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quinta-feira, 30 de maio de 2013

O capitalismo e seus afetos


por Vladimir Safatle*


Para decifrar o desencanto trazido pela crise de 2008 e o esgotamento dos modelos políticos e sociais, é preciso levar em conta os novos desafios da crítica.

Uma importante discussão no interior da filosofia social diz respeito ao modelo de crítica que a contemporaneidade exige. A partir de qual perspectiva deve estruturar-se uma crítica que queira dar conta dos impasses de nossas formas de vida sob o auspício do capitalismo avançado? Em nosso momento histórico, em que procuramos aproveitar o desencanto trazido pela crise econômica de 2008 a fim de mostrar como tal crise é, também, um esgotamento de modelos políticos e sociais, vale a pena ter em vista os novos desafios da crítica. Para tanto, gostaria de lembrar aqui de dois modelos que trazem, entre si, relações importantes, embora se trate de tipos diferentes de crítica.

O primeiro é conhecido pelo nome de “crítica da economia política” e foi, durante muito tempo, a base para pensarmos as figuras da crítica da ideologia e da falsa consciência no capitalismo. Para tal modelo, o capitalismo seria inseparável de um regime de sofrimento social conhecido por “reificação” e que indicaria a coisificação irrefreável das relações intersubjetivas e de si mesmo.

Lembremos aqui da famosa injunção de Marx sobre como as relações entre sujeitos se transforma, no capitalismo, em relação entre coisas. Pois a maneira com que as relações intersubjetivas mediadas pelo trabalho desaparecem nas coisas trabalhadas daria a base para o pior de todos os sofrimentos sociais: o sofrimento de ser tratado e de tratar-se como coisa. Ou seja, como algo, neste contexto, quantificável, mensurável e calculável. Alguns sociólogos, como Josef Gabel, sugeriram que tal modalidade de sofrimento poderia descrever, no seu extremo, uma patologia psíquica ligada a comportamentos psicóticos.

Tal crítica partia da possibilidade de quebrar tal tendência afirmando que a consciência deveria ser capaz de compreender as relações econômicas que definem as dinâmicas da vida social. Haveria uma totalidade acessível à reflexão que se desvelaria a partir do momento em que apreendemos como o movimento de circulação do Capital e de generalização da forma-mercadoria define a racionalidade de todo processo social. Criticar é desvelar a totalidade que a consciência é incapaz de ver, mas que determina sua conduta sem que ela saiba.

No entanto, há um segundo modelo de crítica que poderíamos chamar de “crítica da economia libidinal”. Ele procura partir da ideia de que o capitalismo não é apenas um sistema de trocas econômicas, mas um modo de produção e administração dos afetos. Não se deseja da mesma forma dentro e fora do capitalismo. Há uma maneira de desejar própria do capitalismo, de sua velocidade, seu ritmo, seu espaço.

Assim, se quisermos compreender de onde vem a força de adesão do capitalismo, devemos nos perguntar sobre como ele mobiliza afetos, como ele nos descostuma de certos modos de afecção e como privilegia outros. Não nos perguntaremos apenas sobre como somos alienados de nosso próprio trabalho, mas também como somos alienados de nossos próprios desejos.

Mas quem pode falar sobre um desejo não alienado? Longe de partir de uma pergunta como esta, partiremos de algo menos normativo. Nós simplesmente analisaremos as figuras do sofrimento contemporâneo (como a depressão, o narcisismo, a personalidade borderline, a perversão, o fetichismo, a anomia) e procuraremos nelas não apenas a história individual dos sujeitos que sofrem, mas a história de uma sociedade inconsciente de si mesma.

Nesse caso, o sofrimento psíquico será a porta de entrada para um modelo alternativo de crítica social. Ele não procurará fundar a crítica na possibilidade redentora de uma consciência capaz de apreender a totalidade da vida social e agir a partir de tal perspectiva privilegiada. Na verdade, ele se voltará para os afetos produzidos pelo capitalismo, para a maneira com que ele faz circular o medo, como ele traz uma excitação que ao mesmo tempo é interditada, um prazer que é estragado no momento mesmo de sua enunciação, vinculando afetos sociais e sofrimento psíquico. Nesta dimensão afetiva, talvez encontremos uma crítica que saberá que a primeira condição para a transformação social é modificar a maneira com que desejamos.

* Vladimir Safatle é professor da Faculdade de Filosofia da USP, é autor do livro “A esquerda que não teme dizer seu nome”.

** Publicado originalmente no site Carta Capital.


quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

O povo é uma rainha da Inglaterra

22 jan 2012 - Diego Viana - seu blog Para Ler sem Olhar


Princípio de 1651. Um respeitado editor, de nome Andrew Crooke, discute com um de seus autores o desenho que vai figurar no frontispício de um ainda inédito livro de filosofia política. O sujeito, fazendo esboços e gesticulando muito, quer representar a sociedade civil (ainda não existia a distinção entre a dita cuja e o Estado, como hoje) na figura de um monstro bíblico: o soberano seria a cabeça; o povo, o corpo.

Eles discutem e discutem. Desenhos são feitos e deitados fora. Finalmente, Thomas Hobbes consegue o frontispício que quer para seu Leviatã (ou “Matéria, forma e poder de uma comunidade eclesiástica e civil”). Lá está o soberano, com uma fisionomia que lembra vagamente Cromwell, o rei Charles II e até, de longe, Jesus. Tem longos cabelos ondulados e bigode, porta uma coroa na cabeça, segura com firmeza a espada na mão direita e o cetro na esquerda.

E eis também o curioso torso, formado de corpos que dão as costas ao leitor: o povo tem os olhos voltados para o rei (porque o soberano, aqui, é indiscutivelmente um rei), como se caminhasse em sua direção. Abaixo, o campo e a cidade, bem governados como no painel de Lorenzetti exposto em Siena (link para o Painel de Lorenzetti exposto em Siena
Mais abaixo ainda, os símbolos e os meios do poder: as armas, a religião, a razão, as leis. Hobbes, numa época em que os emblemas imagéticos eram de rigor, insistiu enormemente nesse frontispício, porque lhe parecia a melhor representação possível de sua teoria do contrato social. De fato, a imagem se tornou um ícone nodular da política: quando alguém quer falar em absolutismo, ou mesmo em governo grande demais, logo crava: “Um Leviatã!”.



Princípios de 2012
Penso no publicitário que bolou o projeto reportado neste link (pra quem não tem paciência de clicar: são crianças fazendo autorretratos para formar a imagem da rainha Elisabeth, em celebração de seus 60 anos de reinado - http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/01/120112_rainha-desenhos_rc.shtml)

E me pergunto se ele tinha em mente o frontispício de Hobbes. É claro que não. Também me pergunto em que medida ele conhece essa imagem. Provavelmente não se lembra dela, provavelmente não sabe de onde veio, mas sem dúvida, sendo inglês, passou os olhos por ela quando estudante. É um elemento cultural importante naquele país, para o bem e para o mal, queira ou não queira o publicitário.

Ou seja, o Leviatã não é uma referência para ele (espero que não; só se for um louco), nem é uma citação. O mais provável é que ele esteja navegando – bem preguiçosamente, diga-se de passagem – a onda de capas de revista e painéis de artistas plásticos que repetem esse procedimento. Mas, por uma dessas voltas que gosta de dar a história, essa rainha dos redemoinhos e dos destroços, eis que aquela outra rainha, a da Inglaterra, se vê representada quase da mesma maneira como o foi um dia o paradigma dos monarcas absolutos. Senão como um monstro marinho saído da Bíblia, ao menos como um mosaico de súditos.

Posso estar exagerando, mas não estou. Pelo menos no sentido de que os chefes do publicitário em questão deveriam ter percebido que essa associação era possível. Ou então, o mínimo que se poderia esperar era que os funcionários da monarquia britânica alertassem para comparações que eventualmente, ou certamente, viriam. Nem que fosse em algum rincão do mundo infestado de mosquitos, como aquele Brasil de PIB avantajado como nádegas de mulatas. Para ser honesto, não consigo evitar de associar esse silêncio a uma decadência cultural.

Falando em decadência: houve um tempo em que a rainha da Inglaterra era a pessoa mais poderosa do mundo, em particular uma rainha de nome Victoria. Hoje, “rainha da Inglaterra” é uma expressão que conota justamente o oposto: uma figura que não manda em ninguém. “Fulano é uma rainha da Inglaterra”: tem um cargo, ganha um dinheirão, mas é só um nome com um título pomposo, nada mais.

Impossível não prosseguir no paralelo, enxergando na brincadeira do Jubileu da Rainha algum tipo de metáfora com a situação da Europa, particularmente naquele que foi seu pais mais poderoso, a ponto de nem mesmo se considerar parte do continente. Inglaterra, o povo que esnobou o euro, mas nem por isso deixa de estar na merda… Agora tenta recuperar seu amor-próprio representando sua rainha da Inglaterra – a original, não aceite imitações – da mesma maneira como outrora representou o ápice da potência monárquica. Triste ironia, não?

