bradou, no último dia 09/01, a presidente do Comitê de Assuntos Internacionais da Câmara de Deputados em Washington, Ileana Ros-Lehtinen, republicana da Flórida.

Nem esperaria que o Rossi se inteirasse do que escreveu o ex-diplomata indiano MK Bhadrakumar, no Indian Punchline, em 12/01, sob o título "When Fidel meets Ahmadinejad", reproduzido no blog Redecastorphoto, onde, "vê-se hoje já bem evidente uma acomodação politicamente articulada entre o islamismo como força política e a esquerda latino-americana. Ahmedinejad é visto como agente de uma nova forma exemplar de antiimperialismo internacionalmente ativo, que sabe operar em ressonância com a consciência política da esquerda latino-americana, e vê nela traços pelos quais pode identificar o seu próprio projeto histórico. A atual viagem de Ahmadinejad reforça essa nova sintaxe da acomodação política entre os dois lados, e deixa para trás a patética história da Guerra Fria, quando o ocidente conspirava para jogar os marxistas contra os islâmicos, tentando assim abrir caminho para obter vantagens geopolíticas no Oriente Médio rico em petróleo." Mas Rossi nada nota sobre isso, assim como não vê coerência entre as posições anteriormente assumidas por Dilma - que ele mesmo cita - de constestações relacionadas com os "direitos humanos" praticados no Irã e essa "frieza" atual em convidar Ahmadinejad para nos visitar. Prefere então lançar mão de outro trecho daquela declaração de Ileana Ros-Lehtinen - "A atividade iraniana no Hemisfério Ocidental ameaça a segurança regional e a estabilidade" - para tentar associá-la, não à resistência dos que se consideram vítimas da ganância das superpotências, como disse Chavez, mas a uma fantasiosa e "perigosa infiltração iraniana na América Latina", com ares de subversão ideológica, como se agora o islamismo assumisse o papel, deixado para trás, que o comunismo soviético já desempenhara na época da Guerra Fria EUA-URSS, no século passado.

Claro que o Irã, como qualquer outro país do mundo, tem interesses de sobra para se mostrar ativo na América Latina atual, uma ilha de relativa prosperidade sócio-econômica em meio ao caos econômico EUA-Europa. E, se no caso do Irã, esses interesses vão mais além e transcendem o aspecto puramente econômico, se deve certamente à insaciável ambição imperialista norte-americana, ao vergonhoso isolamento econômico que mantém com a frágil Cuba há cerca de 60 anos e o desejo incontrolável de se apossar das riquezas petrolíferas, tanto as de cá - Brasil incluído - quanto as de acolá.

Seria, talvez, desejar demais que o Rossi também tivesse atentado para o idioma político escutado na atual viagem de Ahmedinejad: - “Meu irmão revolucionário”, pronunciou o iraniano ao saudar seu colega Ortega, da Nicarágua, “nossos dois povos, em diferentes partes do mundo, lutamos para estabelecer a solidariedade entre todos e a justiça para todos.” Ora, ninguém fala uma coisa dessas à toa, no mesmo instante em que os "Carros Abre-alas" se movimentam pelos golfos e mares de suas praias. Mas é dessa solidariedade internacional - ainda que originária de "inexpressivas" nações latino-americanas - que provém o temor da Ileana Ros-Lehtinen, a republicana da Flórida que, por viver tão perto de Cuba, tem sabedoria suficiente para avaliar do que é capaz a resistência de um povo quando está forjado "para estabelecer a solidariedade entre todos e a justiça para todos.” Ela certamente entende o que fala o Ahmedinejad. Rossi, infelizmente, passa batido.

sábado, 14 de janeiro de 2012

A POSSÍVEL BATALHA PELO ESTREITO DE ORMUZ

sábado, 14 de janeiro de 2012 - Mahdi Darius Nazemroaya - blog Democracia & Política

Depois de ouvir ameaças dos EUA durante anos, o Irã está tomando medidas que sugerem que considera fechar o Estreito de Ormuz e que tem capacidade para fazê-lo. No dia 24 de dezembro, o Irã iniciou exercícios navais (Operação Velayat-90) no e à volta do Estreito de Ormuz, do Golfo Persa e Golfo de Omã (Mar de Omã), ao Golfo de Aden e Mar da Arábia.


Desde o início daqueles exercícios, cresce a guerra de palavras entre Washington e Teerã. Mas nada do que o governo Obama ou o Pentágono disseram ou fizeram, até agora, dissuadiu Teerã de dar prosseguimento aos seus exercícios navais.