A brincadeira está boa, então que prossiga. Será que dá para fazer alguma metáfora a partir do fato de que são crianças que estão preparando o retrato da rainha com seus próprios rostos? Sim, claro que dá. Certa vez, entrevistaram um sujeito que vive na Côte d’Azur e seria o herdeiro do trono russo se os bolcheviques não tivessem dado cabo do czarismo em 1917. Perguntaram ao tal sujeito com que olhos ele via a população russa, que até hoje não manifesta o menor desejo de restaurar os Romanov, mesmo 20 anos depois da queda do comunismo. Resposta, de bate-pronto: “eles são meus filhos” – assim mesmo, categórica, sem deixar margem a questionamentos.

A imagem paternal (ou maternal, no caso) dos reis é um velho topos monárquico. Aliás, não é significativo que um poder absoluto e orientador, mas não aristocrático, como o imaginado por George Orwell em 1984, seja representado não como um pai, mas como um “grande irmão”? O fato é que as nações, em outras eras, eram representadas como famílias, tendo o monarca como figura paterna. Ora, a imagem de um rei como pai traduz o princípio de que ele deve proteger, orientar, defender e até, em certas circunstâncias, sustentar seus súditos.

É claro que uma parte dessa imagem desbotou com a progressiva instalação de monarquias constitucionais. Mas sobrou alguma coisa, particularmente o aspecto simbólico da paternidade, (ou seria do patriarcalismo?), que de vez em quando reaparece em filigrana no discurso monárquico. “A Bélgica só não se esfacelou porque tem a figura unificadora de um rei”, “Juan Carlos garantiu a democracia na Espanha com a força de sua pessoa”, “Charles não pode ser rei porque não transmite a moralidade britânica”…

E eis que agora a presença de uma crise, mais do que econômica, sócio-histórica, associada à dificuldade em manter as ralés quietinhas, reúne as duas pontas da noção de realeza. Por um lado, as criancinhas, metonímia para o brioso ex-império, unindo forças para buscar alguma resposta – nem que seja uma auto-imagem pixelada – em sua grande-mãe, ícone da resistência, da identidade nacional, do poder inquebrantável e inamovível. Por outro, a constatação difusa, inconsciente, desconfortável da perda de soberania. Ali mesmo na coroa intrépida do Commonwealth, enfraquecida não pelo triunfo das instituições transnacionais, mas pelos imperativos da City, que selam um destino iniciado com as guerras coloniais e imperialistas da belle époque.

Já que enveredei por essas metáforas visuais, vou até o fim. Colocando-se na posição de criancinhas, de filhos, de corpos inocentes, desamparados e – eis a parte crucial – disponíveis, os ingleses tentam reconstruir, sem saber, a figura que melhor conhecem para representar uma soberania sólida, resistente, visível. Como quem molda um Golem, o inconsciente coletivo da velha Albion espera que a imagem sorridente de Elizabeth absorva a energia das criancinhas, assuma seu posto de Leviatã e esmague os inimigos, isto é, a crise, a decadência, os microscópicos esporos de rebelião que ameaçam constantemente se espraiar pelas ruas. Não deixa de ser, modus in rebus, uma mensagem de esperança…

Voltando um pouco a Hobbes: um outro livro seu oferece uma concepção mais nuançada da soberania e dessa assustadora figura do Leviatã. É o Cidadão, ou De Cive. Nesse texto, encontramos o seguinte trecho, ousado como poucos que já li, sublinhando a necessidade de distinguir entre o povo e a multidão para associar o poder civil de decidir e agir à própria existência de um povo:

“O povo é algo uno, com uma vontade una, e a quem se pode atribuir uma ação. Nada disso pode ser dito da multidão. O povo rege em todos os governos. Até em monarquias o povo comanda, porque a vontade do povo é a vontade de um homem; mas a multidão são os cidadãos, ou seja, os súditos. Na democracia e na aristocracia, os cidadãos são a multidão, mas a corte é o povo. E na monarquia, os súditos são a multidão, e, por mais que soe paradoxal, o rei é o povo. (…) Fala-se no ‘grande número de homens’ como sendo o povo, ou seja, a cidade; dizem que a cidade se rebelou contra o rei (o que é impossível) e falam em vontade do povo, em vez de súditos descontentes que, passando-se por povo, agitaram os cidadãos contra a cidade, isto é, a multidão contra o povo.” (Capítulo XII – VIII)

Sem subscrever a Hobbes, o que aparece aqui é que o Leviatã do outro livro, que representa a soberania, não o Estado, pode ter múltiplas configurações, contanto que produza a unidade da legislação civil que salvaguarde a cidade do tão perigoso direito natural. Hobbes vê na monarquia absolutista o caminho mais certo, não necessariamente o único, para chegar a isso.

Hoje, os mecanismos legais são outros e ninguém precisa mais concordar com Hobbes, pelo menos quanto ao único caminho realmente viável que ele enxerga. Mas a imagem de que a sociedade consiste em formar um corpo uno em vontade e ação nunca foi inteiramente abandonada pela imaginação política, ao menos na tradição ocidental. Volta e meia algo assim é evocado: “governo de união nacional”, a “pátria indivisível” e assim por diante. O que varia é a estratégia para lidar com o dissenso, prova incontornável de que o estado de natureza está sempre aí, no coração de qualquer configuração civil (algo que Hobbes, por exemplo, nunca vislumbrou).

Montar um retrato da rainha com milhares de rostos de crianças, desenhados por elas mesmas, não deixa de ser a expressão de um tal desejo de unidade: “somos todos parte dessa nação”, “pertenço a algo que é maior do que eu” e assim por diante. Talvez seja o caso, porém, de destacar a diferença entre o retrato de Elizabeth e o frontispício do Leviatã. Afinal, um corpo não é um rosto e Hobbes deixou isso bem claro ao desenhar o soberano com a fisionomia de um rei e relegar o povo à configuração das entranhas e dos membros.

A idéia de que a multidão indistinta possa formar a própria cabeça, o ápice da soberania (palavra usada por Hobbes em sua própria tradução para o latim, bem como pelos demais autores da época: imperium) e do poder, é bem posterior a Hobbes e data do surgimento da tal “sociedade de massas”: a virada do século XIX para o XX. Essa tal “sociedade de massas” poderia ser um oximoro, ainda mais se levamos em conta a distinção que Hobbes faz aí acima entre o povo e a multidão. De fato, em toda a tradição do pensamento ocidental até fins do século XIX, o povo e a multidão (depois massa) eram conceitos opostos e conflitantes.

Quando surgiu a “sociedade de massas” (leia-se sociedade industrial, com produção e consumo de massa), foi preciso repensar essa distinção. Surgiram duas vias, falando grosseiramente. A primeira, não cronologicamente, eu diria, mas para a ordem desta exposição, é a via democrática, em que sobressaem a noção de opinião pública e os graduais esforços de organização da sociedade civil para ampliar o acesso a direitos – ou seja, à cidadania, a “ser povo” na acepção de Hobbes.

A segunda é a via autoritária, que vale sublinhar aqui. Nela, tenta-se reconquistar a unidade desejada por Hobbes não pela ampliação dos campos contemplados pela vida civil, mas pela fusão das massas no bojo do seu próprio comando. Não é à toa que todos os regimes extremamente autoritários do último século se apresentavam como “do povo” ou “dos trabalhadores”, fossem “de direita” ou “de esquerda”. O mais importante a frisar aqui é que, na grande maioria dos casos, foi a própria população que, a partir de um estado de desespero, buscou essa via autoritária, pediu por ela, entregou-se com um gozo às vezes catártico a sua figura de liderança absoluta.

Longe de mim dizer que o Reino Unido está à beira de um regime como as ditaduras que presenciamos no século XX. Mas o desejo seminal está lá. O “ovo da serpente”, digamos, está expresso na reação violenta aos saques do ano passado e na fusão de milhares de faces de crianças na imagem da rainha: ingleses infantilizados dissolvendo sua própria pele para entregar suas feições a um único e gigantesco rosto real.

A rainha da Inglaterra que continue sendo uma rainha da Inglaterra: seus traços aristocráticos não deixam de ser o arquétipo de qualquer monarquia, qualquer estrutura de comando através de um paradigma de unidade, qualquer Leviatã com cetro, coroa e espada. Mesmo enquanto ela inocentemente caça perdizes em Windsor, exercendo sua rainha-da-Inglaterra-ice, a fisionomia real serve plenamente de vetor para todos os outros elementos: o desespero, o orgulho ferido, o desejo de unidade, a necessidade de traçar fronteiras entre o de dentro e o de fora, a disposição em abrir mão de um pouco mais de individualidade – e de liberdade – em troca de um pouco mais de segurança. Enfim, a disponibilidade para fazer parte de uma grande família.

Exagerei no paralelo? Certamente, mas garanto que o possível, o potencial, é tão bem mais real do que seu opaco caso particular: o efetivo. Até porque a efetividade, sendo a concretização de um potencial, às vezes, dependendo das circunstâncias, pode atualizar os mais extremos dos potenciais. Basta, para isso, que as próprias circunstâncias sejam extremadas. Eventualmente acontece.

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quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Marcio Pochmann: Brasil poderia ter superado pobreza há 20 anos

Nota do EDUCOM: o governo pode estar perdendo um de seus melhores quadros...

Dayanne Sousa, do Terra Magazine
Pochmann, presidente do Ipea. Foto: A. Cruz/ABr
Se as políticas de desenvolvimento social tivessem acompanhado o crescimento da economia há décadas, a pobreza estaria extinta há pelo menos 20 anos, pondera o economista Marcio Pochmann. O presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) avalia que a presidente Dilma Rousseff tem condições de cumprir sua principal promessa de campanha: superar a miséria.

Um estudo do Ipea divulgado no início do ano prevê que a pobreza extrema seja erradicada no Brasil até 2016.
- A possibilidade de superarmos a pobreza é algo que faz parte da agenda de superação do próprio subdesenvolvimento. O que nós estamos vendo agora é um avanço mais rápido do padrão social e por isso que o Brasil consegue ter esse indicativo de superação da pobreza nos próximos cinco ou seis anos.

Em entrevista a Terra Magazine, Pochmann destaca o desenvolvimento dos últimos anos e os programas sociais do governo Lula.
- Eu acho que nós só podemos comparar o desempenho brasileiro deste ano com o que nós vivenciamos na primeira metade da década de 70, com o chamado Milagre Econômico. Mas esse crescimento de agora tem distribuição de oportunidades.

Apesar dos elogios, ele acredita que Dilma terá desafios maiores. Entre eles, lidar com novas características da economia como o aumento da população idosa e o crescimento da importância do setor de serviços. Além disso, o ministro da Fazenda, Guido Mantega - que continuará na pasta -, já anunciou a necessidade de cortes nos gastos públicos nos próximos anos.

Para Pochmann, o corte deve ser nos gastos improdutivos, como os provocados pelos altos juros.
- Nós vínhamos num ritmo bastante acelerado, crescendo acima de 7% ao ano. E possivelmente teremos um crescimento menor para 2011. Ao redor de 5%, o que já é bastante grande olhando o período recente do Brasil. Uma coisa é o custeio, outra coisa é o investimento. Espero que essas decisões considerem o teor do investimento, que é crucial.

Leia a entrevista na íntegra.

Terra Magazine - A ascensão social e o crescimento da classe C nos últimos anos foram destacados no governo Lula. A que isso se deve?
Marcio Pochmann - Se nós olharmos ao longo do século 20, o Brasil foi uma das nações que mais cresceu do ponto de vista econômico, ampliando a base material que permitiu que deixássemos de ser um país agrícola e nos transformássemos num país industrial. A despeito desse avanço econômico, os avanços sociais foram relativamente pequenos quando a gente olha o conjunto da população. O Brasil não fez o conjunto das reformas que os outros países fizeram, não fez reforma agrária, não fez reforma social, não fez reforma tributária. É natural que sem essas reformas não pudessem ser mais bem distribuídos os ganhos que o Brasil obteve. Apesar dessa característica de um processo muito concentrador, nós sempre tivemos uma forte mobilidade social. É uma característica do capitalismo brasileiro. Mas nas décadas de 80 e 90 essa mobilidade foi reduzida. Era cada vez mais difícil que os filhos de classe média conseguissem reproduzir o padrão de seus pais. O que nós temos nesta primeira década do século 21 é a forte mobilidade social. O desafio do próximo governo é como abrir as oportunidades não apenas para a base da pirâmide social, mas também acima dos níveis intermediários.

Como assim?
Isso depende não apenas do crescimento da economia, mas do tipo e da natureza do crescimento. Porque crescer é importante, mas depende do tipo. O desenvolvimento fundado na produção de commodities permite a economia crescer, mas as oportunidades, a qualidade das ocupações é diminuta. A expansão de setores de maior valor agregado pode permitir a contratação de pessoas com salários maiores.

No final de 2009, o senhor disse em entrevista a Terra Magazine que 2010 seria o melhor ano para o Brasil. Foi, de fato?
Eu acho que nós só podemos comparar o desempenho brasileiro deste ano com o que nós vivenciamos na primeira metade da década de 70, com o chamado Milagre Econômico. Só que esse desempenho de 2010 é diferente daquele. Nós crescemos um pouco menos, mas esse crescimento de agora tem distribuição de oportunidades. Com saída da pobreza de parcela significativa da população e ampliação das oportunidades escolares. Um país que está crescendo sem depender do mercado externo, contrário do que era no Milagre Econômico. É muito mais saudável o que está acontecendo neste ano de 2010. Especialmente pelo número de empregos formais, que é uma coisa impressionante.

A presidente Dilma fez uma promessa de erradicar a miséria. Isso é possível? Como?
Quando nós falamos em nova classe média no Brasil, causamos a falsa impressão de que se trata de uma classe média com padrão de vida europeu. Isso não é verdade, estamos num país que carrega as condições de um país subdesenvolvido. A possibilidade de superarmos a pobreza é algo que faz parte da agenda de superação do próprio subdesenvolvimento. É estranho que o Brasil - já sendo a oitava economia do mundo na década de 70 - tivesse 40% da sua população vivendo na condição de pobreza. Nós poderíamos ter superado a pobreza há 20 anos. É bastante peculiar no Brasil o disparate entre a base material e econômica que o país possui e o padrão social. O que nós estamos vendo agora é um avanço mais rápido do padrão social e por isso que o Brasil consegue ter esse indicativo de superação da pobreza nos próximos cinco ou seis anos. Isso é viável. É evidente que precisa crescer e sofisticar melhor as políticas sociais, mas não é impossível.

E quais os desafios, então?
Cada vez mais a gente vem enfrentando a nova pobreza. Ela é caracterizada, em primeiro lugar, pela transição demográfica que nós estamos vivendo. Um processo acelerado de envelhecimento dos brasileiros. Infelizmente o Brasil ainda não está preparado para lidar com uma parcela significativa da população em condição de pobreza. Temos 3 milhões de pessoas com mais de 80 anos e em 2030 pode ter cerca de 20 milhões de pessoas com 80 anos ou mais. Isso significa considerar um fundo público de políticas nesse segmento e políticas de saúde nessa direção. Também estamos vivendo uma transição do ponto de vista da organização da economia, que está cada vez mais centrada nos serviços. Isso não quer dizer que a indústria e a agricultura não sejam importantes, mas nós vamos gerar emprego é no setor de serviços. Isso pressupõe uma nova forma de olhar essas ocupações, pressupõe olhar o conhecimento como a principal forma de manejo. E nós temos problemas sérios na educação.

A necessidade já anunciada pelo ministro Guido Mantega de fazer cortes nos gastos públicos pode prejudicar os investimentos na área social?
Nós vínhamos num ritmo bastante acelerado, crescendo acima de 7% ao ano. E possivelmente teremos um crescimento menor para 2011. Ao redor de 5%, o que já é bastante grande olhando o período recente do Brasil. Uma coisa é o custeio, outra coisa é o investimento. Espero que essas decisões considerem o teor do investimento, que é crucial uma vez que o investimento é a melhor política para conter a inflação. O investimento permite ampliar a capacidade produtiva gerando mais produtos e serviços e evitando uma inflação de demanda.

O senhor acha que seja necessário reduzir os gastos públicos?
Sim. Se olharmos o gasto como um todo, incluída a despesa com juros, eu não tenho dúvida. Nós temos todas as condições de reduzir a despesa pública, especialmente aquela que é improdutiva para o país: a despesa com os juros. O Brasil está gastando de 5% a 6% do PIB. Isso é um gasto elevadíssimo, um absurdo.

A economia já cresce o suficiente para que seja possível haver ajuste fiscal sem que isso afete o crescimento da economia?
Eu acredito que nós já abandonamos essa fase de ajuste fiscal. Essa política sofreu uma derrota nas últimas três eleições. O Brasil, de uns tempos para cá, trocou o ajuste fiscal pelo desenvolvimento. O que está em jogo neste momento é: quais são as condições macroeconômicas para garantir o desenvolvimento brasileiro. As finanças públicas são o meio, não o fim. Nos anos 90, o ajuste fiscal era o fim. O governo estava organizado para o ajuste fiscal. E lamentavelmente o que nós vimos foi um aumento do endividamento público, especialmente comparado ao PIB. E o aumento da carga fiscal. Hoje o que estamos verificando é que a dívida pública caiu. E não porque teve ajuste fiscal, mas porque a produção cresceu mais rapidamente.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Matéria do Globo sobre investimentos incorre em erro grosseiro

José Augusto Valente, da Agência T1, via Luis Nassif On Line
Matéria de capa de O Globo de hoje (29/12/2010) incorre em erro grosseiro ao passar uma idéia ao leitor de que é possível pagar todos os recursos orçamentário no ano da sua vigência.