A NATUREZA GEOPOLÍTICA DO ESTREITO DE ORMUZ
À parte ser ponto vital de trânsito para recursos energéticos globais e gargalo estratégico, dois outros aspectos devem ser considerados se se analisa o Estreito de Ormuz e a importância que tem para o Irã:

(1) a própria geografia do Estreito; e
(2) o papel do Irã na coadministração do estreito, nos termos da legislação internacional e das leis nacionais iranianas.

As embarcações de todos os tipos que passam pelo Estreito de Ormuz sempre mantiveram contato com as forças navais iranianas – a Marinha Regular Iraniana e a Marinha da Guarda Revolucionária do Irã. As forças navais iranianas monitoram e policiam o Estreito de Ormuz, administração compartilhada com o Sultanato de Omã, através de um enclave omanita que há ali, Musandam. Mais importante que isso: para navegar através do Estreito de Ormuz, todo o tráfego marítimo, inclusive a Marinha dos EUA, é obrigado a navegar por águas territoriais iranianas; para sair, em muitos casos, cruzam-se águas territoriais de Omã.

O Irã sempre permitiu que embarcações estrangeiras amigas cruzem suas águas territoriais, nos termos, também, da Parte III da Convenção da ONU sobre “Lei do Mar e de trânsito por mar”, que estipula que as embarcações são livres para navegar pelo Estreito de Ormuz e outros corpos d’água semelhantes, em velocidade constante e sem se deterem, de um porto aberto até águas internacionais. Embora as autoridades de Teerã sigam as rotinas da “Lei do Mar”, Teerã não é legalmente obrigada a segui-las. Como Washington, Teerã também assinou seu específico tratado internacional e jamais o ratificou.

TENSÕES ENTRE EUA E IRÃ NO GOLFO PERSA
Atualmente, o Parlamento (Majlis) iraniano está reexaminando o uso de águas iranianas no Estreito de Ormuz por embarcações estrangeiras. Há projetos de lei em exame, para bloquear o trânsito de embarcações de guerra estrangeiras por águas territoriais iranianas através do Estreito de Ormuz sem prévia permissão das autoridades iranianas; a Comissão de Segurança Nacional e Política Exterior do Parlamento do Irã está examinando projetos de lei que manifestarão a posição oficial do Irã, orientada pelos interesses estratégicos e da segurança nacional do Irã. [1]

Dia 30/12/2011, o porta-aviões USS John C. Stennis passou pela área na qual o Irã desenvolvia exercícios navais. O Comandante das Forças Iranianas Regulares, major-general Ataollah Salehi, alertou o USS John C. Stennis e outros navios dos EUA para que não voltassem ao Golfo Persa enquanto durassem as manobras navais do Irã; acrescentou que o Irã não tem o hábito de dar o mesmo aviso duas vezes. [2] Pouco depois do duro aviso iraniano, o secretário de imprensa do Pentágono respondeu, em declaração em que se lia: “Ninguém, neste governo procura confrontação [com o Irã] no Estreito de Ormuz. É importante baixar a temperatura.” [3]

Num cenário real de conflito militar com o Irã, é bastante provável que porta-aviões dos EUA tenham de, realmente, operar de fora do Golfo Persa, do sul, do Golfo de Omã e do Mar da Arábia. A menos que já seja operacional o sistema de mísseis que Washington está desenvolvendo nas petromonarquias ao sul do Golfo Persa, deve-se contar com a proibição de que grandes naves de guerra dos EUA cheguem ao Golfo Persa. Isso por causas associadas à geografia local e às capacidades de defesa do Irã.

A GEOGRAFIA CONTRA O PENTÁGONO: NO GOLFO PERSA, A FORÇA NAVAL DOS EUA É LIMITADA
As forças navais dos EUA – a Marinha e a Guarda Costeira dos EUA – são as maiores do mundo. Nada se compara às capacidades dos EUA em águas profundas e oceânicas. Mas ser a maior e a mais potente não implica que seja invencível. No Golfo Persa e no Estreito de Ormuz, as forças navais dos EUA são vulneráveis.

Apesar do poder e das muitas capacidades, a geografia trabalha literalmente contra o poder naval dos EUA no Estreito de Ormuz e no Golfo Persa. O Golfo Persa, pelo menos em contexto estratégico e militar, é como um canal. Em termos figurativos, os porta-aviões e grandes navios de guerra dos EUA ficam ali confinados, pode-se dizer, “presos”, nas águas costeiras do Golfo Persa.

É isso, precisamente, que amplia muito as já altas capacidades dos mísseis iranianos. O arsenal de mísseis e torpedos do Irã tem potencial para neutralizar as armas navais dos EUA em águas do Golfo Persa. Por isso, os EUA tanto se empenham hoje para construir um “escudo” de mísseis no Golfo Persa, associando nessa empreitada os países do Conselho de Cooperação do Golfo, já há alguns anos.

Até os pequenos barcos-patrulha iranianos no Golfo Persa, que parecem insignificantes e muito pequenos comparados a um porta-aviões ou a um destróier gigantes, são ameaça considerável às naves de guerra dos EUA naquele cenário. Os barcos-patrulha podem disparar uma barreira de mísseis que, sim, podem danificar muito e, mesmo, destruir grandes navios de guerra. Além disso, os barcos-patrulha iranianos são quase indetectáveis e são alvos difíceis, porque são pequenos e rápidos.

As forças iranianas também podem minar as capacidades navais dos EUA no Golfo com mísseis lançados de terra, do interior do país, nas áreas próximas do norte do Golfo Persa. Já em 2008, o ‘Washington Institute for Near East Policy’ reconheceu a ameaça, para forças navais dos EUA no Golfo, das baterias de mísseis costeiros, dos mísseis terra-mar e dos pequenos barcos armados com mísseis. [4] A Marinha do Irã também conta com drones, veículos anfíbios, minas, equipes de mergulhadores e minissubmarinos, que serão mobilizados em qualquer guerra naval assimétrica contra a 5ª Frota dos EUA.

O próprio Pentágono já comprovou, em simulações, que uma guerra no Golfo Persa seria desastrosa para os EUA. Exemplo disso é a operação “Millennium Challenge 2002” (MC02), simulação de guerra no Golfo Persa, feita entre 24/7/2002 e 15/8/2002, cuja preparação consumiu quase dois anos. Essa manobra naval gigante foi das maiores e mais caras jamais organizadas pelo Pentágono. “Millennium Challenge 2002” foi criada pouco depois de o Pentágono decidir que poderia fazer avançar a guerra no Afeganistão se atacasse Iraque, Somália, Sudão, Líbia, Líbano e Síria, recolhendo, ao final, como grande prêmio, o Irã – numa ampla campanha militar que daria aos EUA a primazia no milênio que se iniciava.

Depois de terminada a operação “Millennium Challenge 2002”, a operação foi oficialmente apresentada como simulação de guerra contra o Iraque de Saddam Hussein. De fato, sempre se tratou do Irã. [5] Os EUA já tinham as avaliações necessárias para a invasão do Iraque, por EUA e Grã-Bretanha, que aconteceria pouco depois. E, detalhe importante, o Iraque jamais teve força naval que exigisse empenho total da Marinha dos EUA.

A Operação “Millennium Challenge 2002” foi, sim, simulação de guerra contra o Irã (na simulação chamado de “Red” [Vermelho] e apresentado como estado “bandido” [orig. “rogue”] do Oriente Médio no Golfo Persa). Só o Irã tem todas as características de território e forças militares apresentadas como de “Red” – dos botes-patrulha armados com mísseis até as unidades de motociclistas. Aquela simulação monstro foi feita porque Washington planejava atacar o Irã imediatamente depois de invadir o Iraque em 2003. (…)

Não há qualquer dúvida entre os especialistas de que o formidável poder naval dos EUA resulta muito reduzido, pela geografia e pelas capacidades militares dos iranianos, no caso de combate no Golfo Persa e, de fato, em grandes partes também do Golfo de Omã. Longe de águas abertas, como no Oceano Índico ou no Oceano Pacífico, os EUA teriam de combater sob condições extremas, sem a garantia de suficiente tempo de resposta e, mais importante, ficarão impedidos de combater de distância (considerada militarmente) segura. Setores inteiros das defesas navais dos EUA, concebidos para combates navais em águas abertas e grandes distâncias entre os combatentes, são absolutamente imprestáveis nas condições de combate no Golfo Persa.

REDUZIR A IMPORTÂNCIA DO ESTREITO DE ORMUZ, PARA ENFRAQUECER O IRÃ?
O mundo inteiro sabe da importância do Estreito de Ormuz. E Washington e seus aliados sabem perfeitamente que os iranianos podem fechar militarmente o estreito por período significativo de tempo. Essa é a razão pela qual os EUA estão trabalhando com países do Conselho de Cooperação do Golfo – Arábia Saudita, Qatar, Bahrain, Kuwait, Omã e Emirados Árabes Unidos – para alterar o trajeto de oleodutos que evitem o Estreito de Ormuz e levem o petróleo do CCG diretamente ao Oceano Índico, Mar Vermelho e Mar Mediterrâneo. Washington também tem pressionado o Iraque para que busque vias alternativas em conversações com a Turquia, a Jordânia e a Arábia Saudita.