A manchete de que “Governo só investiu 26% do previsto no ano todo” erra duas vezes:

. Ao desconsiderar que é impossível a total execução financeira dos investimentos, no ano do seu orçamento. Portanto, a conta certa são os 26% do orçamento de 2010 MAIS o Restos a Pagar executado relativo a 2009, porque é assim que funciona a Administração Pública. Quando, no texto, leva isso em consideração, o montante chega a 58,6%. Não quero discutir se é muito ou pouco, já que é pouco relevante, pela explicação abaixo.

. Ao desconsiderar a importância da execução física, que é o que interessa aos usuários e aos contribuintes. A estes pouco importa se o governo já pagou ou se pagará no futuro. O importante é que parte ou toda a obra tenha sido executada.

Para correto esclarecimento aos nossos leitores, reafirmamos: é impossível a qualquer governo, de qualquer partido, pagar todo o investimento previsto, no ano do seu orçamento.

Vamos aos fatos:

Grande parte dos investimentos autorizados no orçamento anual é de obras. Como funciona o processo, até o seu pagamento?

. A obra é contratada e um empenho é feito pelo administrador. O empenho representa a previsão de gasto, em geral, a cada ano da obra.

. A obra é iniciada e, a cada mês, é feita a medição dos serviços realizados. A empresa apresenta um relatório e a fiscalização atesta ou não as quantidades apresentadas.

. Uma vez atestada a medição, a fatura vai para liberação para pagamento. É o que se chama liquidação. A liquidação representa a seguinte posição da administração pública: “devo não nego, pagarei quando puder”.

. Se a obra estiver contemplada no PAC, o “quando puder” ocorre mais cedo do que das demais que não estão.

. Ainda assim, entre a execução física da obra e o seu pagamento decorre um tempo necessário de tramitação de, no mínimo, dois meses.

. Logo, tudo o que foi executado após o início de novembro somente será pago no ano seguinte, via rubrica Restos a Pagar.

Então, como queríamos demonstrar, é impossível pagar as obras e serviços realizados nos meses de novembro e dezembro no ano de vigência do orçamento. É assim no governo federal, nos governos estaduais e nas prefeituras. Idem no Judiciário e Legislativo.

***

Além dessa tramitação legal (e lógica) da administração pública, que não pode pagar o todo ou parte da obra não executada, há as situações normais de contingenciamento, que normalmente ocorrem no início do ano e que são uma precaução necessária da administração pública, diante da incerteza natural de que as receitas ocorrerão conforme a previsão quando se votou o orçamento.

Assim, todo governo (federal, estadual e municipal), contingencia (ou “corta”, como a imprensa gosta de escrever) recursos para evitar que os gestores (das obras e serviços) autorizem gastos cuja receita possa não ser atingida no tempo certo. Ou seja, o empenho é para o ano todo mas a receita entra mês a mês. Tem que haver, portanto, sincronia entre a entrada de dinheiro nos cofres públicos e a respectiva saída.

Como conseqüência disso, ocorre uma corrida para gastar o autorizado nos últimos três meses do ano, quando já se tem uma visão mais segura do fluxo financeiro. Ainda nestes últimos dias do ano estarão sendo pagos elevados volumes de obras realizadas.

Concluímos propondo ao jornal O Globo - e à excelente jornalista Regina Alvarez, que não faria a tal manchete - que toda vez que avaliar o desempenho de um governo leve em conta as informações apresentadas acima, enfatizando o mais importante (a execução física) e falando corretamente sobre a execução orçamentária e financeira.

Crise neoliberal e sofrimento humano

Leonardo Boff, teólogo*
O balanço que faço de 2010 vai ser diferente. Enfatizo um dado pouco referido nas análises: o imenso sofrimento humano, a desestruturação subjetiva especialmente dos assalariados, devido à reorganização econômico-financeira mundial.

Há muito que se operou a "grande transformação" (Polaniy), colocando a economia como o eixo articulador de toda a vida social, subordinando a política e anulando a ética. Quando a economia entra em crise, como sucede atualmente, tudo é sacrificado para salvá-la. Penalisa-se toda a sociedade como na Grécia, na Irlanda, em Portugal, na Espanha e mesmo dos USA em nome do saneamento da economia. O que deveria ser meio, transforma-se num fim em si mesmo.

Colocado em situação de crise, o sistema neoliberal tende a radicalizar sua lógica e a explorar mais ainda a força de trabalho. Ao invés de mudar de rumo, faz mais do mesmo, colocando pesada cruz sobre as costas dos trabalhadores. Não se trata daquilo relativamente já estudado do "assédio moral", vale dizer, das humilhações persistentes e prolongadas de trabalhadores e trabalhadoras para subordiná-los, amedrontá-los e, por fim, levá-los a deixar o trabalho. O sofrimento agora é mais generalizado e difuso afetando, ora mais ora menos, o conjunto dos países centrais. Trata-se de uma espécie de "mal-estar da globalização" em processo de erosão humanística.

Ele se expressa por grave depressão coletiva, destruição do horizonte da esperança, perda da alegria de viver, vontade de sumir do mapa e até, em muitos, de tirar a própria vida. Por causa da crise, as empresas e seus gestores levam a competitividade até a um limite extremo, estipulam metas quase inalcançáveis, infundindo nos trabalhadores, angústias, medo e, não raro, síndrome de pânico. Cobra-se tudo deles: entrega incondicional e plena disponibilidade, dilacerando sua subjetividade e destruindo as relações familiares. Estima-se que no Brasil cerca de 15 milhões de pessoas sofram este tipo de depressão, ligada às sobrecargas do trabalho.

A pesquisadora Margarida Barreto, médica especialista em saúde do trabalho, observou que no ano passado, numa pesquisa ouvindo 400 pessoas, que cerca de um quarto delas teve ideias suicidas por causa da excessiva cobrança no trabalho. Continua ela: "é preciso ver a tentativa de tirar a própria vida como uma grande denúncia às condições de trabalho impostas pelo neoliberalismo nas últimas décadas". Especialmente são afetados os bancários do setor financeiro, altamente especulativo e orientado para a maximalização dos lucros. Uma pesquisa de 2009 feita pelo professor Marcelo Augusto Finazzi Santos, da Universidade de Brasília, apurou que entre 1996 a 2005, a cada 20 dias, um bancário se suicidava, por causa das pressões por metas, excesso de tarefas e pavor do desemprego. Os gestores atuais mostram-se insensíveis ao sofrimento de seus funcionários, acrescentando-lhes ainda mais sofrimento.

A Organização Mundial de Saúde estima que cerca de três mil pessoas se suicidam diariamente, muitas delas por causa da abusiva pressão do trabalho. O Le Monde Diplomatique de novembro do corrente ano, denunciou que entre os motivos das greves de outubro na França, se achava também o protesto contra o acelerado ritmo de trabalho imposto pelas fábricas causando nervosismo, irritabilidade e ansiedade. Relançou-se a frase de 1968 que rezava: "metrô, trabalho, cama", atualizando-a agora como "metrô, trabalho, túmulo". Quer dizer, doenças letais ou o suicídio como efeito da superexploração capitalista.

Nas análises que se fazem da atual crise, importa incorporar este dado perverso que é o oceano de sofrimento que está sendo imposto à população, sobretudo, aos pobres, no propósito de salvar o sistema econômico, controlado por poucas forças, extremamente fortes, mas desumanas e sem piedade. Uma razão a mais para superá-lo historicamente, além de condená-lo moralmente. Nessa direção caminha a consciência ética da humanidade, bem representada nas várias realizações do Fórum Social Mundial, entre outras.
*Leonardo Boff é autor de "Proteger a Terra-Cuidar da vida: como evitar o fim do mundo" - Record, 2010

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Conferência do IPEA debate desenvolvimento do Brasil

Por Marco Aurélio Weissheimer, da Carta Maior
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) promove, entre os dias 24 e 26 de novembro, em Brasília, a 1ª Conferência do Desenvolvimento (Code), um encontro destinado a discutir planejamento e estratégias de desenvolvimento para o Brasil. Será uma conferência diferente das tradicionais lembrando um pouco o formato do Fórum Social Mundial. Um espaço de 10 mil metros quadrados foi construído no canteiro central da Esplanada dos Ministérios (em frente à Catedral de Brasília) para a Code.

Durante os três dias, serão nove painéis temáticos sobre o desenvolvimento, 88 oficinas, 50 lançamentos de livros, vídeos, exposições e shows artísticos e culturais. São esperados mais de 200 palestrantes e debatedores, entre conselheiros, diretores e técnicos de planejamento e pesquisa do instituto e acadêmicos de autoridades de todas as regiões do país. Até sexta-feira, já havia cerca de 4 mil inscritos para o encontro.

Marcio Pochmann, presidente do Ipea
Possivelmente, será um dos maiores eventos sobre o tema já realizados no Brasil, diz Marcio Pochmann, presidente do IPEA (foto ao lado). A Code se assemelha às grandes conferências temáticas realizadas no governo Lula, explica Pochmann, com a diferença de que não tratará de apenas um tema. Ao tratar da questão do desenvolvimento, estaremos discutindo estratégias e políticas sobre saúde, educação, ciência e tecnologia, entre outras áreas.

O objetivo do encontro é criar um espaço nacional de debates no coração do Brasil, no momento em que o país volta a discutir planejamento e estratégias de desenvolvimento. Esses debates estarão organizados em torno de sete grandes eixos temáticos do desenvolvimento definidos pelo IPEA: inserção internacional soberana; macroeconomia para o desenvolvimento; fortalecimento do Estado, das instituições e da democracia; estrutura tecnoprodutiva integrada e regionalmente articulada; infraestrutura econômica, social e urbana; proteção social, garantia de direitos e geração de oportunidades; e sustentabilidade ambiental.

“Para nós do IPEA”, diz Pochmann, “é uma mudança institucional de grande porte”. “Até aqui, historicamente, os nossos debates sempre foram mais internos. Agora, estamos nos abrindo ao público e convidando representantes da sociedade a debater o presente e o futuro do país”. Essa novidade apareceu já na organização do evento, que conta com o apoio de 45 instituições da sociedade civil, entre sindicatos de trabalhadores e de empresários, entidades de classe, instituições de pesquisa e outras organizações.

O debate de fundo sobre o desenvolvimento do Brasil, observa o presidente do IPEA, ficou congelado durante cerca de 25 anos, a partir das crises que o país enfrentou nas décadas de 80 e de 90. Entre 1930 e 1980, assinala, o Brasil teve um grande salto de crescimento que não foi capaz, contudo, de enfrentar o problema da desigualdade social. A crise da dívida, a partir da década de 80, acabou por desfazer uma maioria política que até então governava o país. Nesse período, a economia brasileira que chegou a ser a oitava do mundo caiu para o 14° lugar. “A desigualdade, que já era grande, ficou congelada”, assinala Pochmann. E acrescenta:

“Agora, na primeira década do século 21, tivemos uma reorganização de uma maioria política em torno dos dois mandatos do presidente Lula. Com ela, abriu-se a possibilidade de um novo padrão de desenvolvimento capaz de combinar crescimento econômico, redução da desigualdade social e sustentabilidade ambiental”.

Os desafios e oportunidades colocados por esse novo padrão de desenvolvimento serão o tema central do encontro de três dias em Brasília. “Estaremos discutindo temas que representam gargalos e entraves ao nosso desenvolvimento. Alguns carregamos do passado, outros são temas do futuro”, resume Pochmann. Entre os temas do passado, destaca-se, por exemplo, o perfil da economia brasileira, ainda preso à produção e exportação de bens primários. “Já sabemos que esse modelo não é capaz de gerar empregos de qualidade, educação de qualidade e melhores salários. O Brasil precisa mudar sua relação com o mundo e isso passa, entre outras coisas, pela integração regional, por investimentos pesados em educação, epelo aprimoramento da nossa estrutura de Defesa que hoje não tem condições de defender todas as nossas fronteiras e recursos naturais”.

Em relação aos temas do futuro, Pochmann destaca a necessidade da refundação do Estado brasileiro, especialmente no que diz respeito ao seu funcionamento. Neste debate, a Reforma Tributária ocupa um lugar central. O Brasil precisa mudar o atual padrão regressivo de tributação, onde quem tem menos acaba pagando mais. Essa mudança é condição básica também para a implementação de investimentos massivos em educação, sem os quais o país não desatará os nós que ainda o amarram a um passado de desigualdades econômicas, sociais e regionais.

O presidente do IPEA também chama a atenção para a mudança do perfil demográfico brasileiro, registrada na última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e que deve ser confirmada no Censo que está sendo realizado este ano. A partir de 2030, o Brasil deve ter regressão populacional, ou seja, o número de pessoas que vão nascer deve ser menor do que o número de pessoas que vão morrer. Essa tendência, destaca Pochmann, é diferente das previsões que eram feitas para o Brasil. “O cenário que temos pela frente é de redução da população jovem e de alteração radical da estrutura familiar. Em pouco tempo, teremos que discutir políticas de estímulo à natalidade”.

Outro ponto fundamental neste debate, destaca ainda Pochmann, é o da transição do trabalho material para o trabalho imaterial. “O conhecimento passa a ser cada vez mais estratégico, exigindo uma educação continuada, uma educação para toda a vida. As grandes empresas já perceberam isso e passaram a investir pesadamente em universidades corporativas”. O debate sobre a melhoria do sistema educacional brasileiro deverá enfrentar esse tema que hoje não está elaborado. Pochmann resume assim um dos principais problemas relacionados a esse tema:

Hoje, no Brasil, os filhos dos pobres estão condenados ao ingresso no mercado de trabalho muito cedo, o que implica, muitas vezes, o abandono da escola, quando não a combinação de brutais jornadas de atividades de 16 horas por dia (8 horas de trabalho, 2 a 4 horas de deslocamentos e 4 horas de freqüência escolar). A aprendizagem de qualidade torna-se muito distante nessas condições. Os filhos dos ricos, por sua vez, permanecem mais tempo na escola, ingressam mais tardiamente no mercado de trabalho e acabam ocupando os principais postos, com maior remuneração e status social, enquanto os filhos dos pobres seguem disputando a base da pirâmide do mercado de trabalho, transformado num mecanismo de reprodução das desigualdades no país.

Esse é um dos principais entraves para que o novo modelo de desenvolvimento que se quer implementar no Brasil alie crescimento econômico com justiça social. E esse será também um dos pontos centrais da conferência que ocorrerá esta semana em Brasília.

Maiores informações sobre a conferência, como a programação completa do encontro, podem ser acessadas no site do evento. As principais conferências serão transmitidas ao vivo pela internet.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Gasto militar mantém equilíbrio do terror financeiro nos EUA

Por Osvaldo Martinez*
A estrutura do orçamento dos EUA e a lógica de sua política econômica é a de uma economia de guerra na qual o gasto militar exacerba o déficit fiscal, mas permite o funcionamento de um “equilíbrio do terror financeiro”, repassa imensos lucros ao complexo militar industrial e mantém uma chantagem global baseada na força militar.

Uma simples olhada no orçamento de 2010 dos Estados Unidos permite examinar a magnitude do gasto militar e o papel que este joga em conjunto com o gasto para os pacotes de resgate dos bancos e entidades financeiras quebradas.

O montante do orçamento é de 3,94 trilhões de dólares e o déficit previsto é de 1,75 trilhão, equivalente a quase 12% do PIB. (1)

O gasto militar oficial é de 739,5 bilhões de dólares, embora se forem incluídos outros gastos indiretos ou encobertos, o gasto superaria 1 trilhão de dólares.

O gasto no resgate das entidades financeiras falidas na crise, efetuado pelas administrações de Bush e Obama alcança 1,45 trilhão, enquanto que os juros devidos pela dívida pública são de 164 bilhões de dólares.

Isto significa que quase toda a receita do orçamento (2,38 trilhões) se consome somente pelo gasto militar mais os resgates da oligarquia financeira e uma pequena proporção por juros da dívida pública. Não fica praticamente nada para outros tipos de gastos.

Se considerarmos que o gasto militar ronda o trilhão de dólares e que a parte da receita orçamentária correspondente aos impostos familiares é de 1,06 trilhão, temos que quase todos os impostos pagos pelas famílias nos Estados Unidos mal dão para cobrir o enorme gasto militar.

Os Estados Unidos são o país mais endividado do mundo, embora o significado prático disto seja diferente para este país que para qualquer outro, porque se encontra endividado na moeda nacional que ele mesmo cria e faz circular.

O financiamento da enorme dívida pública federal ascendente a 14 trilhões de dólares, sem incluir dívidas dos estados e municípios é de características surrealistas.

Para o crescimento dessa dívida pública contribuíram os pacotes de resgate aos bancos, mas essa dívida é financiada por uma retorcida operação mediante a qual o governo financia seu próprio endividamento, pois o dinheiro dado como resgate aos bancos é financiado em parte tomando empréstimos aos mesmos bancos.

Por sua vez, os bancos impõem condicionalidades ao governo no manejo da dívida e como o dinheiro deve ser empregado. Depois de terem sido “resgatados” os bancos exigem cortes maciços no gasto público em serviços para a população, a privatização de infraestruturas e serviços como água, rodovias, lazer, mas não se toca no gasto militar.

E não se toca porque “War is Good for Business” (A guerra é boa para os negócios) e a mesma oligarquia que maneja o mercado financeiro obtém elevados lucros procedentes do gasto militar. E esse gasto militar - como parte do déficit público - é financiado por operações de guerra econômica que se aquecem cada vez mais e ameaçam mesclar a guerra econômica com a guerra provavelmente nuclear que os Estados Unidos incubam na complexa meada de seus interesses e contradições econômicas e geoestratégicas.