Esse projeto estratégico interessa muito também a Israel e à Turquia. Ancara tem mantido discussões com o Qatar sobre a instalação de um oleoduto que chegaria à Turquia através do Iraque. O governo turco tentou que o Iraque se interessasse por ligar os campos de petróleo do sul e do norte a rotas de trânsito que atravessariam a Turquia. É o projeto dos turcos, que se vêem, no futuro, como corredor e importante elo de trânsito e ligação de energia.

Se o petróleo puder ser “desviado”, de modo a não ter de passar pelo Golfo Persa, ter-se-á removido importante elemento de vantagem estratégica a favor do Irã e contra Washington e seus aliados (removendo-se, ao mesmo tempo, parte considerável da importância do Estreito de Ormuz. Esse “desvio” do petróleo pode bem ser considerado exigência importante, em qualquer preparação dos EUA para guerra contra o Irã. Sem isso, pode-se dizer que os EUA não farão guerra ao Irã.

Nesse contexto, inscrevem-se os oleodutos "Abu Dhabi Crude Oil Pipeline” ou “Hashan-Fujairah Oil Pipeline”, projeto patrocinado pelos Emirados Árabes Unidos e que dispensaria rota marítima pelo Golfo Persa e o Estreito de Ormuz. O projeto foi concluído em 2006, o contrato assinado em 2007 e a construção começou em 2008. [8] Esse oleoduto liga diretamente Abdu Dhabi ao porto de Fujairah no litoral do Golfo de Omã, no Mar da Arábia. Em outras palavras, levará o petróleo exportado pelos Emirados Árabes Unidos diretamente ao Oceano Índico. Foi apresentado oficialmente como meio para garantir segurança energética, evitando Ormuz (e tentando evitar também o exército iraniano). Além do oleoduto, o projeto prevê, também, a construção de um reservatório para armazenamento de petróleo em Fujairah – que está previsto para manter o fluxo de petróleo para o mercado internacional, no caso de o Golfo Persa ser fechado. [9]

Além do oleoduto “Petroline” (oleoduto saudita, leste-oeste), a Arábia Saudita também procura rotas alternativas, examinando portos vizinhos na costa sul, na Península Arábica, em Omã e no Iêmen. O porto de Mukalla, no Iêmen, no litoral do Golfo de Aden tem atraído especial atenção de Riad. Em 2007, fontes israelenses informaram, com algum alarde, que começava a ser projetado um oleoduto que ligaria os campos de petróleo sauditas aos portos de Fujairah nos Emirados Árabes, Muscat em Omã e Mukalla no Iêmen. A reabertura do “Oleoduto Iraque-Arábia Saudita” [orig. Iraq-Saudi Arabia Pipeline (IPSA)] – o qual, por ironia, foi construído por Saddam Hussein, que tentava escapar também do Estreito de Ormuz e do Irã – também foi discutida entre sauditas e governo do Iraque em Bagdá.

Se Síria e Líbano fossem convertidos em estados-clientes de Washington, seria possível ressuscitar o falecido oleoduto “Trans-Arabian” (Tapline), além de outras rotas que vão da Península Arábica à costa do Mediterrâneo pelo Levante. Cronologicamente, esse projeto explica os esforços de Washington para derrubar os governos de Síria e Líbano, tentando isolar o Irã, antes de os EUA atacarem diretamente Teerã.

Os exercícios navais da Marinha do Irã, “Operação Velayat-90”, que se realizaram em área bem próxima da entrada do Mar Vermelho no Golfo de Aden, fora de águas territoriais do Iêmen, também se estenderam pela parte do Golfo de Omã frente ao litoral de Omã e litoral leste dos Emirados Árabes Unidos. Dentre outras coisas, a operação “Velayat-90“ deve ser interpretada como sinal de que Teerã está preparada para operar também fora do Golfo Persa; e que pode bombardear ou bloquear também os oleodutos que tentam ‘desviar’ do Estreito de Ormuz.

Também nesse caso, a geografia joga a favor do Irã. As rotas ditas “alternativas”, porque evitam o Estreito de Ormuz, nem por isso alteram o fato de que a maioria dos campos de petróleo dos países que integram o “Conselho de Cooperação do Golfo” localiza-se no Golfo Persa ou em áreas próximas do litoral – o que implica que são alcançáveis pelos mísseis de longa distância dos iranianos. Como no caso do “oleoduto Hashan-Fujairah”, os iranianos podem facilmente interromper o fluxo de petróleo, pode-se dizer, na origem. Teerã, sem dúvida, deslocaria forças de terra, mar e ar, além dos mísseis, e forças anfíbias para todas essas áreas. De fato, o Irã nem precisa fechar o Estreito de Ormuz; os iranianos, de fato, têm ameaçado bloquear o fluxo de petróleo (o que não precisa ser feito, necessariamente, com bloqueio do Estreito de Ormuz).

AOS EUA SÓ RESTOU GUERRA FRIA, NA DISPUTA CONTRA O IRÃ
Washington está em ofensiva contra o Irã, usando todos os meios ao seu alcance. As tensões em torno do Estreito de Ormuz e do Golfo Persa são apenas um dos fronts de uma muito perigosa guerra fria regional, de muitos fronts no Oriente Médio expandido, entre Teerã e Washington. Desde 2001, o Pentágono está em processo de reestruturação para “guerras não convencionais”, pensando em inimigos como o Irã [10]. Mas a geografia sempre operou contra o Pentágono e os EUA – e é o que explica que ainda não tenham encontrado solução para o dilema naval no Golfo Persa. Sem poder recorrer à guerra convencional, os EUA tiveram de recorrer, no caso do Irã, à guerra de espionagem, guerra econômica e guerra diplomática.


NOTAS DO AUTOR
[1] 4/1/2012, Xinhuanet, “Foreign Warships Will Need Iran’s Permission to Pass through Strait of Hormuz”.
[2] 4/1/2012, Fars News Agency, “Iran Warns US against Sending Back Aircraft Carrier to Persian Gulf” January 4, 2011.
[3] 4/1/2012, Reuters, Parisa Hafezi, “Iran threatens U.S Navy as sanctions hit economy”.[4] Fariborz Haghshenass, “Iran’s Asymmetric Naval Warfare” Policy Focus, no.87 (Washington, D.C.: Washington Institute for Near Eastern Policy, September 2010). Livro para download.
[5] 6/9/2002, Julian Borger, “Wake-up call” - The Guardian.
[8] 12/6/2011, Himendra Mohan Kumar, “Fujairah poised to be become oil export hub” Gulf News.
[9] Ibid.
[10] John Arquilla, “The New Rules of War” Foreign Policy, 178 (March-April, 2010): pp. 60-67.”



sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

TEOTÔNIO VILELA E AS PRIVATIZAÇÕES

13/01/2012 - Mauro Santayana em seu blog

As circunstâncias políticas levaram o governador Teotônio Vilela Filho a inscrever-se no PSDB – assim como muitos outros de seus companheiros de geração. Quando o fizeram, o partido surgia como uma grande esperança de centro-esquerda, animada, ainda, de proclamada intenção de saneamento dos costumes políticos. Provavelmente, se seu pai não tivesse morrido antes, ele, durante o governo do Sr. Fernando Henrique Cardoso, teria mudado de legenda. O intrépido e arroubado patriota que foi Teotônio Vilela pai teria identificado, nos paulistas que, desde então, controlam o partido, os entreguistas que, na herança de Collor, desmantelaram o Estado e venderam, a preços simbólicos, os bens nacionais estratégicos aos empresários privados, muitos deles estrangeiros, e teria aconselhado o filho a deixar aquele grupo.

O PSDB – e, com muito mais inquietação, a ala paulista do partido - se assusta com a hipótese de que a abertura do contencioso das privatizações, a partir das revelações do livro de Amaury Ribeiro Júnior, venha a trazer a punição dos responsáveis, e trata de defender-se. Seus dirigentes não parecem muito preocupados com as vicissitudes de José Serra, que não defendem claramente, mas, sim, com a provável devassa de uma Comissão Parlamentar de Inquérito – uma vez que conseguiram que a primeira investigação se frustrasse.

O partido se vale, agora, do Instituto Teotônio Vilela, para defender a entrega do patrimônio público, e isso constrange os que conheceram de perto o grande alagoano e o seu entranhado patriotismo. Ele, se não estivesse morto, iria exigir que retirassem seu nome da instituição, que nada tem a ver com as suas idéias e a sua luta. Mas ele não é o único morto que teria queixas nesse sentido. Como sabemos, os “democratas” deram o nome de Tancredo ao seu instituto de estudos, quando o grande mineiro sempre se pôs contra as oligarquias e sempre se opôs à Ditadura. Só falta, agora, o Instituto Millenium adotar o nome de Vargas.