O equilíbrio do terror financeiro
A peculiar estrutura mediante a qual os Estados Unidos atuam como uma economia parasitária que financia seus déficits e seu gasto militar recebendo injeções financeiras do resto do mundo é parte da “normalidade” da ordem econômica global. Ter reservas monetárias em dólares que se reciclam para comprar bônus ou outros instrumentos do Tesouro que financiam a dívida estadunidense, e com ela a escalada militar, é considerado pelos neoliberais como uma manifestação do equilíbrio de mercados livres.

O poder midiático apresenta esta reciclagem como resultado da confiança na fortaleza econômica dos Estados Unidos porque outros países enviam para lá seus dólares para ser investidos. (2)

O real é que os estrangeiros põem seu dinheiro nos Estados Unidos não porque sejam importadores de mercadorias desse país, nem tampouco são investidores privados comprando ações ou bônus. Os maiores aplicadores de dinheiro nos Estados Unidos são os bancos centrais que não fazem outra coisa senão reciclar os dólares que seus exportadores obtiveram e por sua vez cambiaram por moedas nacionais.

Com déficits comercial e fiscal crescentes nos Estados Unidos, se produz uma inundação de dólares para o exterior, que agora são impulsionados pela baixa taxa de juros norte-americana e pela emissão alegre de papéis verdes.

Os países receptores de dólares (a China em especial) se vêem colocados diante de um dilema. Não participam nem têm influência alguma sobre decisões econômicas do governo dos Estados Unidos, que se aproveita do privilégio do dólar. Se aceitam a inundação de dólares, seja por excedentes comerciais ou pela baixa taxa de juros norte-americana ou por ambos os fatores, sofrem a pressão para a elevação da sua taxa de câmbio, a perda de competitividade comercial e o perigo de deixar aninhar perigosos capitais especulativos de curto prazo.

Para evitar essa inundação, a conduta imposta é comprar papéis de dívida emitidos pelo governo norte-americano e acumulá-los nas reservas monetárias, sofrendo o perigo de que qualquer desvalorização do dólar seja uma desvalorização de suas reservas. À China ou a outros países que acumulam grandes volumes de dólares ou de papéis da dívida norte-americana denominados em dólares, não se lhes permite comprar ativos não financeiros nos Estados Unidos. Quando a China tentou (a compra de instalações para a distribuição de combustíveis) o governo dos Estados Unidos o proibiu. Nesse caso não valem o livre fluxo de capitais, o livre comércio e a retórica habitual. Só podem comprar ativos financeiros para financiar os déficits estadunidenses.

Ao comprar os bônus do Tesouro os países entram no “equilíbrio do terror financeiro” e passam a contribuir para financiar um destino não previsto nem desejado: o gasto militar do Pentágono.

Ocorre assim para os países receptores de dólares surgidos dos déficits norte-americanos, uma dupla compreensão. São lesionados ao ver-se estruturalmente empurrados a financiar passivamente a máquina militar norte-americana por meio de um “equilíbrio do terror financeiro” baseado não em sua superioridade econômica, mas no poderio militar. E ao fazê-lo, países como a China e a Rússia estão alimentando o mesmo gasto e poderio militar que aponta armas nucleares para eles.

O maciço gasto militar tem um objetivo geoestratégico hegemônico e sua lógica última é a guerra.

Não poucas pessoas nos Estados Unidos crêem nas virtudes de estímulo econômico que uma guerra pode trazer. Recordam com nostalgia que a guerra hispano-cubano-americana, a primeira guerra da etapa imperialista, serviu em 1898 para que os Estados Unidos escapassem da crise econômica daquela década. O que foi a Segunda Guerra Mundial? Esta finalmente provocou a suficiente destruição de forças produtivas para deixar para trás a Grande Depressão e abrir caminho aos dourados anos 1950. A recessão de finais dos anos 1940 foi superada com a ajuda da guerra da Coréia.

Esta nostalgia, que incrementa o perigo de uma catastrófica guerra nuclear, ignora que aquelas guerras convencionais correspondentes à época pré-nuclear poderiam atuar como estímulos anticrises, mas a guerra atual da era nuclear perdeu essa capacidade.

As guerras com armas convencionais tinham duas virtudes como reanimadoras da economia: mediante a produção maciça de armamento convencional para atender pedidos do Estado em guerra, se gerava emprego nas cadeias produtivas de então, e também a guerra convencional acelerava a destruição de forças produtivas que a crise econômica tinha iniciado, e levava ao nível suficiente para impulsionar a recuperação sobre a base da reconstrução do pós-guerra. A destruição era a suficiente para completar e acelerar o peculiar papel da crise econômica como destruidora de riqueza para iniciar depois outra fase expansiva e não era tanta ao ponto de ameaçar a vida da espécie humana e do planeta. Era possível para o capitalismo não só sobreviver, mas utilizar a guerra como tônico estimulante para a economia.

A guerra nuclear na atual etapa não seria estimulante frente ao principal problema orgânico da crise que é o desemprego, pois agora a tecnologia sofisticada para fabricar armas utiliza muito pouca força de trabalho, mas sua capacidade destrutiva é tão formidável que o destruído não seriam fábricas, capitais financeiros ou algumas cidades, mas o planeta e a espécie humana depois do cataclismo do inverno nuclear.

A guerra atual, se é guerra convencional de desgaste como a do Iraque e do Afeganistão, não pode ser ganha pelos Estados Unidos nem é estimulante para sair da crise econômica, se é guerra nuclear que se estabelece como ameaçadora possibilidade, tampouco serviria para sair da crise porque não eliminaria o grande problema do desemprego, mas serve para fazer grandes negócios a partir do tipo de gasto público que se maneja com total opacidade e falta de critério, o gasto no qual os Bernanke, Geithner, Summers, Strauss Kahn, nada decidem: o gasto militar, o qual é capaz de reunir em si mesmo a ambição hegemônica e o super lucro do grande negócio.

Para os Estados Unidos, debilitado economicamente e com uma cultura produtiva declinante, o recurso de última instância é a ameaça constante de guerra sustentada no gasto militar crescente. Mas, a ameaça constante de guerra e o gasto militar possuem uma dinâmica diabólica que tende a realizar-se na guerra real, quando convergem a mentalidade belicista, os conflitos pela hegemonia em petróleo, gás, água etc., disfarçados de razões humanitárias ou religiosas e a crença de que na guerra nuclear pode haver vencedores.

O declínio da economia da maior potência militar apresenta fortes tensões entre um poderio militar muito superior a qualquer outro e, pela mesma razão, ambicioso de hegemonia, e uma economia em retrocesso, que exportou boa parte de sua capacidade industrial, mergulhou no parasitismo financeiro, se acomodou no consumismo do produzido por outros e perdeu a cultura produtiva que alguma vez foi relevante. Alguns assinalam que seguindo essas tendências, o país que ao terminar a Segunda Guerra Mundial dominava a economia mundial com sua capacidade produtiva, se encaminha a consumir os produtos do exterior e a exportar somente filmes, espetáculos musicais, imagens glamorosas de um consumismo insustentável e armas.

O atraso econômico frente aos ritmos de crescimento da China e não só dela, mas do chamado BRIC+3 (Indonésia, Coréia do Sul, Malásia) é também uma fonte de tensões. Ao ritmo que crescem estes países chamados emergentes, seu PIB chegará em 2020 ao que agora tem o G-7.

As tendências apontam para o retrocesso econômico dos Estados Unidos e a previsível utilização da força militar para manter a posição dominante da segunda metade do século 20.

Essas tensões se manifestam nas guerras no Iraque, Afeganistão, Paquistão, na ameaça de guerra nuclear contra o Irã e a Coréia do Norte e também nos golpes e intentos de golpes de estado na América Latina (Honduras, Venezuela, Equador, Bolívia); adicionalmente, na crescente militarização na forma de instalação de bases militares norte-americanas em escala global e na conformação de uma doutrina de guerra que inclui, entre outras coisas, a perigosa redefinição das bombas nucleares “pequenas” - podem oscilar entre a metade e até 6 vezes a capacidade da bomba de Hiroshima - como armas que fazem parte de um menu de opções cuja utilização pode em teoria, ser decidida pelo comando no teatro de operações. Significa que um general no teatro de operações dispõe de uma “caixa de ferramentas” para escolher, na qual tem disponíveis mini bombas nucleares que poderia utili zar como o faria com os blindados, a artilharia etc. Mais
*economista e parlamentar cubano. Fonte: Cuba Debate

(1) Michel Chossudovsky e Andrew Gavin Marchall. The Global Economic Crisis. (A Crise Econômica Global), em Global Research. 2010. Pág. 47-48.

(2) Michael Hudson: The “Dollar Glut”. Finances America’s Global Military Build Up. ("O Excesso de Dólar”. As Finanças do Crescimento Militar Global da América), em The Global Economic Crisis. Capítulo 10.


quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Seminário de Desenvolvimento e Educação, hoje e amanhã na Uerj

O Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e a Fundação Ceperj (Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro) realizam o primeiro Seminário "Desenvolvimento e Educação", nos dias 18 e 19 de novembro. O evento será nos auditórios 91 e 93 da Uerj, na Rua São Francisco Xavier, 524, 9° andar, Maracanã. Pesquisadores, intelectuais, políticos, técnicos e gestores vão debater e confrontar criticamente as concepções de desenvolvimento e de educação no âmbito nacional e em relação à América Latina.

O ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), Samuel Pinheiro Guimarães neto, Theotônio dos Santos - do Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (Cebela) e da Universidade Federal Fluminense (UFF), Gaudêncio Frigotto - do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação (PPFH) da Uerj, Dermeval Saviani - da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Emir Sader - do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso), Roberto Amaral - do Cebela (Centro Brasileiro de Estudos Latino Americanos), são alguns dos palestrantes do evento.

O seminário "Desenvolvimento e Educação" terá quatro temas: "Concepções de desenvolvimento e de educação e o papel do Estado no Brasil hoje: um balanço crítico", Ciência, tecnologia e o papel da universidade na construção de projeto radicalmente democrático de desenvolvimento no Brasil", "O projeto brasileiro de desenvolvimento e a sua relação internacional, especialmente em relação à América Latina" e "Análise crítica dos indicadores econômico, sociais, educacionais e culturais que qualificam qual desenvolvimento e educação para que sociedade?".

Desenvolvido em parceria entre PPFH/UERJ, Centro de Estatísticas, Estudos e Pesquisas (Ceep) e Fundação Ceperj, o seminário terá como eixos centrais: as concepções de desenvolvimento e educação e o papel do Estado; ciência e tecnologia e o papel da universidade na construção de um projeto nacional de desenvolvimento e centrado na busca de respostas às profundas desigualdades sociais e à natureza das relações da sociedade brasileira no plano nacional e, especialmente, com a América Latina; e fecha com uma análise crítica dos indicadores econômicos, sociais, educacionais e culturais que permitam qualificar qual o desenvolvimento, qual educação, para qual sociedade.

O seminário terá duas palestras diárias (manhã e tarde), com a participação de um moderador. Os debates devem se materializar numa coleção de palestras apresentadas em DVD, na edição dos Anais ou de um livro e em um número especial da revista Crítica & Política. "Desenvolvimento e Educação" é coordenado pelos seguintes professores: Zacarias Gama (PPFH/Uerj), Epitácio Brunet (Ceep - Fundação Ceperj), Gaudêncio Frigotto (PPFH/Uerj), Roberto Amaral (Cebela) e Luíz Carlos Barreto Lopes (SEEDUC/RJ).

Programação

Data: 18 de novembro
Local: auditório 91 - Uerj

Mesa 1
Tema: Concepções de desenvolvimento e de educação e o papel do Estado no Brasil hoje: um balanço crítico.
Expositores: Theotônio dos Santos (UFF e Cebela) e Dermeval Saviani (Unicap)
Moderador: Gaudêncio Frigotto (PPFH/Uerj)
Horário: 9h às 12h30

Mesa 2
Tema: Ciência, tecnologia e o papel da universidade na contrução de projeto radicalmente democrático de desenvolvimento no Brasil
Expositores: Laura Tavares (UFRJ) e José Raymundo Romeo (UFF)
Moderador: Antônio Carlos Ritto (PPFH/Uerj)
Horário: 14h30 às 18h

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Data: 19 de novembro
Local: auditório 91 - Uerj

Mesa 3
Tema: O projeto brasileiro de desenvolvimento e a sua relação internacional, especialmente em relação à América Latina
Expositores: Emir Sader (CLACSO / PPFH-Uerj)
Samuel Pinheiro Guimarães Neto (Unb - IRBr/MRE)
Moderador: Roberto Amaral (Cebela)
Horário: 9h às 12h30

Mesa 4
Tema: Análise crítica dos indicadores econômico, sociais, educacionais e culturais que qualificam qual desenvolvimento e educação para que sociedade?
Expositores: Márcio Pochmann (Ipea - Unicamp) e Cândido Grzybowski (Ibase)
Moderador: Luiz Edmundo Aguiar (UFRJ)
Horário: 14h30 às 18h

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Os 'miseráveis' e o automóvel

Por Laerte Braga, do Brasil Mobilizado
Uma jovem francesa de nome Sabrina foi trocada pelos pais como parte do pagamento por um carro usado. À época tinha 23 anos e hoje tem 30. Doente, foi deixada à porta de um hospital em estado lastimável. O fato não aconteceu no Irã, mas na França, na cidade de Melun.

O jornal francês LE POST cita os nomes dos proprietários do carro, Franck Franoux e Florence Carrasco. O valor estimado da prestação paga em forma de Sabrina foi de 750 euros, algo como 1 760 reais.

Sabrina viveu em cativeiro entre 2003 e 2006, acorrentada a um abrigo. Tomava conta dos filhos do casal, foi queimada várias vezes com pontas de cigarros, ferro quente, espancada com barras de ferro e obrigada a manter relações sexuais com outros homens que pagavam ao casal para isso (naturalmente por conta de outras prestações atrasadas).

Quando largada às portas de um hospital em Paris ela não tinha dentes, pesava 34 quilos e foi submetida a várias cirurgias para reconstrução de nariz, orelhas e ainda hoje se encontra em “estado físico e psicológico deploráveis”.

Os pais e os que receberam Sabrina em pagamento estão sendo julgados e podem ser condenados a até 15 anos de prisão, mas dependendo das tais prestações, quem sabe, a pena mínima é de dois anos.

Luís Carlos Prates é um comentarista da RBS/GLOBO em Santa Catarina. Segundo ele “esse governo espúrio popularizou o automóvel e quem nunca leu um livro tem um carro”. Comentava o número de acidentes e mortos no feriadão do dia 15 de novembro. O livro a que se refere deve ser MEIN KAMPF, o único que provavelmente folheou. Leu as orelhas, mas absorveu o espírito. Registre-se que o comentário foi em estilo furibundo, salvador da pátria, faltou só o anauê ao final.

Na opinião do distinto os onze mortos em acidentes no feriadão de finados e os vinte nesse da proclamação da República se devem a isso. Para Luís Carlos Prates as pessoas ficam desatinadas para sair a qualquer custo. Maridos que não se entendem com mulheres, ou vice versa, tentam, através do automóvel, vencer curvas invencíveis na frustração do casamento fracassado. Já imaginou ficar um feriadão olhando a cara metade, ou o cara metade? É o raciocínio do comentarista padrão global.

E é bem o padrão GLOBO, aquele do BBB onde o diretor tem o hábito de jogar água suja nas pessoas que julga vadias. Nem Lúcia Hipólito no dia que estava bêbada.

O comentário do cidadão:


O prefeito da cidade de Detroit, a maior concentração da indústria automobilística em todo o mundo, está abrindo mão de 40% da área do município abandonada por desempregados hoje vivem em abrigos, nas ruas, em trailers, num país onde a taxa oficial de desemprego é de pouco mais de nove por cento, mas o governo nos bastidores admite que ultrapassa a vinte por cento. Qualquer semelhança com manipulação de números durante a ditadura militar ou o governo FHC não é mera coincidência.

É culpa da China.

A consultoria ECONOMATICA fez um levantamento sobre empresas na América Latina e nos EUA e concluiu que a PETROBRAS é a segunda maior empresa latino americana e nos EUA, com um patrimônio líquido de 175,5 bilhões de dólares.

O desespero do comentarista deve ser rescaldo da derrota de José FHC Serra. É que esse patrimônio foi recuperado pelo governo brasileiro e a perspectiva é que a empresa se torne a maior do setor petrolífero do mundo nos próximos anos.

Não vira PETROBRAX como queriam os tucanos.

Breve nos classificados de jornais de alto gabarito aquele anúncio troco filha loura, um metro e setenta, forma física de assombrar, carinhosa e meiga, faz serviços domésticos e de cama, por OPALA em boas condições, tratar pelo telefone 00000000.

O espetáculo “é o momento histórico que nos contém” (DEBORD).

E vai daí que, sem saída, o modelo falido, os norte-americanos decidiram apelar para a máquina de imprimir dinheiro, despejar toneladas de dólares verdadeiros/falsos mundo inteiro, no afã de recobrar o status de Disneyworld dos “miseráveis”, na falácia da “guerra do ópio” neoliberal.

Um relógio produzido em compartimentos segmentados de trabalho escravo, mão de obra barata e vendido na Quinta Avenida a não miseráveis que concentram todo o poder e riqueza do mundo, enquanto Obama finge que governa alguma coisa.