A “Carta da Conjuntura”, do PSDB, datada de dezembro último, não se limita a cantar loas a Fernando Collor e a Fernando Henrique. Em redação ambígua, dá a entender que coube a Itamar iniciar o processo de privatização da Vale do Rio Doce, consumada em 1997. Vejamos como está redigido o trecho:

“A transferência paulatina de empresas públicas para o capital privado tornou-se política de governo a partir da gestão Fernando Collor, por meio da implantação do Programa Nacional de Desestatização. Dezoito foram vendidas em sua curta passagem pelo Planalto. O presidente Itamar Franco não retrocedeu e manteve a marcha, privatizando mais 15 companhias. Nesta época, os principais alvos foram as siderúrgicas, como a CSN, a Usiminas e a Cosipa, e as mineradoras, como a então Companhia Vale do Rio Doce (hoje apenas Vale). A Embraer também entrou na lista, no finzinho de 1994”.

Ora, é público e notório, para quem viveu aquele tempo – não tão remoto assim – que Itamar reagiu com patriótica indignação contra a privatização da Vale do Rio Doce. Reuniu, em 1997, vários nomes do nacionalismo brasileiro em seu escritório de Juiz de Fora, quando foi redigido – e com minha participação pessoal – um Manifesto contra a medida. Mais ainda: Itamar impediu, como governador de Minas, a privatização da Cemig e de Furnas, como todos se recordam.

Os defensores da privatização usam argumentos que não resistem a um exame combinado da ética com a lógica e a tecnologia. Eles se referem à privatização da telefonia como “a jóia da coroa das privatizações”. A telefonia era, sim, a jóia da coroa do interesse estratégico nacional. E se referem ao aumento e barateamento das linhas telefônicas e dos celulares. A universalização da telefonia e seu custo relativamente baixo, hoje, se devem ao desenvolvimento tecnológico. Com o aproveitamento maior do espectro das faixas de rádio-frequência, a miniaturização dos componentes dos aparelhos portáteis e as fibras óticas – para cuja adequação à telefonia nacional foi decisivo o trabalho desenvolvido pelos técnicos brasileiros da CPQD da Telebrás. Se assim não fosse, os nômades da Mongólia não estariam usando celulares, nem os usariam os camponeses do vasto interior da China, como tampouco os habitantes da savana africana. Como ocorreu no mundo inteiro, o desenvolvimento técnico teria, sim, universalizado o seu uso no Brasil, com a privatização e, principalmente, sem ela.

Tanto é que estamos pagando as mais altas tarifas de telefonia celular e banda larga do mundo, e uma das mais altas em TV a cabo, sem falar na contínua remessa de lucros, que se contam em bilhões de euros, todos os anos, enviadas para acionistas espanhóis, italianos, portugueses, sangria que não existiria, com suas inevitáveis conseqüências para o nosso balanço de pagamentos, se não fossem as privatizações.

Ao ler o texto, lembrei-me dos muitos encontros que tive com Teotônio Vilela, nos seus últimos meses de vida, em São Paulo, no Rio e em Belo Horizonte. Ele lutava com bravura contra o câncer e contra a irresponsabilidade das elites nacionais. A memória daquele homem em que a enfermidade não reduzia a rijeza moral nem o amor ao Brasil – o Brasil dos vaqueiros e dos jangadeiros do Nordeste, dos homens do campo e dos trabalhadores do ABC - me confrange, ao ver seu nome batizando uma instituição capaz de divulgar documentos como esse.

É necessário, sim, rever todo o processo de privatizações, não só em seus aspectos éticos e contábeis, mas também em sua relação com o sentimento nacionalista de nosso povo. Os arautos da entrega alegam, no caso da Vale do Rio Doce, que a empresa tem hoje mais lucros e recolhe mais impostos do que no passado, mas se esquecem de que isso se faz na voraz exploração de nossas jazidas, que jamais serão recuperadas, e sem que haja compensação justa aos municípios e estados produtores.

E há mais: foi o dinheiro brasileiro que financiou a privatização das telefônicas e vem financiando as empresas “compradoras”, como se vê nos repetidos empréstimos do BNDES para sua expansão e fusões, como no caso da Vivo, leia-se Telefónica de Espanha.