Leão desdentado é um trem, leão enfurecido é outra coisa, leão fracassado é um perigo maior ainda. O risco de perder a juba torna os EUA um conglomerado doentio e ameaçador.

No chamado vale do silício, na Califórnia, executivos de grandes empresas falidas na crise da soberba capitalista, abençoados por Bento XVI, como o fora por João Paulo II, passam o chapéu e alguns, os que aprenderam, ensaiam acordes em violões desafinados sem a menor sintonia com o sentido João Gilberto de ser.

As empresas? Imensos desertos varridos pela loucura dos arsenais capazes de destruir o mundo cem vezes.

O ser humano?

No filme O INCRÍVEL EXÉRCITO BRANCALEONE, de Mário Monicelli, o notável Vitório Gassman, quando percebe esgotadas todas as tentativas de ascender ao baronato, toma o rumo da Terra Santa. À frente um profeta e um sino à moda daquelas tropas de burros.

O problema todo é que a Terra Santa é propriedade privada do terrorismo sionista, escritura outorgada pelo Todo Poderoso, o deles evidente e lá se cobra ingresso para pedir perdão e para espetáculos de palestinos/palestinas sendo torturados, estuprados. Assassinatos custam um pouco mais caro, afinal os custos são altos e com a crise do patrocinador, os EUA, é preciso fechar o balanço no mínimo empatando a casa das despesas com a das entradas.

MOSSAD. Existem autorizações expressas na lei e nos fundamentos do sionismo para esse tipo de ação. O diabo é depois.

Acaba morto num quarto de hotel em Dubai.

Há anos atrás o programa GLOBO REPÓRTER mostrou uma simulação interessante produzida por uma tevê norte-americana. Se todos os carros saíssem a um só tempo numa determinada cidade, acho que New York, nem haveria como chegar e nem haveria como voltar.

Cerca de 15% da população dos EUA teve dificuldades em colocar comida à mesa no ano de 2009. Passaram fome. Como registra Milton Temer, já imaginou se isso fosse em Cuba onde a saúde e a educação pública de boa qualidade alcançam a totalidade das pessoas?

O que a REDE GLOBO não faria?

Balela? Informação do próprio Departamento de Agricultura do governo do império.

Nos castelos de Wall Street tudo bem, lagosta.

Nos arredores de Detroit quem sabe calangos?

Será que a indignação do comentarista da RBS/GLOBO, assim como alguém que se revolta com uma baita injustiça foi a mesma quando o filho de um diretor da empresa da qual é empregado estuprou com alguns amigos uma colega?

Foi não, enfiou a viola no saco. A indignação com “miseráveis” andando de automóvel é puro preconceito e a dedução sobre maridos e mulheres insatisfeitos é patologia comum a globais de qualquer dimensão. No caso, ele é de quinta ou sexta.

Importante são as receitas de Ana Maria Braga e os passeios de Susana Vieira no shopping com os cãezinhos e o namorado.

Um dia, quem sabe não custa ter esperança, televisão brasileira chega a um estágio em que a debilidade mental que resulta do ódio e do preconceito não seja a regra. Sem robôs como Bonner e sem comentaristas do naipe de Luís Carlos Prates.

Olhe, houve um tempo que num só jornal se juntaram, Nélson Rodrigues, Sérgio Porto, Antônio Maria, Luís Jatobá, isso apesar de Flávio Cavalcanti, mas noutro canal.

Que pena, a invenção de Ford para as elites saírem do pesadelo das diligências acabou nas mãos de “brasileiros miseráveis”, por obra e graça de um governo “espúrio”.

Cretinice não é bem a palavra, nem canalhice, difícil mensurar.

Deve estar pensando em servir em São Paulo, em posição de sentido para o esquema FIESP/DASLU. Só pode. Ou então nas pessoas que comem por conta do “governo espúrio”. Medo de faltar caviar.

Boaventura de Sousa Santos e o G20: 'A História da Austeridade'

Por Boaventura de Sousa Santos*, para Carta Maior
A recente reunião do G-20 em Seul foi um fracasso total. Chegou a ser constrangedora a perda de credibilidade dos EUA, como suposta economia mais poderosa do mundo, e o modo como tentaram acusar a China de comportamentos monetários afinal tão protecionistas quanto os dos EUA. A reunião mostrou que a “ordem” econômico-financeira, criada no final da Segunda Guerra Mundial e já fortemente abalada depois da década de 1970, está a colapsar, sendo de prever a emergência de conflitos comerciais e monetários graves. Mas curiosamente estas divergências não têm eco na opinião pública mundial e, pelo contrário, um pouco por toda a parte os cidadãos vão sendo bombardeados pelas mesmas ideias de crise, de tempo de austeridade, de sacrificos repartidos. Há que analisar o que se esconde por detrás deste unanimismo.

Quem tomar por realidade o que lhe é servido como tal pelos discursos das agências financeiras internacionais e da grande maioria dos Governos nacionais nas diferentes regiões do mundo tenderá a ter sobre a crise econômica e financeira e sobre o modo como ela se repercute na sua vida as seguintes ideias: todos somos culpados da crise porque todos, cidadãos, empresas e Estado, vivemos acima das nossas posses e endividamo-nos em excesso; as dívidas têm de ser pagas e o Estado deve dar o exemplo; como subir os impostos agravaria a crise, a única solução será cortar as despesas do Estado reduzindo os serviços públicos, despedindo funcionários, reduzindo os seus salários e eliminando prestações sociais; estamos num periodo de austeridade que chega a todos e para a enfrentar temos que aguentar o sabor amargo de uma festa em que nos arruinamos e agora acabou; as diferenças ideológicas já não contam, o que conta é o imperativo de salvação nacional, e os políticos e as políticas têm de se juntar num largo consenso, bem no centro do espectro político.

Esta “realidade” é tão evidente que constitui um novo senso comum. E, no entanto, ela só é real na medida em que encobre bem outra realidade de que o cidadão comum tem, quando muito, uma ideia difusa e que reprime para não ser chamado ignorante, pouco patriótico ou mesmo louco. Essa outra realidade diz-nos o seguinte. A crise foi provocada por um sistema financeiro empolado, desregulado, chocantemente lucrativo e tão poderoso que, no momento em que explodiu e provocou um imenso buraco financeiro na economia mundial, conseguiu convencer os Estados (e, portanto, os cidadãos) a salvá-lo da bancarrota e a encher-lhe os cofres sem lhes pedir contas. Com isto, os Estados, já endividados, endividaram-se mais, tiveram de recorrer ao sistema financeiro que tinham acabado de resgatar e este, porque as regras de jogo não foram entretanto alteradas, decidiu que só emprestaria dinheiro nas condições que lhe garantissem lucros fabulosos até à próxima explosão. A preocupação com as dívidas é importante mas, se todos devem (famílias, empresas e Estado) e ninguém pode gastar, quem vai produzir, criar emprego e devolver a esperança às famílias?

Neste cenário, o futuro inevitável é a recessão, o aumento do desemprego e a miséria de quase todos. A história dos anos de 1930 diz-nos que a única solução é o Estado investir, criar emprego, tributar os super-ricos, regular o sistema financeiro. E quem fala de Estado, fala de conjuntos de Estados, como a União Europeia e o Mercosul. Só assim a austeridade será para todos e não apenas para as classes trabalhadoras e médias que mais dependem dos serviços do Estado.

Porque é que esta solução não parece hoje possível? Por uma decisão política dos que controlam o sistema financeiro e, indiretamente, os Estados. Consiste em enfraquecer ainda mais o Estado, liquidar o Estado de bem-estar onde ele ainda existe, debilitar o movimento operário ao ponto de os trabalhadores terem de aceitar trabalho nas condições e com a remuneração unilateralmente impostas pelos patrões. Como o Estado tende a ser um empregador menos autônomo e como as prestações sociais (saúde, educação, pensões, previdencia social) são feitas através de serviços públicos, o ataque deve ser centrado na função pública e nos que mais dependem dos serviços públicos. Para os que neste momento controlam o sistema financeiro é prioritário que os trabalhadores deixem de exigir uma parcela decente do rendimento nacional, e para isso é necessário eliminar todos os direitos que conquistaram depois da Segunda Guerra Mundial. O objetivo é voltar à política de classe pura e dura, ou seja, ao século XIX.

A política de classe conduz inevitávelmente à confrontação social e à violência. Como mostram bem a recentes eleições nos EUA, a crise econômica, em vez de impelir as divergências ideológicas a dissolverem-se no centro político, agrava-as e empurra-as para os extremos. Os políticos centristas (em que se incluem os políticos que se inspiraram na social democracia europeia) seriam prudentes se pensassem que na vigência do modelo que agora domina não há lugar para eles. Ao abraçarem o modelo estão a cometer suicídio. Temos de nos preparar para uma profunda reconstituição das forças políticas, para a reinvenção da mobilização social da resistência e da proposição de alternativas e, em última instância, para a reforma política e para a refundação democrática do Estado.
*sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal)